Mais um setembro chegou e, com ele, voltaram também as campanhas de conscientização do Setembro Amarelo. Esse mês é dedicado exclusivamente à propagação de informações acerca da prevenção ao suicídio, um assunto muito sério, delicado e de extrema importância para a população.
Todos os anos, em torno de 800 mil pessoas tiram as próprias vidas ao redor do mundo. As taxas no Brasil também são dignas de nota — falaremos sobre elas ao longo da nossa conversa — e dar atenção a esse assunto é algo que não pode ser deixado de lado.
Pensando nisso, convidamos o Dr. André Salles, psiquiatra especialista na área da infância e da adolescência, para um bate-papo com o objetivo de esclarecer alguns dos principais pontos sobre a prevenção ao suicídio em nossa sociedade.
Qual é a importância de falar sobre a prevenção ao suicídio?
Por muito tempo, esse tema foi mantido a sete chaves. No entanto, a prevenção ao suicídio é um assunto que deve ser debatido em todos os ambientes, desde às mídias até as rodas de conversa entre amigos.
Vale a pena ressaltar que a vontade pela finitude e as doenças mentais caminham lado a lado. Ainda que nem todos os pacientes com a saúde mental comprometida contemplem o suicídio com frequência, é inegável que tais pensamentos têm, sim, uma correlação direta com doenças como a depressão, ainda que elas não tenham sido diagnosticadas no indivíduo.
Com o passar do tempo e o aumento da informação, lentamente as enfermidades mentais foram se tornando mais reconhecidas pela sociedade. O debate acerca desse tema, no entanto, é bem recente. Por isso, as estatísticas referentes ao suicídio e aos problemas emocionais ainda são uma certa novidade na literatura.
Segundo um levantamento da OMS (Organização Mundial da Saúde), 90% dos suicídios são potencialmente evitáveis. O Dr. André Salles diz que é possível que tal número seja ainda maior, o que mostra a importância do investimento em cuidados preventivos e na atenção geral sobre a saúde mental.
Para conseguirmos impedir um evento assim, precisamos focar em:
- atenção aos sinais mostrados pelos indivíduos;
- melhor acesso à saúde mental de qualidade;
- construção de uma boa rede de apoio para todos os cidadãos, seja dentro do núcleo familiar, na escola, no trabalho ou em outros âmbitos da sociedade;
- trabalho constante acerca da inteligência emocional na sociedade, algo que deve ser feito desde a educação básica, a fim de ajudar os indivíduos a se conhecerem melhor e saberem quando precisam de apoio profissional;
- maior conscientização da população em geral acerca das doenças que afetam a mente, derrubando preconceitos e estigmas que podem agravar os casos ou até fazer com que os pacientes não busquem ajuda.
Ainda de acordo com o Dr. André Salles, tais cuidados são mais importantes agora, no contexto social que nos encontramos com a pandemia de covid-19.
“Esse evento potencializou problemas de origem emocional, graças ao isolamento social e as inseguranças que se intensificaram nesse período, como a contemplação sobre o significado da vida, a perda de muitas pessoas e as dificuldades financeiras enfrentadas por muita gente nesse momento”.
Sendo assim, falar sobre suicídio e atuar na sua prevenção é uma responsabilidade de todos nós.
Como estão as taxas de suicídio no Brasil e no mundo?
De acordo com a OMS, os números no Brasil subiram cerca de 7% em 3 anos. No mundo, a situação vai em outro sentido: no mesmo período, houve uma queda de quase 10% nos casos.
Mas, por que isso acontece?
Ainda de acordo com a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do planeta e um dos que têm os maiores índices de depressão em todo o globo. E, além disso, há um grande estigma social sobre essas doenças, o que faz com que os cuidados preventivos e remediadores ainda estejam se consolidando entre os brasileiros.
Quais são as principais causas de suicídio?
Como mencionado anteriormente, as causas de suicídio estão quase sempre associadas à presença, diagnosticada ou não, de algum tipo de doença psicoemocional. Alguns exemplos são:
- depressão;
- transtorno bipolar;
- transtorno borderline;
- abuso de substâncias como o álcool ou drogas (que podem potencializar o processo).
Lembrando que essas questões não são determinantes para as ideações suicidas. Mesmo que algumas delas não tenham cura, o tratamento é bastante eficaz e boa parte dos pacientes convive bem com os transtornos, tendo qualidade de vida e segurança emocional.
Quais são os desafios envolvidos na saúde mental?
Outras causas indiretas para o suicídio são:
- o estigma social referente às doenças psicológicas;
- a dificuldade do acesso aos cuidados com a saúde mental;
- a precarização da estrutura pública no atendimento aos pacientes psicológicos.
