Você sabe o que é imunodeficiência primária? Apesar de ser um conjunto de doenças com diagnóstico bem frequente, esse ainda é um termo pouco claro para muitos. Seu diagnóstico pode ser realizado a partir de exames simples, como um hemograma ou sorologias específicas solicitadas por um imunologista.
Mas, para reconhecer seus sinais, é importante ter conhecimento sobre o que é e como se manifesta a imunodeficiência primária. Neste artigo, contamos com a colaboração da Dra. Karina Melo, imunologista do Grupo Sabin, para esclarecer pontos-chave sobre o assunto. Acompanhe!
O que é imunodeficiência primária?
A imunodeficiência primária, também conhecida como erro inato da imunidade, consiste em um grupo de doenças congênitas que alteram a resposta imune. Por serem defeitos genéticos, existem alguns fatores de risco para o problema. Um deles é o casamento consanguíneo, ou seja, entre pessoas da mesma família (entre primos, por exemplo).
O termo é normalmente associado à suscetibilidade a infecções, porém o assunto é mais abrangente: o quadro afeta a imunidade como um todo, de modo que pode acarretar numa série de condições, como doenças autoimunes.
O que causa a imunodeficiência primária?
Para entender mais a fundo o que pode provocar a imunodeficiência primária, é preciso compreender primeiro o funcionamento do nosso sistema imunológico. No organismo humano, existem as imunidades inata e adaptativa, sendo essa última aprimorada com o passar do tempo. A resposta imune de uma pessoa sadia se dá, basicamente, em três fases:
- reconhecimento do patógeno: o sistema imune reconhece que existe um invasor no organismo;
- reação e eliminação: ele reage ao invasor e libera anticorpos específicos para combater aquele patógeno;
- homeostase: o organismo restaura o equilíbrio após a eliminação do patógeno.
Os erros inatos da imunidade são causados, basicamente, por alterações nos genes responsáveis pelo funcionamento do sistema imunológico. “No caso da imunodeficiência primária, existem defeitos que podem comprometer todas as etapas da resposta imune, desde o início do reconhecimento ao momento de eliminar o patógeno”, explica Dra. Karina.
Quais são os principais sintomas da imunodeficiência primária?
Os principais sintomas que uma pessoa com imunodeficiência primária apresenta são as infecções. Elas podem ser infecções de repetição, que ocorrem principalmente em órgãos que têm contato direto ou indireto com meio externo, como o sistema respiratório, a pele e o sistema gastrointestinal (por meio da ingestão).
As infecções graves ou atípicas também chamam atenção em pacientes com suspeita de erro inato de imunidade. Um exemplo é o paciente que tem defeito em uma célula chamada neutrófilo, que circula constantemente no organismo. No caso de uma pessoa com sistema imune sem defeitos, o neutrófilo engole e elimina a bactéria. Com a doença granulomatosa crônica, a célula não consegue produzir as substâncias necessárias para matar essa bactéria. O patógeno, então, fica dentro da célula e começa a proliferação, podendo ocorrer manifestações por germes atípicos, como fungos.
Patógenos de baixa virulência são eliminados com facilidade por sistemas imunes de pessoas sadias, mas não pelo organismo de quem tem imunodeficiência. “Ela também pode estar presente em um paciente que tem tireoidite autoimune ou certos tipos de câncer. Por isso, é necessário investigar as causas que levaram a essas doenças”, pondera a especialista.
Com qual idade a imunodeficiência primária se apresenta?
Na maioria dos pacientes, os sintomas despontam na infância — geralmente, até os dois ou quatro anos de idade — e se apresentam por meio da deficiência de anticorpos. Existe, ainda, uma manifestação chamada deficiência combinada grave, em que a criança apresenta casos graves, geralmente no primeiro ano de vida, de infecções oportunistas como monilíase, diarreia e otite de repetição.
Uma situação comum entre os portadores da imunodeficiência primária é a reação adversa à vacina BCG. Isso ocorre quando a criança não possui uma célula chamada linfócito T: ela recebe uma microbactéria viva na vacina e não tem a célula responsável por produzir sua defesa.
Na fase adulta
Pode acontecer de a imunodeficiência se manifestar na infância tardia, na adolescência ou até na idade adulta. É o caso da imunodeficiência comum variável. Nesse caso, a pessoa deixa de produzir anticorpos funcionais.
