Sabin Por: Sabin
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Doença muito antiga, os primeiros escritos sobre a hemofilia são datados do século II d.C. e atribuídos aos judeus. São relatos nos quais um rabino isenta da circuncisão o seu terceiro filho, após ter perdido os dois primeiros filhos por hemorragia como complicação do procedimento. Embora os judeus não soubessem o que é hemofilia e qual a sua causa, eles perceberam que o problema hemorrágico tinha um componente familiar. 

Posteriormente, a hemofilia foi reconhecida como um distúrbio hemorrágico, no qual a deficiência de fatores de coagulação impede o sangue de coagular como deveria, resultando em sangramentos de difícil controle. Hoje, sabe-se que é uma doença genética e hereditária.

Para esclarecer mais sobre o assunto, trouxemos uma entrevista com a Dra. Silvana Fahel, hematologista, professora da Universidade de Brasília (UnB) e médica do Grupo Sabin. Acompanhe!

O que é hemofilia?

Hemofilia é uma doença genética em que há um distúrbio na coagulação sanguínea, sendo considerada uma coagulopatia hereditária. 

A dificuldade nos mecanismos de coagulação e a facilidade na apresentação de eventos hemorrágicos ocorrem devido à deficiência de fatores da coagulação: o fator VIII, na hemofilia A, e o fator IX, na hemofilia B.

Essa é uma doença ainda pouco conhecida na sociedade, apesar da sua grande frequência no Brasil — cerca de 13 mil casos atualmente.

Como ocorre esse distúrbio genético?

Os genes dos fatores VIII e IX estão localizados no cromossomo X. Para que ocorra a hemofilia, é necessário que o gene do fator VIII (hemofilia A) ou IX (hemofilia B) apresente uma variante (mutação) que leva à diminuição de atividade, respectivamente, dos fatores VIII ou IX.

Assim, como os homens possuem um único alelo de fator VIII ou IX, estando esse alelo com a variante (XhY), terão a doença. Enquanto as mulheres, se tiverem um alelo com a variante e outro normal (XhX), serão apenas portadoras. Para ter hemofilia, as mulheres necessitam ter os dois alelos para fator IX ou VIII com a variante (XhXh), por isso é muito mais raro.

A mulher portadora (XhX) tem 50% de probabilidade de transmitir o alelo anormal aos seus descendentes, em cada gestação.

Aproximadamente 30% dos hemofílicos não apresenta histórico familiar, o que configura a ocorrência de mutações espontâneas.

Como se classificam as hemofilias?

As hemofilias podem ser classificadas em hemofilia A (mais frequente) ou B, de acordo com o fator que está deficiente (VIII ou IX, respectivamente). E também em hemofilia leve (5 a 40% de atividade do fator VIII ou IX), moderada (1 a 5%) e grave (menos de 1% de atividade). 

No quadro clínico, a tendência a sangramentos é inversamente proporcional ao grau de atividade do fator deficiente. 

Quais os principais sintomas da hemofilia? 

Dra. Silvana destaca que os principais sintomas apresentados por uma pessoa com hemofilia são os sangramentos. Sangramentos externos visíveis, como as manchas roxas (equimoses, hematomas), sangramentos nasais, gengivais e também internos, como os articulares (chamados hemartroses), são muito frequentes, principalmente em joelhos, tornozelos, cotovelos e em outros locais, como o sistema nervoso, o abdômen, entre outros.

Os sangramentos mais intensos que o esperado podem surgir nas seguintes situações: após um trauma, tratamento dentário ou cirurgias; nas hemofilias mais leves; ou, espontaneamente, nas pessoas com hemofilia grave.

As crianças com hemofilia grave apresentam precocemente equimoses e hematomas espontâneos em locais geralmente não expostos a traumas ou após pequenos traumas. Dois exemplos comuns são joelhos e cotovelos, quando começam a engatinhar.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico de hemofilia deve ser cogitado sempre que há histórias pregressas de sangramentos espontâneos ou após traumas.

A pesquisa da hemofilia se baseia na avaliação da coagulação sanguínea. Inicialmente, é solicitado um coagulograma, exame que avalia o tempo de tromboplastina parcialmente ativada (TTPa) e tempo de protrombina (TP), que são indicadores da coagulação efetiva ou não.

Na hemofilia, observa-se um aumento no TTPa e o TP normal. Para confirmação diagnóstica, é feita a dosagem da atividade coagulante do fator VIII (hemofilia A) ou fator IX (hemofilia B). Além disso, é solicitada uma pesquisa genética, pois, em caso afirmativo para história familiar, pode ser feito o aconselhamento genético.