“O estigma apresentou uma redução significativa nos últimos anos. Com o passar do tempo, mais e mais pessoas passaram a falar sobre as suas questões emocionais, e, hoje, doenças como a depressão são reconhecidas e mais levadas a sério”, de acordo com o Dr. André Salles.
Ainda que reduzido, o estigma persiste. Por isso, quando falamos sobre “dificuldade ao acesso”, é importante mencionar que esse não é um problema exclusivo da falta de pontos de atendimento.
Quais são os principais comportamentos e sinais da ideação suicida?
Alguns sinais podem nos dar bons indicativos de que alguém está em sofrimento por conta de problemas emocionais e pode, quem sabe, estar vivenciando pensamentos de ideação suicida, ainda que cada pessoa reaja de um jeito.
Alguns deles são:
- uma pessoa normalmente extrovertida que se torna mais calada e retraída;
- alguém tranquilo que, de repente, se mostra agressivo e irritado;
- presença de intolerância ou “falta de paciência”;
- isolamento excessivo;
- falta de interesse em temas que antes eram parte do dia a dia da pessoa;
- falta de energia, alguém que passa muito tempo deitado ou sem fazer as atividades que normalmente fazia;
- euforia exagerada, do tipo de querer resolver muitas coisas em um curto período;
- choro fácil e incontrolável;
- falta de apetite (ou fome em excesso);
- insônia (ou sono em excesso);
- surgimento abrupto de conversas que antes eram incomuns, como a contemplação sobre o sentido da vida ou para onde vamos após a morte.
Há, ainda, um sintoma muito claro, mas que nem sempre está presente: quando a pessoa fala abertamente sobre a vontade de terminar com a própria vida ou verbaliza que não há motivos para estar por aqui.
Frases como “às vezes, eu gostaria de sumir” ou “não sei nem porque nasci” também demandam atenção por parte dos amigos e familiares. Ainda que não representem, necessariamente, a ideação suicida, essas afirmações demonstram que a pessoa está passando por um momento complicado.
O que pode ser considerado um fator de risco ao suicídio?
Como as pessoas reagem de formas muito diferentes, é natural também que os fatores de risco para o suicídio sejam diferentes para cada um de nós. Sendo assim, os fatores de risco também variam muito de um indivíduo para o outro.
As doenças psiquiátricas têm diferentes origens, mas geralmente são a associação de múltiplos fatores. Eles podem ser, por exemplo, genéticos ou associados a eventos traumáticos em nossas vidas. O ambiente em que crescemos e até mesmo o uso de alguns medicamentos também pode fazer com que essas alterações surjam.
Mas o que leva alguém a contemplar a ideia de finalizar a própria vida? Algumas razões possíveis são:
- altos níveis de estresse;
- abuso de substâncias químicas;
- problemas nos relacionamentos interpessoais;
- falta de autoestima;
- dificuldades no trabalho ou com dinheiro;
- presença de doenças crônicas, que dificultam a mobilidade e prejudicam a qualidade de vida;
- ocorrências traumáticas, como assaltos, abusos sexuais, entre outras;
- perda de pessoas ou animais amados.
Como ajudar essas pessoas?
Ao identificar qualquer tipo de alteração no comportamento de alguém, é importante abordar a pessoa com delicadeza e empatia. Muitas vezes, é natural que ela não queira se abrir, mas é fundamental mostrar que você está à disposição para ajudá-la caso seja necessário.
É crucial, também, não forçar a barra. Nada de praticar a imposição de atitudes (como “vamos fazer exercícios!” ou “chega de ficar deitado!”). Oferecer opções e tentar estimular é muito válido, mas sem fazer com que a pessoa, que já se encontra vulnerável, se sinta na obrigação e passe a ficar ainda mais pressionada e frustrada.
No caso de pessoas que apresentam um grau mais grave de ideação suicida (isto é, aqueles que mencionam o fato abertamente ou já passaram por alguma tentativa), é mandatório uma intervenção mais assertiva. Convide a pessoa para buscar apoio médico e se disponibilize para estar lá, caso ela julgue preciso.
Suicídio na adolescência: quais são as particularidades?
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre pessoas na faixa dos 15 aos 29 anos. Assim, é fácil perceber que os adolescentes também são muito afetados por esse problema.
Conforme dados levantados pela empresa Azos, a partir de cruzamentos com informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), houve um aumento de quase 50% nos suicídios de adolescentes brasileiros entre 2014 e 2019. Mas, afinal, quais são as causas para esses números tão alarmantes?
