Sabin Por: Sabin
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O diabetes mellitus (DM) é uma condição metabólica crônica que afeta cerca de 20 milhões de brasileiros, cujas complicações vão além do controle glicêmico. Entre as manifestações menos reconhecidas, mas de alta relevância clínica, está a fragilidade óssea. Tanto no diabetes tipo 1 quanto no tipo 2, o risco de fraturas é significativamente elevado, evidenciando alterações que não se limitam à densidade mineral óssea (DMO), como também envolvem a qualidade estrutural do tecido ósseo.

Os mecanismos que conectam o diabetes à saúde óssea incluem hiperglicemia crônica, formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) e resistência insulínica, que prejudicam a renovação e a resistência óssea. Complicações como neuropatia periférica e microangiopatia, além do impacto de algumas terapias antidiabéticas, intensificam o risco de quedas e comprometem a regeneração óssea, aumentando as chances de fraturas graves.

Para aprofundar sua compreensão sobre como o diabetes afeta a saúde óssea e entender melhores estratégias para avaliação e manejo clínico, continue a leitura deste conteúdo.

Diabetes mellitus (tipos 1 e 2) e fragilidade óssea: mecanismos fisiopatológicos

As alterações ósseas relacionadas ao diabetes consistem em uma combinação de fatores metabólicos, hormonais e inflamatórios que afetam a estrutura e a qualidade do tecido ósseo. Enquanto pacientes com diabetes tipo 2 frequentemente apresentam DMO normal ou até aumentada, a microarquitetura óssea é prejudicada, tornando os ossos mais suscetíveis a fraturas. Já no diabetes tipo 1, a ausência de insulina impacta diretamente a formação óssea, resultando em DMO reduzida.

Dados epidemiológicos reforçam o impacto relevante do diabetes no risco de fraturas. Esses pacientes têm maior incidência de fraturas de quadril e vértebras, com estudos indicando um aumento relativo de risco (RR) que varia entre 1,3 e 2,1, especialmente em indivíduos com controle glicêmico inadequado e complicações vasculares associadas.

Mecanismos subjacentes à fragilidade óssea

A hiperglicemia crônica é um dos principais fatores contribuintes para a fragilidade óssea no diabetes. A formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) compromete a qualidade do colágeno tipo 1, essencial para a resistência óssea, e reduz a mineralização. Adicionalmente, a resistência insulínica interfere na remodelação óssea ao prejudicar o equilíbrio entre formação e reabsorção, intensificando o processo de fragilidade.

A microangiopatia, uma complicação comum do diabetes, reduz o fluxo sanguíneo ao tecido ósseo, comprometendo sua regeneração e homeostase. Paralelamente, a inflamação crônica de baixo grau típica do diabetes tipo 2 estimula os osteoclastos, resultando em reabsorção óssea excessiva e desequilíbrio estrutural.

Impacto das complicações do diabetes e do uso de medicamentos

As complicações do diabetes e o uso de algumas medicações desempenham um papel crucial no aumento do risco de fraturas, agravando a fragilidade óssea característica dessa condição.

  • Complicações vasculares: a neuropatia periférica, comumente presente em pacientes com diabetes, diminui a sensibilidade nos membros inferiores, favorecendo o risco de quedas. A retinopatia, por sua vez, compromete a visão e contribui para acidentes. A microangiopatia prejudica a vascularização do tecido ósseo, impactando negativamente sua regeneração e seu reparo.
  • Medicações: algumas terapias antidiabéticas também influenciam a saúde óssea. A insulina, fundamental no controle do diabetes tipo 1 e avançado, está associada ao risco de quedas devido a episódios de hipoglicemia. Já as tiazolidinedionas, ao promoverem a conversão de células-tronco mesenquimais em adipócitos, prejudicam a formação óssea, aumentando a fragilidade estrutural.
  • Risco de hipoglicemia: a hipoglicemia frequente, comum em pacientes em uso de insulina ou sulfonilureias, representa um fator adicional que eleva o risco de quedas e, consequentemente, de fraturas graves, sobretudo em idosos.

Avaliação da saúde óssea em pacientes com diabetes

Dada a complexidade das alterações ósseas no diabetes, a avaliação da saúde óssea deve ser abrangente, combinando exames laboratoriais, métodos de imagem avançados e ferramentas de risco adaptadas.