Uma outra doença que apresenta-se com história de sangramentos em pele e mucosas, e que é diagnóstico diferencial com a hemofilia, é a doença de von Willebrand, na qual o fator de von Willebrand é deficiente. 

Quais são os possíveis tratamentos para a hemofilia?

No Brasil, todos os pacientes com hemofilia têm direito a receber o tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda sem tratamento curativo, embora a terapia gênica venha se desenvolvendo a largos passos, o tratamento da hemofilia tem evoluído muito nas últimas décadas.

Inicialmente, a terapêutica se baseava na reposição do fator deficiente, sob a forma de crioprecipitados (em bolsas de transfusão, proibidas desde 2002), que foram substituídos por concentrados de fator recombinantes. A reposição do fator deficiente de curta duração (máximo 72 horas) evoluiu para o uso de fatores de ação estendida, com até 10 dias de duração. A instituição da profilaxia, o tratamento domiciliar e no trabalho, e a implantação do tratamento de imunotolerância (eliminação do inibidor) têm transformado a vida das pessoas com hemofilia e melhorado a qualidade de vida e do número de complicações e sequelas.

Por fim, assim como existe o Outubro Rosa, para conscientização sobre o câncer de mama, também há no Brasil o Dia da Hemofilia. Ele é comemorado no dia 17 de abril e tem como objetivo difundir o conhecimento sobre a doença e, principalmente, os direitos previstos por lei aos portadores da hemofilia.

Neste post, você viu o que é hemofilia, uma doença crônica e genética que tem como característica principal a presença de sangramentos, espontâneos ou não. Sua principal causa está associada à ausência ou deficiência de fatores de coagulação (VIII ou IX). Além disso, mesmo com sua característica severa, ela possui tratamentos, que, inclusive, são gratuitos no Brasil.

Apesar da gravidade das hemofilias, os avanços no tratamento têm permitido, cada vez mais, uma vida com menos eventos adversos e mais segurança.

Quer ter acesso a informações sobre saúde e qualidade de vida? Leia este artigo sobre exercícios físicos no nosso blog!

