As miopatias inflamatórias idiopáticas (MII) constituem um grupo complexo e diversificado de doenças autoimunes adquiridas, com um impacto significativo na saúde dos pacientes, frequentemente resultando em elevada morbidade. A identificação precisa e precoce dessas condições é fundamental para um manejo mais eficaz e para a melhoria da qualidade de vida.
Nesse contexto, as alterações laboratoriais — tais como a elevação das enzimas musculares, em especial, a detecção de autoanticorpos específicos para miosite — desempenham um papel importante no diagnóstico e na caracterização das diferentes formas de MII.
Esses marcadores não só auxiliam na diferenciação entre os subtipos de miopatias inflamatórias, como também fornecem informações sobre o prognóstico e possíveis complicações associadas. Neste conteúdo, você encontrará mais informações sobre as miopatias inflamatórias idiopáticas, seu diagnóstico e os novos marcadores. Boa leitura!
O que são as miopatias inflamatórias idiopáticas?
Representando um grupo heterogêneo de doenças autoimunes, as miopatias inflamatórias idiopáticas (MII) são caracterizadas por uma inflamação crônica nos músculos esqueléticos. Essas condições podem impactar não apenas os músculos, mas também outros órgãos, resultando em uma gama de manifestações clínicas.
Entre as principais MII, estão a dermatomiosite (DM), a polimiosite (PM), a miopatia por corpúsculos de inclusão (MCI), a miopatia necrotizante imunomediada (MNIM) e a dermatomiosite juvenil (DMJ).
A dermatomiosite (DM) apresenta uma distribuição bimodal de incidência, afetando tanto crianças quanto adultos de meia-idade, e é mais comum em mulheres. Essa condição é tipicamente associada a manifestações cutâneas e a um risco elevado de malignidades, principalmente quando diagnosticada em idosos.
Tal como a DM, a polimiosite (PM) é considerada uma doença rara, sendo, muitas vezes, diagnosticada por exclusão. É prevalente em adultos e também mais comum em mulheres.
A miopatia por corpúsculos de inclusão (MCI), que ocorre predominantemente em homens acima de 50 anos, é caracterizada por fraqueza muscular assimétrica e distal, enquanto a miopatia imunomediada (MNIM) pode ocorrer em qualquer idade e é frequentemente associada ao uso de certos medicamentos, infecções virais e doenças autoimunes.
As principais manifestações da dermatomiosite juvenil (DMJ) envolvem fraqueza muscular proximal simétrica, elevação de enzimas musculares séricas e lesões cutâneas, entre as quais, o heliotropo e as pápulas de Gottron são bem características.
O diagnóstico preciso dessas condições é desafiador, devido à sobreposição de características clínicas e histopatológicas. Portanto, além do quadro clínico e das alterações bioquímicas, a identificação de marcadores específicos de miopatias é crucial para diferenciar os subtipos e orientar o manejo clínico adequado.
Diagnóstico das miopatias inflamatórias idiopáticas
O diagnóstico das MII exige uma abordagem diversificada, incluindo avaliação clínica detalhada, exames laboratoriais específicos, técnicas avançadas de imagem e biópsia muscular para confirmação histológica.
A avaliação clínica das MII inclui a observação dos sintomas apresentados pelo paciente, que envolvem fraqueza muscular proximal, presença de erupções cutâneas típicas, descritas na dermatomiosite (DM), e outros sintomas sistêmicos.
Além da avaliação clínica, testes laboratoriais são necessários para confirmar o diagnóstico. Os resultados podem apresentar elevação dos níveis de enzimas musculares, como creatinofosfoquinase (CPK), aldolase, transaminase oxalacética ou aspartato aminotransferase (TGO/AST) e lactato desidrogenase (LDH), indicando dano muscular. A presença de autoanticorpos específicos para miosite, como anti-Jo-1, é um marcador importante que pode ajudar a diferenciar entre os subtipos de miopatia inflamatória.
A eletromiografia (EMG) é uma ferramenta diagnóstica essencial para detectar alterações miopáticas características das miopatias inflamatórias. Ela pode revelar potenciais de unidade motora de curta duração e baixa amplitude, fibrilações e ondas agudas positivas, que são indicativos de inflamação e dano muscular.
Outro exame que completa a investigação das MII — e é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico — é a biópsia muscular. A análise histológica do tecido muscular pode revelar a presença de infiltrados inflamatórios, necrose muscular, regeneração e outras alterações específicas para cada subtipo de miopatia. Esses resultados são importantes sobretudo nos casos cujos resultados clínicos e laboratoriais são inconclusivos.
Exames de imagem, como ressonância magnética, podem ser necessários para visualizar a extensão da inflamação e a cronicidade da doença, além de auxiliar no planejamento de biópsias. Ademais, em virtude do aumento do risco de câncer, particularmente em pacientes com dermatomiosite, é imprescindível a realização de triagens adequadas, avaliando neoplasias por meio de exames como tomografia ou PET-CT.
Esses métodos de diagnóstico são relevantes para diferenciar as miopatias inflamatórias de outras condições musculares e também de outras doenças autoimunes sistêmicas, sendo primordiais para determinar o tratamento mais adequado.
Anti-Jo-1
O anti-Jo-1 é considerado o marcador sorológico específico para o subgrupo das miopatias inflamatórias idiopáticas, especialmente a polimiosite. Esse anticorpo é direcionado contra a enzima histidil-t-RNA sintetase e é encontrado em aproximadamente 25% a 30% dos pacientes com polimiosite, sendo menos frequente em casos de dermatomiosite.