Indicadores laboratoriais a serem monitorados

Os marcadores laboratoriais são ferramentas necessárias para o acompanhamento da saúde óssea. A hemoglobina glicada (HbA1c) é um indicador importante não apenas do controle glicêmico, mas também do risco de fragilidade óssea. Níveis insuficientes de vitamina D são continuamente observados em pacientes diabéticos, contribuindo para complicações ósseas e necessitando de correção adequada. Além disso, marcadores como fosfatase alcalina óssea (indicativo de formação óssea) e telopeptídeos (indicadores de reabsorção) podem fornecer uma visão detalhada do metabolismo ósseo.

Métodos de imagem recomendados

A densitometria óssea (DXA) é o exame considerado padrão para a avaliação da DMO, embora apresente limitações ao subestimar o risco de fraturas em pacientes com diabetes tipo 2. O Trabecular Bone Score (TBS), quando combinado à DXA, oferece informações adicionais sobre a qualidade trabecular, sendo uma ferramenta útil nesse contexto. Para uma avaliação mais precisa da microarquitetura óssea, a tomografia quantitativa de alta resolução (HR-pQCT) é uma alternativa promissora, possibilitando identificar alterações estruturais sutis e porosidade cortical.

Ferramentas de risco

O escore FRAX, amplamente utilizado para estimar o risco de fraturas, deve ser ajustado para refletir melhor as condições específicas de pacientes diabéticos. Alguns ajustes, como adicionar anos à idade cronológica ou modificar o T-score, podem melhorar a precisão na estimativa do risco.

Manejo da saúde óssea em pacientes com diabetes mellitus (tipos 1 ou 2)

O manejo da saúde óssea em pacientes com diabetes deve ir além das intervenções farmacológicas, abrangendo também estratégias não farmacológicas e uma abordagem multidisciplinar. A redução da variabilidade glicêmica é determinante para minimizar a formação de AGEs e proteger a qualidade óssea. 

Episódios frequentes de hipoglicemia, particularmente em pacientes em uso de insulina, devem ser evitados para reduzir o risco de quedas e fraturas. A suplementação de vitamina D e cálcio, ajustada às necessidades individuais, atua de maneira central na manutenção da saúde óssea.

Entre os medicamentos osteoprotetores, os bisfosfonatos são largamente utilizados para prevenir fraturas, enquanto a teriparatida é indicada para casos de fragilidade óssea grave. O denosumabe, uma opção eficaz para pacientes com insuficiência renal, oferece benefícios importantes na prevenção de complicações. 

As intervenções não farmacológicas incluem programas de exercícios físicos focados no fortalecimento muscular e no equilíbrio, imprescindíveis para prevenir quedas. Avaliar e manejar fatores de risco individuais, como neuropatia periférica e baixa acuidade visual, é igualmente relevante para garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes. 

Em suma, o diabetes mellitus apresenta desafios únicos para a saúde óssea e exige uma abordagem preventiva e personalizada. A integração de avaliações laboratoriais, métodos de imagem avançados e intervenções farmacológicas e não farmacológicas é fundamental para reduzir o risco de fraturas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O manejo multidisciplinar, envolvendo endocrinologistas, reumatologistas e fisioterapeutas, é indispensável para alcançar esses objetivos.

Quer saber mais sobre como o manejo correto do diabetes pode melhorar a saúde geral e reduzir complicações como a fragilidade óssea? Acesse “Diabetes: avaliação laboratorial diagnóstica e seguimento”.

Referências:

Elamir Y, Gianakos AL, Lane JM, Sharma A, Grist WP, Liporace FA, Yoon RS. The Effects of Diabetes and Diabetic Medications on Bone Health. J Orthop Trauma. 2020 Mar;34(3):e102-e108. doi: 10.1097/BOT.0000000000001635. 

Kasperk C, Georgescu C, Nawroth P. Diabetes Mellitus and Bone Metabolism. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2017 Apr;125(4):213-217. doi: 10.1055/s-0042-123036. 

Sheu, A., White, C.P. & Center, J.R. Bone metabolism in diabetes: a clinician’s guide to understanding the bone–glucose interplay. Diabetologia 67, 1493–1506 (2024). https://doi.org/10.1007/s00125-024-06172-x