Ao que tudo indica, a adolescência é um período mais sensível para as ideações suicidas por conta das mudanças vivenciadas por essa população. Para o Dr. André Salles, algumas das justificativas são:
- grande quantidade de novidades e desafios;
- período de transição, recheado por incertezas e dúvidas;
- formação da personalidade e da identidade;
- experiência de um período de luta pela infância que está ficando para trás;
- dificuldade em lidar com todas essas novas sensações;
- aumento da responsabilidade e das pressões sociais;
- início das experiências com pessoas fora do núcleo familiar, tanto no sentido da amizade quanto no romântico;
- enfrentamento dos primeiros desafios sem o suporte dos pais;
- necessidade de pertencimento em grupos;
- mudanças físicas, com a chegada da puberdade e a ocorrência de alterações significativas no corpo;
- amadurecimento do sistema nervoso central, que desenvolve primeiro as áreas ligadas às emoções e, por último, as que estão relacionadas com o controle, fazendo com que os adolescentes sejam mais impulsivos;
- fase de muitos questionamentos sobre temas polêmicos, como a religiosidade, a sexualidade, o nosso lugar no mundo e muito mais.
Como podemos perceber, a fase da adolescência é cheia de transformações que, muitas vezes, não são muito compreendidas pelos próprios adolescentes e por aqueles que convivem com eles. Esse processo envolve muito autoconhecimento e pode ser um tanto quanto desafiador.
Por isso, é muito importante que todos estejam atentos a essas mudanças, identificando alterações comportamentais fora do normal e mantendo um diálogo aberto com os adolescentes. Nessa fase, carinho, respeito e amor são indispensáveis.
Outra forma de cuidar dos jovens é manter as consultas periódicas sempre em dia. Durante a infância, as visitas ao pediatra são recorrentes, mas esse é um hábito que se perde entre as famílias com a chegada da adolescência. Importante manter acompanhamento com hebiatra, especialidade médica voltada para o cuidado aos adolescentes, mas não há uma indicação formal de periodicidade ou tempo.
A visita frequente ao médico de referência é essencial não apenas para identificar alterações fisiológicas, mas também para que esse seja um momento de privacidade entre o médico e o paciente, com mais uma porta aberta para que o jovem possa desabafar e, quem sabe, ser orientado sobre os seus receios e aflições.
As 9 principais fatores associadas ao suicídio na adolescência
Como vimos, a adolescência é um período que envolve muitas mudanças. Elas são tanto físicas quanto emocionais, o que faz com que essa seja uma fase muito sensível e delicada, especialmente quando o adolescente lida, em seu dia a dia, com os problemas de origem emocional e psicológica.
Mas, afinal, quais são as principais causas para o suicídio entre os jovens? Identificá-las é fundamental para que possamos atuar, de maneira mais eficiente, na prevenção desse evento.
A seguir, confira causas comuns do suicídio entre os adolescentes e saiba como cada um desses problemas afeta a mente dos jovens que lidam com questões como essa. Elas são:
- depressão;
- TAG (transtorno da ansiedade generalizada);
- transtorno bipolar;
- transtorno de personalidade borderline;
- problemas familiares;
- problemas com os relacionamentos em geral;
- bullying e cyberbullying (quando acontece no ambiente virtual);
- traumas emocionais;
- transtornos alimentares.
Como agir e ajudar ao identificar a ideação suicida no adolescente?
É fundamental investir em uma abordagem rápida e empática, mostrando que está tudo bem e que é preciso buscar um apoio profissional. O mesmo vale para adultos e idosos.
Em casos mais brandos, isso pode ser conversado e a orientação profissional precisa ser agendada. Qualquer pessoa maior de idade pode acompanhar o adolescente às consultas, entrando ou não no consultório com o paciente (lembrando que essa é uma escolha que cabe a ele).
Casos mais graves exigem uma intervenção urgente. Para isso, há opções de emergência para lidar com situações agudas, como crises ou até mesmo tentativas de suicídio.
Outro detalhe é: se você for um responsável, amigo ou parente do adolescente em questão, uma boa prática é agendar uma consulta com um profissional da equipe de saúde mental (psicólogo, psiquiatra ou assistente social) para discutir a situação e buscar orientação.
Como é feito o tratamento no caso de transtornos psiquiátricos?
O tratamento para transtornos mentais é realizado de maneira multidisciplinar. A abordagem a essas doenças é efetuada como um projeto terapêutico, ou seja, uma série de estratégias que, juntas, trazem bons resultados e devolvem a estabilidade emocional aos pacientes afetados.
