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Encefalite autoimune: atualização diagnóstica e avanços

Diagnóstico da encefalite autoimune

A encefalite autoimune (EAI) é uma condição neurológica inflamatória grave, que compõe o espectro das encefalites agudas e subagudas e tem sido, cada vez mais, reconhecida como uma causa importante de encefalopatias de início súbito, especialmente em adultos jovens e crianças. 

Tradicionalmente, essas síndromes eram atribuídas a causas infecciosas, mas a evolução dos conhecimentos clínicos e imunológicos possibilitou um aprimoramento no processo diagnóstico, com crescente ênfase em etiologias imunomediadas. Estudos internacionais e iniciativas nacionais, como o projeto BrAIN (Brazilian Autoimmune Encephalitis Network), vêm contribuindo para consolidar esse novo entendimento.

Nos últimos anos, a incorporação de marcadores sorológicos, técnicas de neuroimagem avançadas e critérios clínicos mais acurados permitiram não apenas um diagnóstico mais preciso, como também o início precoce de terapias imunomoduladoras, melhorando significativamente o prognóstico dos pacientes.

Continue a leitura para se atualizar sobre o tema. 

O que mostram os dados epidemiológicos e quais são os principais subtipos identificados

As encefalites autoimunes têm uma distribuição etária ampla, podendo ocorrer em qualquer idade, com maior incidência em adultos jovens. O projeto brasileiro BrAIN, um estudo multicêntrico que analisou mais de 564 casos suspeitos, revelou uma média de idade de 34 anos e um predomínio no sexo feminino

As encefalites imunomediadas se caracterizam pela presença de anticorpos contra antígenos neuronais e gliais. Com base na presença desses anticorpos, vários subtipos da doença foram identificados. Entre os subtipos mais comuns, destacam-se: a encefalite anti-NMDAR (antirreceptor de N-metil-D-aspartato), mais comum em mulheres jovens; a anti-LGI1 (antiglioma rico em leucina inativado 1), mais prevalente em idosos, que se apresentam com distonias focais faciobraquiais; e a encefalite anti-MOG (antiglicoproteína de oligodendrócitos da mielina), que se comporta como uma doença inflamatória desmielinizante, mais prevalente em crianças e adultos jovens.

Como reconhecer clinicamente uma encefalite autoimune

O diagnóstico clínico da encefalite autoimune depende, em grande parte, da identificação de um conjunto de sinais e sintomas neurológicos e psiquiátricos subagudos, frequentemente associados a alterações em exames de imagem ou líquor. 

As manifestações mais frequentes incluem alterações cognitivas (particularmente déficit de memória de curto prazo), distúrbios do movimento, crises epilépticas de difícil controle, sintomas psicóticos (como alucinações, delírios e comportamentos desorganizados), além de alterações de consciência e disautonomia.

É importante destacar a heterogeneidade clínica da EAI, que reflete o local de acometimento no sistema nervoso central. Por exemplo, o comprometimento límbico cursa com amnésia e agitação; o envolvimento cerebelar pode resultar em ataxia; e a encefalite frontal pode gerar alterações comportamentais graves, como agressividade ou desinibição. Essa diversidade clínica exige uma abordagem diagnóstica cuidadosa e sistemática.

As apresentações clínicas variam entre adultos e crianças. Nos adultos, distúrbios da memória, alterações comportamentais e crises epilépticas são mais frequentes, enquanto nas crianças predominam movimentos anormais e distúrbios do sono. As crianças frequentemente se apresentam com irritabilidade, regressão do desenvolvimento e movimentos anormais. Já adultos podem ser erroneamente diagnosticados com doenças psiquiátricas primárias, atrasando o início do tratamento adequado. O reconhecimento dessas diferenças é fundamental para a abordagem clínica adequada e direcionada.

Como diferenciar encefalite autoimune de outras etiologias e aplicar os critérios diagnósticos

O diagnóstico diferencial é um dos grandes desafios da prática clínica, pois as manifestações neurológicas da EAI se sobrepõem a outras encefalites, principalmente as infecciosas. Por isso, critérios diagnósticos foram desenvolvidos para padronizar a abordagem, categorizando os casos em “encefalite autoimune possível”, “provável” e “definida”, com base na clínica, neuroimagem, análise do líquor e sorologia.

O ponto inicial é excluir causas infecciosas (como herpesvírus e enterovírus), metabólicas e paraneoplásicas, sendo imprescindível uma investigação ampla. O uso precoce de exames como a ressonância magnética (RM) cerebral e o eletroencefalograma (EEG), além da análise do líquor (LCR), ajuda na estratificação da suspeita clínica e na definição terapêutica mais imediata.

