Ícone do site Blog Sabin

Conheça a triagem diagnóstica para doenças lisossômicas

Triagem diagnóstica para doenças lisossômicas

As doenças lisossômicas representam um grupo diverso de mais de 50 distúrbios genéticos raros, que resultam da deficiência de enzimas responsáveis pela degradação de substratos dentro dos lisossomos. Essas condições variam em gravidade, afetando múltiplos sistemas do corpo, como os sistemas nervoso central, esquelético e cardiovascular. O diagnóstico precoce é essencial para melhorar o prognóstico e evitar sequelas.

A triagem diagnóstica é uma ferramenta importante na identificação dessas doenças, sendo utilizada para detectar a deficiência enzimática característica. Além disso, os avanços na análise genética complementam o diagnóstico, permitindo uma avaliação mais precisa dos tipos e subtipos de doenças lisossômicas. 

Neste conteúdo, abordaremos os principais aspectos da triagem diagnóstica para doenças lisossômicas, com foco em sua aplicação no diagnóstico precoce e no monitoramento contínuo dessas condições. Continue a leitura!

Doenças lisossômicas

As doenças lisossômicas são um grupo heterogêneo de erros inatos do metabolismo caracterizados pela disfunção enzimática nos lisossomos, organelas responsáveis pela degradação de macromoléculas. A deficiência ou ausência de enzimas específicas leva ao acúmulo de substratos, como lipídios e glicosaminoglicanos, resultando em comprometimento multissistêmico. 

Entre os sistemas afetados, destacam-se os sistemas nervoso central, musculoesquelético e cardiovascular. Essas doenças possuem evolução progressiva e exigem diagnóstico precoce, complementado por abordagens terapêuticas individualizadas, como terapia de reposição enzimática (TRE) e transplantes. 

Doença de Gaucher 

Uma das mais comuns entre as doenças lisossômicas de depósito, a doença de Gaucher é causada pela deficiência da enzima beta-glicosidase ácida (também chamada beta-glicocerebrosidase), que leva ao acúmulo de glicolipídios nas células fagocíticas, principalmente no baço, no fígado, na medula óssea e nos pulmões. A herança é autossômica recessiva, com risco de 25% de recorrência a cada gestação de casais heterozigotos, afetando igualmente filhos de ambos os sexos​.

Existem três tipos clínicos:

Doença de Pompe

A doença de Pompe, também chamada de glicogenose tipo II, é uma enfermidade hereditária provocada pela ausência ou deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida (GAA). Essa deficiência enzimática resulta no acúmulo gradual de glicogênio dentro dos lisossomos, especialmente em tecidos como os músculos esqueléticos. Com o tempo, esse acúmulo excessivo leva a danos progressivos não só nos músculos, mas também em órgãos como o fígado e o sistema nervoso.

De herança autossômica recessiva, a doença de Pompe manifesta-se principalmente por meio de sintomas como fraqueza muscular e dificuldades respiratórias. Em casos mais graves, essas complicações podem evoluir e, eventualmente, levar o paciente a óbito.

Doença de Fabry

A doença de Fabry é uma doença genética rara ligada ao cromossomo X, causada pela deficiência parcial ou completa da enzima alfa-galactosidase A, responsável pela degradação do substrato globotriaosilceramida (GL-3). Esse acúmulo de GL-3 ocorre no endotélio vascular e em vários órgãos viscerais, sendo mais evidente na pele, no coração, nos rins e no sistema nervoso central​.

A herança é ligada ao cromossomo X, afetando mais frequentemente os homens, que comumente desenvolvem o fenótipo clássico da doença, caracterizado por sintomas como dor neuropática (acroparestesias), hipoidrose, angioceratomas e comprometimentos renal e cardíaco​. As mulheres heterozigotas também podem desenvolver sintomas, porém com manifestações clínicas variáveis, que vão desde formas leves até quadros graves semelhantes aos observados em homens​.

Os primeiros sinais da forma clássica da doença de Fabry aparecem na infância ou adolescência, com sintomas como parestesias, febre, crises dolorosas e intolerância ao calor, frequentemente seguidos por complicações mais severas, como insuficiência renal e hipertrofia ventricular esquerda​. A forma de apresentação tardia acomete aqueles pacientes que ainda mantêm uma atividade parcial da enzima, e os sintomas costumam aparecer após a sexta década de vida. 

Doença de Niemann-Pick

A doença de Niemann-Pick (DNP) é um distúrbio lisossômico raro causado pela deficiência da enzima que metaboliza a esfingomielina, resultando no acúmulo dessa substância, sobretudo nos fibroblastos. Dependendo da gravidade da deficiência enzimática, a DNP é classificada em alguns subtipos:

Doença de Krabbe 

A doença de Krabbe, também chamada de leucodistrofia de células globoides, é uma doença lisossômica causada pela deficiência da enzima galactocerebrosidase (GALC). Essa enzima é essencial para a degradação de galactolipídeos, principalmente galactocerebrosídeos e psicosina. 