Sua presença é altamente associada à síndrome antissintetase (SAS), que engloba um conjunto de manifestações clínicas distintas, incluindo miopatia inflamatória, pneumopatia intersticial, poliartrite, alterações hiperceratóticas e descamativas nas palmas das mãos e dos dedos, além do fenômeno de Raynaud.
Em alguns casos, é possível encontrar o anti-Jo-1 em pacientes com pneumopatia intersticial isolada, o que pode representar uma manifestação inicial da SAS.
Novos marcadores
Os marcadores laboratoriais, principalmente os autoanticorpos específicos de miosite, exercem função significativa na caracterização das MII. Apesar dos avanços na identificação dos autoanticorpos, o uso clínico desses marcadores ainda é restrito, em razão de limitações relacionadas ao acesso e à baixa sensibilidade que eles demonstram no diagnóstico das miopatias inflamatórias imunomediadas.
Dessa forma, nem todos os pacientes com miopatias inflamatórias idiopáticas (MII) apresentam autoanticorpos específicos. Sem contar que alguns autoanticorpos podem, ainda, estar presentes em outras doenças autoimunes, o que compromete a acurácia diagnóstica desses marcadores.
A interpretação dos resultados também pode ser complexa, uma vez que depende de um contexto clínico abrangente, e a presença isolada dos autoanticorpos não é suficiente para um diagnóstico definitivo. Adicionalmente, a expressão de autoanticorpos pode variar com a idade, o sexo e a etnia, influenciando a precisão diagnóstica.
Entretanto, em que pesem as limitações diagnósticas dos anticorpos miosite-específicos, esses biomarcadores revelam informações prognósticas valiosas nas MII. Assim sendo, demonstram utilidade na predição do curso clínico evolutivo, bem como na resposta ao tratamento. Entre eles, merecem destaque os anticorpos anti-TIF γ/α, anti-MDA5 e anti-MJ/NXP-2.
Anti-TIF1γ/α (Transcription intermediary factor 1γ/α)
O anticorpo anti-TIF1γ/α, anteriormente identificado como anti-p155/140, é encontrado em cerca de 20% a 30% dos pacientes com dermatomiosite (DM).
Ele está fortemente associado a neoplasias, especialmente em pacientes com mais de 40 anos. É detectado em 10% a 15% dos pacientes com miopatias inflamatórias idiopáticas (MII).
Anti-MDA5 (Melanoma differentiation-associated gene 5)
Os autoanticorpos anti-MDA5 são descritos em um subgrupo de pacientes com dermatomiosite que apresentam pouco ou nenhum envolvimento muscular, mas significativo acometimento cutâneo, caracterizando a dermatomiosite amiopática (DMA).
A presença desses autoanticorpos está associada à doença intersticial pulmonar progressiva de rápida instalação, que é um fator de mau prognóstico. Esses autoanticorpos são encontrados em aproximadamente 15% a 20% dos casos de miopatias inflamatórias idiopáticas (MII), destacando-se como marcadores importantes no diagnóstico e prognóstico dessas condições.
Anti-NXP-2 (Nuclear matrix protein 2)
Previamente denominados anti-MJ, os anticorpos anti-NXP-2 estão associados à calcinose cutânea na dermatomiosite juvenil (DMJ).
Em adultos, há relatos de sua presença em casos de dermatomiosite (DM) associada a neoplasias. Esses anticorpos são encontrados em cerca de 5% dos pacientes com miopatias inflamatórias idiopáticas (MII).
Aplicações clínicas
Apesar da existência de vários autoanticorpos associados às miopatias inflamatórias, apenas o anti-Jo-1 foi formalmente incorporado aos critérios de classificação dessas doenças, conforme os colégios americano e europeu de reumatologia, adotados mundialmente.
Outros marcadores podem ser utilizados na prática clínica para investigar miopatias idiopáticas, no entanto, por serem anticorpos raros em um grupo de doenças igualmente raras, ainda não há dados suficientes para definir com precisão o papel desses outros marcadores no diagnóstico das miopatias.
No Sabin Diagnóstico e Saúde, a pesquisa dos anticorpos anti-Jo-1 é realizada pelo seu próprio núcleo técnico operacional. O exame Painel de Anticorpos Antissintetase também é oferecido pelo laboratório, por meio de terceirização. Esse painel inclui diversos anticorpos denominados antissintetases, utilizados como suporte diagnóstico das miopatias inflamatórias.
A inclusão desses novos marcadores na investigação de quadros sugestivos de MII deve considerar a porcentagem de positividade nas miopatias, bem como a possibilidade de se obter informações prognósticas mais abrangentes, de forma a proporcionar melhor suporte no manejo clínico desse grupo de pacientes.
As miopatias inflamatórias idiopáticas são doenças complexas que requerem uma abordagem multidisciplinar para diagnóstico e tratamento eficazes. Os avanços na compreensão dos autoanticorpos específicos de miosite estão permitindo diagnósticos mais precisos e tratamentos mais personalizados. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de novas terapias prometem melhorar ainda mais a qualidade no atendimento e manejo dos pacientes portadores de miopatias inflamatórias.
Para aprofundar seu conhecimento em testes genéticos, recomendamos a leitura do conteúdo Painéis genéticos para doenças cardíacas.
Referências:
Acosta, Ignacio, Matamala, José Manuel, Jara, Paula, Pino, Francisca, Gallardo, Alejandra, & Verdugo, Renato. (2019). Idiopathic inflammatory myopathies. A review. Revista médica de Chile, 147(3), 342-355. https://dx.doi.org/10.4067/S0034-98872019000300342
Rosa Neto, N. S., & Goldenstein-Schainberg, C.. (2010). Dermatomiosite juvenil: revisão e atualização em patogênese e tratamento. Revista Brasileira De Reumatologia, 50(3), 299–312. https://doi.org/10.1590/S0482-50042010000300010