A importância do diagnóstico sindrômico e do início precoce da imunoterapia

O raciocínio clínico sindrômico pode acelerar o diagnóstico e evitar quadros neurológicos irreversíveis. Mesmo antes da confirmação laboratorial dos autoanticorpos, a presença de um quadro clínico sugestivo, associado a achados compatíveis em exames de imagem, podem dar suporte à introdução precoce da imunoterapia.

A resposta ao tratamento inicial é um marcador prognóstico relevante, e atrasos na introdução da terapêutica estão relacionados à piora dos desfechos clínicos. O uso de corticoides, imunoglobulina intravenosa ou plasmaférese pode reverter os sintomas em muitos casos.

O papel dos autoanticorpos no diagnóstico: quais marcadores investigar e como interpretar os resultados

A pesquisa de autoanticorpos dirigidos contra antígenos neuronais e gliais é um dos pilares do diagnóstico da encefalite autoimune. Os principais anticorpos envolvem alvos de superfície celular, como anti-NMDAR, LGI1, CASPR2 (anti–contactin-associated protein-like 2), AMPAR (antirreceptor do ácido alfa-aminopropiônico) e GABA-B (ácido gama-aminobutírico B), além de anticorpos contra antígenos intracelulares, como anti-Hu, anti-Yo e anti-GAD65 (antidescarboxilase do ácido glutâmico).

A detecção pode ser feita por técnicas como imunofluorescência indireta em tecido (TBA), ensaio baseado em células transfectadas (CBA), ELISA e imunodot. A combinação de TBA e CBA permite uma melhor acurácia diagnóstica e deve ser aplicada tanto no soro quanto no líquor, considerando que, em alguns casos, os anticorpos são exclusivamente detectáveis no LCR. Vale a pena ressaltar, ainda, que a ausência de anticorpos não exclui a possibilidade de EAI.

Autoanticorpos contra antígenos de superfície são frequentemente associados a respostas favoráveis ao tratamento imunológico. Já os que reconhecem antígenos intracelulares, tais como anti-Hu e anti-Yo, estão, na maioria das vezes, ligados a síndromes paraneoplásicas e têm prognóstico reservado.

Barreiras diagnósticas e especificidades no cenário brasileiro

No Brasil, o reconhecimento da EAI ainda enfrenta barreiras importantes. O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico é de seis meses, evidenciando atrasos críticos. A limitação de acesso a exames como CBA, TBA e RM de alta resolução, somada à baixa familiaridade de profissionais de saúde com o tema, contribui para a subnotificação e o manejo inadequado.

Outro desafio é a apresentação clínica atípica de casos soronegativos, que representam uma fração considerável dos pacientes, exigindo maior atenção clínica e, muitas vezes, uma abordagem baseada exclusivamente no quadro sindrômico.

Opções terapêuticas e manejo clínico

O tratamento de primeira linha para encefalite autoimune inclui a administração de metilprednisolona intravenosa associada a imunoglobulina intravenosa (IVIg) ou à plasmaférese. Segundo o Consenso Brasileiro, essa combinação deve ser iniciada precocemente, mesmo na ausência de confirmação sorológica.

Para casos refratários, utilizam-se agentes imunossupressores, como rituximabe e ciclofosfamida. A escolha do esquema terapêutico deve considerar o subtipo da EAI ligado ao anticorpo identificado, a gravidade do quadro clínico e a resposta inicial ao tratamento.

O monitoramento clínico deve ser contínuo, com reavaliação neurológica periódica e, quando necessário, repetição de exames complementares. A reabilitação cognitiva e motora pode ser necessária para os pacientes com sequelas.

Perspectivas para o avanço do diagnóstico e manejo da EAI

A evolução do conhecimento sobre a EAI, sobretudo nos últimos 15 anos, transformou a abordagem clínica das encefalites. O aumento da conscientização entre os profissionais de saúde, a ampliação do acesso a exames sorológicos especializados e a implementação de algoritmos clínicos são medidas urgentes para reduzir os atrasos no diagnóstico.

Futuras pesquisas devem concentrar-se em biomarcadores preditivos, estratégias terapêuticas mais específicas e protocolos de acompanhamento a longo prazo. Adicionalmente, a consolidação de redes colaborativas nacionais e internacionais será importantíssima para otimizar a detecção precoce e melhorar o prognóstico dos pacientes.

Nesse sentido, convidamos você a continuar se aprofundando sobre o diagnóstico de doenças autoimunes, acessando o conteúdo sobre detecção de anticorpos anticélula (FAN) no Blog do Sabin.

Referências:

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