Ícone do site Blog Sabin

Diagnóstico molecular da uveíte: inovações na prática clínica

Diagnóstico molecular da uveíte

A uveíte é uma condição inflamatória ocular que representa cerca de 5 a 10% dos casos de cegueira evitável no mundo, especialmente entre pacientes jovens e em idade produtiva. As causas da uveíte são diversas e incluem doenças infecciosas, autoimunes, neoplásicas, entre outras. A manifestação clínica é bastante heterogênea, e o diagnóstico preciso dessa condição ainda consiste em um grande desafio.

Nos últimos anos, os avanços nos métodos de biologia molecular têm contribuído de maneira decisiva para aprimorar a identificação etiológica e, por consequência, o manejo terapêutico das uveítes. Ferramentas como a reação em cadeia da polimerase (PCR), associadas a técnicas laboratoriais de última geração, permitem detectar DNA ou RNA de patógenos diretamente em amostras intraoculares. 

No conteúdo de hoje, apresentaremos atualizações das aplicações práticas desses exames, seus limites e contribuições para o diagnóstico diferencial das uveítes, com foco na rotina do oftalmologista. Acompanhe para saber mais!

Uveíte: uma condição desafiadora na oftalmologia

Para contextualizar o papel dos exames moleculares, é importante compreender que a uveíte não é uma única doença, mas um conjunto de condições inflamatórias que acometem a úvea e, por vezes, estruturas adjacentes. Ela pode se apresentar de forma súbita ou crônica, com sintomas como dor ocular, fotofobia, visão turva e hiperemia.

As causas são diversas: infecções virais, bacterianas ou parasitárias; doenças autoimunes, como espondiloartrites, lúpus e sarcoidose; além de manifestações secundárias a neoplasias ou drogas. Muitas vezes, os exames clínicos e laboratoriais convencionais não são suficientes para definir a etiologia com segurança, o que reforça a necessidade de métodos diagnósticos mais sensíveis e específicos.

Classificação e importância da definição etiológica

A classificação anatômica (anterior, intermediária, posterior e panuveíte) orienta o raciocínio diagnóstico e terapêutico. No entanto, a definição da causa subjacente é fundamental para instituir o tratamento adequado e evitar complicações como catarata, glaucoma e perda visual permanente.

Essa dificuldade diagnóstica justifica o papel crescente dos exames moleculares como aliados na elucidação etiológica, sobretudo nos casos infecciosos, nos quais a conduta terapêutica pode mudar substancialmente, com a identificação do agente causador.

O papel da reação em cadeia da polimerase (PCR) no diagnóstico da uveíte infecciosa

A PCR revolucionou o diagnóstico de infecções oculares ao permitir a detecção de sequências específicas de DNA ou RNA microbiano diretamente em amostras intraoculares (humor aquoso ou vítreo). A técnica é altamente sensível e pode identificar microrganismos que não crescem em cultura ou que exigiriam métodos lentos e pouco disponíveis.

Nos casos de uveíte posterior ou de panuveíte de causa indefinida, principalmente em pacientes imunossuprimidos, a PCR tem se mostrado relevante para a definição etiológica. Seu uso deve ser indicado quando há forte suspeita clínica de etiologia infecciosa, particularmente quando há risco de dano irreversível à visão.

Aplicações clínicas da PCR convencional e em tempo real

Na rotina clínica, a PCR convencional e a PCR em tempo real são utilizadas para detectar patógenos como herpesvírus simples (HSV-1, HSV-2), varicela-zóster (VZV), citomegalovírus (CMV), Toxoplasma gondii, Mycobacterium tuberculosis, entre outros. A PCR em tempo real permite a quantificação da carga viral, o que pode ter implicações terapêuticas e prognósticas.

Por outro lado, a PCR multiplex possibilita a identificação de múltiplos patógenos em uma única amostra, o que otimiza recursos e reduz o tempo até a definição diagnóstica, especialmente útil em casos de coinfecção ou sintomas pouco específicos.

PCR em fase sólida e análise de fusão de alta resolução (HRM): novas versões de aplicação rápida

Entre as inovações mais recentes, está a PCR em fase sólida, que elimina a etapa de extração de DNA e permite execução intraoperatória. Essa agilidade é especialmente útil durante procedimentos como vitrectomia diagnóstica.