A seguir, descobriremos algumas das estratégias que podem ser utilizadas nesse processo.
Uso de medicamentos
O tratamento medicamentoso é uma das estratégias utilizadas para lidar com a ideação suicida, e deve ser prescrito exclusivamente por um médico especialista. Alguns tipos de remédios receitados são os antidepressivos, os estabilizadores de humor e os ansiolíticos.
Há uma certa resistência ao uso desses medicamentos. É preciso compreender que, embora eles tragam alguns efeitos colaterais, são fundamentais para que o tratamento dê resultados. Além disso, os efeitos adversos normalmente cessam em, no máximo, 15 dias.
É importante persistir com a medicação, já que o corpo precisa de um tempo para se adaptar à nova realidade. Em cerca de 2 semanas, as sensações ruins (como enjoos, palpitações e falta de apetite) passam, restando apenas os efeitos positivos desses remédios.
Terapia
O acompanhamento com um psicólogo é indispensável para o sucesso do tratamento contra os problemas que envolvem doenças psicoemocionais.
A terapia pode ser feita de maneira individual, apenas com o paciente afetado pelo transtorno, em grupos, ou familiar. Nesse caso, toda a família se reúne para discutir alguns aspectos comportamentais que podem afetar o bem-estar do paciente.
O acompanhamento com o psicólogo e psiquiatra deve ser contínuo, mesmo quando o quadro estiver estabilizado. Assim, as doses de medicamentos podem ser reajustadas e as estratégias revisitadas pelos profissionais.
Mudança de hábitos
Alterações em busca de uma alimentação saudável e a prática de exercícios físicos são bons exemplos de como a mudança de hábitos complementam o tratamento, já que abandonar o sedentarismo ajuda bastante no combate a doenças mentais (além de outras fisiológicas). Ainda, investir em terapias alternativas, como a acupuntura, pode ser uma ótima decisão.
A mudança de hábitos também deve partir dos familiares e do núcleo social do paciente. Com uma família mais participativa, é bem mais provável que o indivíduo se sinta estimulado a cuidar de si mesmo.
Onde buscar ajuda para o tratamento psiquiátrico?
A ajuda pode ser encontrada em vários lugares e níveis de atenção. Fazem parte da rede de atenção psicossocial (RAPS):
- unidades básicas de saúde (UBS) – nível de atenção primário;
- ambulatórios de especialidades – nível de atenção secundário;
- centro de atenção psicossocial (CAPS);
- emergências de hospitais gerais
Em casos de emergência, o paciente em crise pode ser enviado a uma unidade médica ao contatar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Algumas cidades têm, no SAMU, profissionais da saúde mental em plantões. O mesmo é válido para hospitais 24 horas, que também conseguem prestar esse serviço.
Além disso, não podemos deixar de mencionar o CVV, Centro de Valorização da Vida. Essa é uma organização filantrópica que promove um serviço de escuta, ou seja, no qual o paciente pode desabafar. No entanto, o atendimento profissional continua sendo imprescindível após esse período de apoio.
O número do CVV é 188. Para chamar o SAMU, você deve discar o 192. Com o 193, você aciona o Corpo de Bombeiros, que também pode ser de grande ajuda em momentos de crise e risco para a integridade física.
Estou com ideações suicidas. O que fazer?
Conhecer a nós mesmos também é algo muito importante. Portanto, caso você tenha aberto essa publicação por achar que está vivenciando ideações suicidas, saiba de uma coisa: você não está sozinho!
Os transtornos emocionais fazem parte do dia a dia de muita gente e não conhecem limites, atingindo pessoas de todas as etnias, gêneros e classes sociais.
Estamos falando de doenças, que assim como qualquer outra, podem (e devem!) ser tratadas e controladas. As terapias são muito efetivas, e o acesso a esse tratamento é livre para qualquer cidadão brasileiro.
Por isso, busque ajuda. Esse apoio pode vir de um familiar, um parceiro ou parceira, um amigo ou, claro, de um profissional da saúde. Todos eles poderão auxiliar na inserção em um serviço de saúde mental ou encaminhar para profissionais de saúde mental. Siga as dicas passadas ao longo do texto e se abra com alguém. Assim, você poderá receber o tratamento adequado para superar essa fase difícil. Estamos com você!
Agora que vimos a importância da prevenção ao suicídio e conhecemos um pouco mais sobre essa situação tão séria, é hora de continuarmos o nosso trabalho. Caso você não esteja passando por isso, que tal conversar com alguém que precisa e orientar essa pessoa a buscar ajuda? E lembre-se: os cuidados com a saúde mental devem ser constantes e não apenas em momentos de crise.
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