A ausência ou deficiência da enzima leva ao acúmulo dessas substâncias, causando a destruição dos oligodendrócitos e a desmielinização dos sistemas nervosos central e periférico​. O quadro neurológico é rapidamente progressivo na forma de início precoce e de desenvolvimento mais lento na forma de início tardio. 

Mucopolissacaridose tipo 1

A mucopolissacaridose tipo I (MPS I) é uma doença lisossômica progressiva, de herança autossômica recessiva, causada pela deficiência da enzima alfa-L-iduronidase (IDUA). Isso leva ao acúmulo de glicosaminoglicanos (GAGs) nos lisossomos, afetando diversos sistemas, como respiratório, nervoso, musculoesquelético e cardiovascular. A MPS I é classicamente dividida em três formas clínicas:

Triagem diagnóstica para doenças lisossômicas

A triagem neonatal é fundamental para o diagnóstico precoce de várias doenças genéticas, como as doenças lisossômicas. Realizada por meio do Teste do Pezinho, a triagem utiliza tecnologias avançadas, como a espectrometria de massa em tandem, para identificar deficiências enzimáticas antes que os sintomas se manifestem. Essa abordagem facilita o início precoce de tratamentos, melhorando o prognóstico e possibilitando intervenções mais eficazes.

O Teste do Pezinho está em processo de ampliação no Sistema Único de Saúde (SUS), com a previsão de incluir o rastreio de algumas doenças lisossômicas. Contudo, essa ampliação ainda não está disponível em todos os estados, e a oferta depende da capacidade local. As versões ampliadas do teste são oferecidas em laboratórios privados, abrangendo o rastreio de mais de 50 doenças genéticas. Cabe destacar que o diagnóstico precisa ser individualizado. Embora a triagem inicial seja o primeiro passo, ela pode não ser suficiente para confirmar o diagnóstico. A complementação com exames genéticos e perfil bioquímico é necessária para obter um diagnóstico definitivo. Isso permite uma análise mais precisa e o planejamento de tratamentos personalizados, conforme a mutação genética e o quadro clínico de cada paciente. Entre as principais vantagens da triagem neonatal, estão:

Essa abordagem preventiva, com triagem e complementação diagnóstica, oferece benefícios não apenas para a saúde dos pacientes, mas também para o sistema de saúde na totalidade, ao minimizar tratamentos intensivos e internações de longa duração. O benefício se estende também à família, que, além de poder cuidar melhor da criança diagnosticada com uma doença lisossômica, pode ser informada do risco de futuros filhos nascerem com a mesma patologia. 

Complementação diagnóstica

Quando há diagnósticos positivos no Teste do Pezinho, os exames complementares são indispensáveis para confirmar o resultado. Adicionalmente à triagem neonatal, utiliza-se uma série de exames bioquímicos e genéticos no diagnóstico das doenças lisossômicas. A dosagem enzimática é o principal exame confirmatório, medindo a atividade enzimática em amostras de sangue ou urina.

Por exemplo: na doença de Gaucher, mede-se a beta-glicosidase; na doença de Pompe, a deficiência de alfa-glicosidase ácida (GAA) é detectada bioquimicamente e confirmada geneticamente. Esses exames são importantes para diagnóstico precoce e tratamento efetivo, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.

Para aprofundar seu conhecimento sobre as atualizações e a importância da ampliação do Teste do Pezinho, que agora inclui o rastreio de novas doenças, leia o artigo “Ampliação das doenças englobadas na triagem pelo Teste do Pezinho”.

Referências:

AMARAL, Ivanete do Socorro Abraçado et al. Relatório de caso: doença de Niemann-Pick com manifestações de insuficiência hepática. Rev Pan-Amaz Saude [online]. 2010, vol.1, n.3 [citado  2024-09-25], pp.129-132. http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000300017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria conjunta n.º 5, de 10 de agosto de 2020. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Pompe. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/pcdt/arquivos/2020/portaria-conjunta-pcdt-doena-de-pompe10-08-2020.pdf

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Mucopolissacaridose do tipo I. Portaria Conjunta n.º 12, de 11 de abril de 2018. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/pcdt/arquivos/2018/mucopolissacaridose-tipo-i.pdf

Boggio, P., Luna, P. C., Abad, M. E., & Larralde, M.. (2009). Doença de Fabry. Anais Brasileiros De Dermatologia, 84(4), 367–376. https://doi.org/10.1590/S0365-05962009000400008

M, Martins & Lobo, Clarisse & P, Sobreira & Porta, Gilda & José, Semionato & D, Pianovsky & Kerstenetzky, Marcelo & P, Montoril & C, Aranda & Pires, Ricardo & V, Mota & Bortolheiro, Teresa & M, Paula. (2003). Tratamento da doença de Gaucher: Um consenso brasileiro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 25. 10.1590/S1516-84842003000200004.

Sano, T. S.. (2012). Krabbe disease: the importance of early diagnosis for prognosis. Einstein (são Paulo), 10(2), 233–235. https://doi.org/10.1590/S1679-45082012000200019

Sair da versão mobile