A análise de fusão de alta resolução (HRM) representa outro avanço, permitindo diferenciar cepas e variantes de patógenos com base em seus perfis térmicos. Trata-se de uma ferramenta adicional na caracterização de infecções oculares, mesmo que ainda pouco utilizada em larga escala na prática brasileira.

Integração dos exames moleculares à prática clínica

A incorporação dos exames moleculares ao fluxo clínico exige preparo técnico e critérios bem definidos para coleta e interpretação. A indicação da PCR deve estar alinhada à suspeita clínica e ao momento adequado da doença, já que fatores como baixa carga microbiana ou uso prévio de antibióticos podem interferir nos resultados.

A coleta deve ser feita em ambiente estéril, preferencialmente por paracentese de câmara anterior ou vitrectomia, e o material deve ser imediatamente processado ou armazenado sob condições específicas.

Os achados moleculares podem redefinir hipóteses diagnósticas, confirmar infecções ocultas, detectar coinfecções ou, ainda, excluir causas infecciosas e permitir o início seguro de terapia imunossupressora.

É essencial, porém, considerar a possibilidade de falso-positivos, primordialmente em casos de latência viral ou contaminação ambiental, e de falso-negativos por baixa sensibilidade em amostras com pouco material biológico.

Exames complementares como suporte à investigação molecular

Embora os métodos moleculares estejam em destaque, a avaliação da uveíte é necessariamente multidisciplinar. Exames de imagem como a tomografia de coerência óptica (OCT) e a angiografia ultra-widefield (UWF) são indispensáveis para avaliação de atividade inflamatória, detecção de vasculites periféricas, edema macular, descolamento seroso de retina e outras alterações estruturais.

Tais ferramentas ajudam a definir a urgência terapêutica, direcionam a necessidade de exames laboratoriais adicionais e orientam o momento ideal para a coleta de material intraocular.

Cabe ressaltar que a medicina está em constante avanço e, por essa razão, técnicas moleculares emergentes, como o sequenciamento metagenômico (mNGS), a espectroscopia de infravermelho (FT-IR) e a pesquisa de biomarcadores inflamatórios, vêm sendo estudadas em centros acadêmicos e laboratoriais. Apesar de ainda não disponíveis na rotina clínica, essas abordagens apontam para um futuro promissor na oftalmologia personalizada, com diagnósticos mais rápidos, específicos e com potencial terapêutico mais dirigido.

De modo geral, a integração criteriosa desses métodos ao raciocínio clínico e aos exames complementares possibilita uma abordagem mais eficaz, segura e individualizada, contribuindo para a redução de complicações e melhora dos desfechos visuais. 

Continue se aprofundando sobre exames moleculares e como aplicá-los na prática clínica. Acesse também o conteúdo sobre Exames de citogenética – cariótipo, array e MLPA. Como usá-los na prática médica no Blog Sabin. 

Referências:

Bispo, Paulo J M et al. “Rapid Detection and Identification of Uveitis Pathogens by Qualitative Multiplex Real-Time PCR.” Investigative ophthalmology & visual science vol. 59,1 (2018): 582-589. doi:10.1167/iovs.17-22597

Sugita, Sunao et al. “Role of Recent PCR Tests for Infectious Ocular Diseases: From Laboratory-Based Studies to the Clinic.” International journal of molecular sciences vol. 24,9 8146. 2 May. 2023, doi:10.3390/ijms24098146

Nakano, Satoko et al. “Multiplex Solid-Phase Real-Time Polymerase Chain Reaction without DNA Extraction: A Rapid Intraoperative Diagnosis Using Microvolumes.” Ophthalmology vol. 128,5 (2021): 729-739. doi:10.1016/j.ophtha.2020.09.028

Cai, Zhen et al. “Performance of metagenomic next-generation sequencing for microbiological diagnosis of infectious uveitis.” Journal of medical microbiology vol. 73,12 (2024): 001879. doi:10.1099/jmm.0.001879

Caldrer, Sara et al. “Infrared analysis in the aqueous humor of patients with uveitis: Preliminary results.” Journal of photochemistry and photobiology. B, Biology vol. 243 (2023): 112715. doi:10.1016/j.jphotobiol.2023.112715

Miller, J Michael et al. “Guide to Utilization of the Microbiology Laboratory for Diagnosis of Infectious Diseases: 2024 Update by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and the American Society for Microbiology (ASM).” Clinical infectious diseases : an official publication of the Infectious Diseases Society of America, ciae104. 5 Mar. 2024, doi:10.1093/cid/ciae104

Sair da versão mobile