“Em cerca de 30% dos casos, descobre-se que a pessoa já tem um defeito genético de base, que se manifesta por uma infecção. Mas, na maioria dos casos, não se consegue identificar a causa”, observa a entrevistada.
Existem também algumas imunodeficiências que têm relação com a suscetibilidade a vírus. Nesses casos, a pessoa possui algum defeito congênito que não apresenta sintomas ou não foi diagnosticado, podendo ser desencadeado através do contato com um vírus.
Como a imunodeficiência primária é diagnosticada?
A partir dos sinais clínicos, são solicitados exames para que os indícios possam ser investigados e o diagnóstico seja confirmado. Algumas das análises realizadas são:
- exames de sangue/hemograma;
- dosagem de imunoglobulinas (G, A e M) ou anticorpos circulantes;
- sorologias para testar o funcionamento dos anticorpos;
- citometria de fluxo, para avaliar a quantidade e o estado das células de defesa;
- exames genéticos;
- exames de imagem.
É importante salientar que, recentemente, foi sancionada a lei que incluirá as imunodeficiências primárias no programa de triagem neonatal. “Foram acrescentados os exames chamados TREC e KREC ao protocolo. Eles não identificam todas as imunodeficiências, mas servem principalmente para identificar a imunodeficiência combinada grave e a agamaglobulinemia”, explica a imunologista. Ambas as condições são tratáveis de imediato e terão sua testagem incluída no teste do pezinho.
Existe tratamento para a imunodeficiência primária?
O tratamento para a imunodeficiência primária depende de cada manifestação do problema. Em alguns pacientes, pode ser feito o acompanhamento e monitoramento, enquanto, para outros, pode ser necessário o uso de medicamentos ou, até mesmo, transplantes de medula. Confira, a seguir, alguns exemplos.
Deficiência de anticorpos IgA
É o tipo de imunodeficiência mais comum, e a maioria dos pacientes é assintomática ou apresenta poucos sintomas. Nesses casos, o acompanhamento e o monitoramento são feitos com exames regulares, já que existem pacientes que podem evoluir para doenças autoimunes. Não existe tratamento específico, mas costumam ser receitados antiparasitários para a defesa intestinal.
Agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X
Em alguns casos de imunodeficiência, são feitos tratamentos para a agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X, condição em que o paciente não produz anticorpos. É feita a reposição de imunoglobulina humana, pelas vias venosa ou subcutânea, regularmente (a cada 3 ou 4 semanas) e durante toda a vida do paciente.
Imunodeficiência combinada grave
Em pacientes com imunodeficiência combinada grave, o único tratamento curativo é o transplante de células hematopoéticas, também conhecido como transplante de medula óssea. É feita a reposição de imunoglobulina humana associada ao antiviral, como preparação para o paciente antes do transplante.
Os pacientes de imunodeficiência primária devem ser acompanhados principalmente por imunologistas. É comum o surgimento de sequelas, e pode ser necessário o apoio de outros especialistas, a depender do órgão afetado pela doença.
Quais hábitos de vida podem afetar a vivência com a doença?
Existem alguns recursos e hábitos de vida que podem melhorar a qualidade de vida do paciente diagnosticado. Alguns deles são:
- grupos de apoio a pacientes;
- uso regular das medicações;
- adesão adequada ao tratamento;
- esclarecimento acerca da doença;
- acompanhamento psicológico;
- alimentação adequada;
- prática de atividade física.
Uma dica interessante é buscar suporte e informações em grupos como o BRAGID (Grupo Brasileiro de Imunodeficiências). Lá, é possível ter acesso aos estudos mais recentes sobre os tratamentos das imunodeficiências primárias.
O diagnóstico de imunodeficiência primária não significa que é impossível seguir com a vida normal. Com o tratamento correto e acompanhamento médico, é possível ter uma rotina funcional e com qualidade de vida.
Como você já sabe, manter o calendário vacinal atualizado nos previne de diversas doenças e é fundamental para proteger o paciente com imunodeficiência primária e pessoas de sua convivência. Então, aproveite a visita para conferir o nosso guia sobre vacinas!