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Sarcopenia: como diagnosticar a perda muscular na prática clínica

Sarcopenia e os exames para um diagnóstico preciso

A sarcopenia é uma condição musculoesquelética progressiva, multifatorial e associada a impactos clínicos significativos. Caracterizada pela perda de massa, força e função muscular, tornou-se um desafio emergente na prática médica diante do envelhecimento populacional e da crescente prevalência de doenças crônicas.

Reconhecida como entidade clínica com CID-10 (M62.84), a sarcopenia pode afetar tanto a qualidade de vida quanto a sobrevida, contribuindo para o aumento de quedas, fraturas, declínio funcional, dependência e mortalidade.

O diagnóstico precoce deve ser realizado com base em critérios clínicos e exames de composição corporal, como a bioimpedância elétrica (BIA) e a densitometria de corpo inteiro (DEXA). Tais métodos permitem quantificar a massa magra e o tecido adiposo visceral, além de avaliar alterações funcionais. 

No conteúdo de hoje, vamos abordar atualizações sobre os avanços diagnósticos, bem como os critérios validados para apoiar a tomada de decisão clínica frente à sarcopenia. Acompanhe!

O que é a sarcopenia?

A sarcopenia é definida como a perda progressiva e generalizada de massa muscular esquelética, frequentemente associada à redução da força muscular e do desempenho físico. Segundo as diretrizes da European Working Group on Sarcopenia in Older People 2 (EWGSOP2), o diagnóstico da condição deve incluir a avaliação da força muscular, da massa magra e da performance funcional.

Embora o envelhecimento seja um dos fatores mais fortemente ligados à sarcopenia, ela pode se manifestar precocemente em indivíduos com doenças crônicas, desnutrição, inflamação persistente ou imobilidade

A condição afeta predominantemente a musculatura apendicular, sendo que a perda funcional tende a progredir silenciosamente até comprometer atividades básicas do dia a dia. Em idosos, está relacionada ao aumento do risco de quedas e hospitalizações. Em pacientes clínicos, pode agravar o prognóstico de diversas condições, inclusive oncológicas, cardiovasculares e respiratórias.

Principais causas e fatores de risco

A fisiopatologia da sarcopenia envolve um desequilíbrio entre os processos anabólicos e catabólicos musculares, que se intensifica com o avanço da idade. O envelhecimento leva à redução dos níveis de hormônios anabólicos, como GH, testosterona e estrogênio, comprometendo a renovação proteica muscular. A baixa ingestão proteica, comum em idosos e pacientes crônicos, contribui para um estado catabólico persistente, principalmente quando associada à redução da atividade física.

Por outro lado, doenças inflamatórias crônicas, como artrite reumatoide, DPOC e câncer, ativam vias inflamatórias que promovem degradação proteica e perda de massa muscular, e o uso prolongado de medicamentos como corticosteroides agrava o processo. Outro fator crescente de atenção é a mioesteatose, caracterizada pela infiltração de gordura no tecido muscular. Essa alteração compromete a função contrátil e o metabolismo local, sendo comumente associada a piores desfechos clínicos. 

Um estudo publicado na revista Radiology em 2023, utilizando inteligência artificial para análise de tomografia computadorizada, demonstrou que a presença de mioesteatose é um preditor independente de mortalidade em adultos assintomáticos. A identificação da alteração, mesmo em pacientes sem manifestações clínicas, reforça o papel da avaliação corporal na prática médica preventiva.

Importância do diagnóstico precoce da sarcopenia

A identificação precoce da sarcopenia permite intervenções capazes de retardar sua progressão ou até reverter quadros leves e moderados. Programas de exercício físico resistido juntamente com uma orientação nutricional adequada são mais eficazes quando iniciados precocemente. A detecção em fases iniciais diminui a ocorrência de complicações hospitalares, melhora a resposta a tratamentos em doenças crônicas e otimiza a reabilitação de pacientes após cirurgias ou longas internações.

A abordagem prematura também contribui para a prevenção de eventos adversos cardiovasculares, declínio cognitivo e perda de autonomia. A avaliação sistemática da composição corporal em populações de risco — como idosos, pacientes oncológicos ou com doenças crônicas — deve fazer parte das estratégias clínicas de vigilâncias funcional e metabólica.

Métodos diagnósticos: composição corporal na prática clínica

A confirmação diagnóstica da sarcopenia exige a análise da composição corporal. Nesse contexto, destacam-se dois exames amplamente utilizados na prática clínica: a bioimpedância elétrica (BIA) e a densitometria de corpo inteiro (DEXA ou DXA).

Bioimpedância elétrica (BIA)

A BIA é um exame portátil, acessível e sem radiação, que utiliza correntes elétricas de baixa voltagem para estimar os compartimentos corporais, como massa magra, massa gorda e água corporal total. Pode ser aplicada em ambiente ambulatorial e em pacientes hospitalizados. 

Apesar de apresentar variações em situações de alteração hídrica substancial, é uma ferramenta útil para triagem e acompanhamento. Além das estimativas convencionais, a BIA fornece o parâmetro de ângulo de fase, um marcador sensível da integridade celular e do estado funcional da musculatura. Estudos indicam que ângulos de fase reduzidos estão associados ao maior risco de mortalidade, baixa força muscular e prognósticos desfavoráveis em diversas populações clínicas, incluindo pacientes com câncer, cirrose e doenças renais.

Densitometria corpo inteiro

A densitometria por dupla emissão de raios-X (DEXA) é um exame considerado padrão-ouro para a avaliação da composição corporal. Ele permite a quantificação da massa magra apendicular, utilizada para o cálculo do ASMI (índice de massa muscular apendicular), principal critério de sarcopenia nas diretrizes internacionais. Também oferece dados sobre gordura corporal total e tecido adiposo visceral, úteis no diagnóstico de obesidade sarcopênica.

A acurácia e a reprodutibilidade fazem do DEXA uma ferramenta importante em ambientes de alta complexidade, como oncologia, endocrinologia e geriatria. É, ainda, utilizado em pesquisas clínicas que exigem segmentação corporal precisa e dados comparativos longitudinais.

Indicações clínicas da avaliação da composição corporal

A avaliação da composição corporal é indicada para o diagnóstico e o estadiamento da sarcopenia e da obesidade sarcopênica. Deve ser considerada no acompanhamento de pacientes em programas de reabilitação física ou nutricional e em condições clínicas complexas, como anorexia nervosa, caquexia oncológica, doenças neuromusculares, diabetes tipo 2 e DPOC. É igualmente recomendada em pacientes com alto risco de perda muscular, como idosos institucionalizados ou submetidos a internações prolongadas. O monitoramento regular permite ajustar condutas e avaliar a resposta terapêutica de forma objetiva e contínua.

O avanço das tecnologias diagnósticas, incluindo a aplicação da inteligência artificial na avaliação de imagens e identificação precoce de alterações, como a mioesteatose, amplia as possibilidades de detecção precoce e manejo proativo. Nesse sentido, a tecnologia se torna uma verdadeira aliada do raciocínio clínico. 

No próximo conteúdo, saiba como a inteligência artificial tem contribuído para a evolução da medicina diagnóstica, com aplicações diretas no cotidiano médico em: Inteligência artificial na medicina diagnóstica.

Referências:

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