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O que é hemofilia? Conheça essa coagulopatia frequente no Brasil; Doença muito antiga, os primeiros escritos sobre a hemofilia são datados do século II d.C. e atribuídos aos judeus. São relatos nos quais um rabino isenta da circuncisão o seu terceiro filho, após ter perdido os dois primeiros filhos por hemorragia como complicação do procedimento. Embora os judeus não soubessem o que é hemofilia e qual a sua causa, eles perceberam que o problema hemorrágico tinha um componente familiar.  Posteriormente, a hemofilia foi reconhecida como um distúrbio hemorrágico, no qual a deficiência de fatores de coagulação impede o sangue de coagular como deveria, resultando em sangramentos de difícil controle. Hoje, sabe-se que é uma doença genética e hereditária. Para esclarecer mais sobre o assunto, trouxemos uma entrevista com a Dra. Silvana Fahel, hematologista, professora da Universidade de Brasília (UnB) e médica do Grupo Sabin. Acompanhe! O que é hemofilia? Hemofilia é uma doença genética em que há um distúrbio na coagulação sanguínea, sendo considerada uma coagulopatia hereditária.  A dificuldade nos mecanismos de coagulação e a facilidade na apresentação de eventos hemorrágicos ocorrem devido à deficiência de fatores da coagulação: o fator VIII, na hemofilia A, e o fator IX, na hemofilia B. Essa é uma doença ainda pouco conhecida na sociedade, apesar da sua grande frequência no Brasil — cerca de 13 mil casos atualmente. Como ocorre esse distúrbio genético? Os genes dos fatores VIII e IX estão localizados no cromossomo X. Para que ocorra a hemofilia, é necessário que o gene do fator VIII (hemofilia A) ou IX (hemofilia B) apresente uma variante (mutação) que leva à diminuição de atividade, respectivamente, dos fatores VIII ou IX. Assim, como os homens possuem um único alelo de fator VIII ou IX, estando esse alelo com a variante (XhY), terão a doença. Enquanto as mulheres, se tiverem um alelo com a variante e outro normal (XhX), serão apenas portadoras. Para ter hemofilia, as mulheres necessitam ter os dois alelos para fator IX ou VIII com a variante (XhXh), por isso é muito mais raro. A mulher portadora (XhX) tem 50% de probabilidade de transmitir o alelo anormal aos seus descendentes, em cada gestação. Aproximadamente 30% dos hemofílicos não apresenta histórico familiar, o que configura a ocorrência de mutações espontâneas. Como se classificam as hemofilias? As hemofilias podem ser classificadas em hemofilia A (mais frequente) ou B, de acordo com o fator que está deficiente (VIII ou IX, respectivamente). E também em hemofilia leve (5 a 40% de atividade do fator VIII ou IX), moderada (1 a 5%) e grave (menos de 1% de atividade).  No quadro clínico, a tendência a sangramentos é inversamente proporcional ao grau de atividade do fator deficiente.  Quais os principais sintomas da hemofilia?  Dra. Silvana destaca que os principais sintomas apresentados por uma pessoa com hemofilia são os sangramentos. Sangramentos externos visíveis, como as manchas roxas (equimoses, hematomas), sangramentos nasais, gengivais e também internos, como os articulares (chamados hemartroses), são muito frequentes, principalmente em joelhos, tornozelos, cotovelos e em outros locais, como o sistema nervoso, o abdômen, entre outros. Os sangramentos mais intensos que o esperado podem surgir nas seguintes situações: após um trauma, tratamento dentário ou cirurgias; nas hemofilias mais leves; ou, espontaneamente, nas pessoas com hemofilia grave. As crianças com hemofilia grave apresentam precocemente equimoses e hematomas espontâneos em locais geralmente não expostos a traumas ou após pequenos traumas. Dois exemplos comuns são joelhos e cotovelos, quando começam a engatinhar. Como é feito o diagnóstico? O diagnóstico de hemofilia deve ser cogitado sempre que há histórias pregressas de sangramentos espontâneos ou após traumas. A pesquisa da hemofilia se baseia na avaliação da coagulação sanguínea. Inicialmente, é solicitado um coagulograma, exame que avalia o tempo de tromboplastina parcialmente ativada (TTPa) e tempo de protrombina (TP), que são indicadores da coagulação efetiva ou não. Na hemofilia, observa-se um aumento no TTPa e o TP normal. Para confirmação diagnóstica, é feita a dosagem da atividade coagulante do fator VIII (hemofilia A) ou fator IX (hemofilia B). Além disso, é solicitada uma pesquisa genética, pois, em caso afirmativo para história familiar, pode ser feito o aconselhamento genético. Uma outra doença que apresenta-se com história de sangramentos em pele e mucosas, e que é diagnóstico diferencial com a hemofilia, é a doença de von Willebrand, na qual o fator de von Willebrand é deficiente.  Quais são os possíveis tratamentos para a hemofilia? No Brasil, todos os pacientes com hemofilia têm direito a receber o tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda sem tratamento curativo, embora a terapia gênica venha se desenvolvendo a largos passos, o tratamento da hemofilia tem evoluído muito nas últimas décadas. Inicialmente, a terapêutica se baseava na reposição do fator deficiente, sob a forma de crioprecipitados (em bolsas de transfusão, proibidas desde 2002), que foram substituídos por concentrados de fator recombinantes. A reposição do fator deficiente de curta duração (máximo 72 horas) evoluiu para o uso de fatores de ação estendida, com até 10 dias de duração. A instituição da profilaxia, o tratamento domiciliar e no trabalho, e a implantação do tratamento de imunotolerância (eliminação do inibidor) têm transformado a vida das pessoas com hemofilia e melhorado a qualidade de vida e do número de complicações e sequelas. Por fim, assim como existe o Outubro Rosa, para conscientização sobre o câncer de mama, também há no Brasil o Dia da Hemofilia. Ele é comemorado no dia 17 de abril e tem como objetivo difundir o conhecimento sobre a doença e, principalmente, os direitos previstos por lei aos portadores da hemofilia. Neste post, você viu o que é hemofilia, uma doença crônica e genética que tem como característica principal a presença de sangramentos, espontâneos ou não. Sua principal causa está associada à ausência ou deficiência de fatores de coagulação (VIII ou IX). Além disso, mesmo com sua característica severa, ela possui tratamentos, que, inclusive, são gratuitos no Brasil. Apesar da gravidade das hemofilias, os avanços no tratamento têm permitido, cada vez mais, uma vida com menos eventos adversos e mais segurança. Quer ter acesso a informações sobre saúde e qualidade de vida? Leia este artigo sobre exercícios físicos no nosso blog!