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Avaliação da saúde óssea e risco de fraturas no diabetes; O diabetes mellitus (DM) é uma condição metabólica crônica que afeta cerca de 20 milhões de brasileiros, cujas complicações vão além do controle glicêmico. Entre as manifestações menos reconhecidas, mas de alta relevância clínica, está a fragilidade óssea. Tanto no diabetes tipo 1 quanto no tipo 2, o risco de fraturas é significativamente elevado, evidenciando alterações que não se limitam à densidade mineral óssea (DMO), como também envolvem a qualidade estrutural do tecido ósseo. Os mecanismos que conectam o diabetes à saúde óssea incluem hiperglicemia crônica, formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) e resistência insulínica, que prejudicam a renovação e a resistência óssea. Complicações como neuropatia periférica e microangiopatia, além do impacto de algumas terapias antidiabéticas, intensificam o risco de quedas e comprometem a regeneração óssea, aumentando as chances de fraturas graves. Para aprofundar sua compreensão sobre como o diabetes afeta a saúde óssea e entender melhores estratégias para avaliação e manejo clínico, continue a leitura deste conteúdo. Diabetes mellitus (tipos 1 e 2) e fragilidade óssea: mecanismos fisiopatológicos As alterações ósseas relacionadas ao diabetes consistem em uma combinação de fatores metabólicos, hormonais e inflamatórios que afetam a estrutura e a qualidade do tecido ósseo. Enquanto pacientes com diabetes tipo 2 frequentemente apresentam DMO normal ou até aumentada, a microarquitetura óssea é prejudicada, tornando os ossos mais suscetíveis a fraturas. Já no diabetes tipo 1, a ausência de insulina impacta diretamente a formação óssea, resultando em DMO reduzida. Dados epidemiológicos reforçam o impacto relevante do diabetes no risco de fraturas. Esses pacientes têm maior incidência de fraturas de quadril e vértebras, com estudos indicando um aumento relativo de risco (RR) que varia entre 1,3 e 2,1, especialmente em indivíduos com controle glicêmico inadequado e complicações vasculares associadas. Mecanismos subjacentes à fragilidade óssea A hiperglicemia crônica é um dos principais fatores contribuintes para a fragilidade óssea no diabetes. A formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) compromete a qualidade do colágeno tipo 1, essencial para a resistência óssea, e reduz a mineralização. Adicionalmente, a resistência insulínica interfere na remodelação óssea ao prejudicar o equilíbrio entre formação e reabsorção, intensificando o processo de fragilidade. A microangiopatia, uma complicação comum do diabetes, reduz o fluxo sanguíneo ao tecido ósseo, comprometendo sua regeneração e homeostase. Paralelamente, a inflamação crônica de baixo grau típica do diabetes tipo 2 estimula os osteoclastos, resultando em reabsorção óssea excessiva e desequilíbrio estrutural. Impacto das complicações do diabetes e do uso de medicamentos As complicações do diabetes e o uso de algumas medicações desempenham um papel crucial no aumento do risco de fraturas, agravando a fragilidade óssea característica dessa condição. Complicações vasculares: a neuropatia periférica, comumente presente em pacientes com diabetes, diminui a sensibilidade nos membros inferiores, favorecendo o risco de quedas. A retinopatia, por sua vez, compromete a visão e contribui para acidentes. A microangiopatia prejudica a vascularização do tecido ósseo, impactando negativamente sua regeneração e seu reparo. Medicações: algumas terapias antidiabéticas também influenciam a saúde óssea. A insulina, fundamental no controle do diabetes tipo 1 e avançado, está associada ao risco de quedas devido a episódios de hipoglicemia. Já as tiazolidinedionas, ao promoverem a conversão de células-tronco mesenquimais em adipócitos, prejudicam a formação óssea, aumentando a fragilidade estrutural. Risco de hipoglicemia: a hipoglicemia frequente, comum em pacientes em uso de insulina ou sulfonilureias, representa um fator adicional que eleva o risco de quedas e, consequentemente, de fraturas graves, sobretudo em idosos. Avaliação da saúde óssea em pacientes com diabetes Dada a complexidade das alterações ósseas no diabetes, a avaliação da saúde óssea deve ser abrangente, combinando exames laboratoriais, métodos de imagem avançados e ferramentas de risco adaptadas. Indicadores laboratoriais a serem monitorados Os marcadores laboratoriais são ferramentas necessárias para o acompanhamento da saúde óssea. A hemoglobina glicada (HbA1c) é um indicador importante não apenas do controle glicêmico, mas também do risco de fragilidade óssea. Níveis insuficientes de vitamina D são continuamente observados em pacientes diabéticos, contribuindo para complicações ósseas e necessitando de correção adequada. Além disso, marcadores como fosfatase alcalina óssea (indicativo de formação óssea) e telopeptídeos (indicadores de reabsorção) podem fornecer uma visão detalhada do metabolismo ósseo. Métodos de imagem recomendados A densitometria óssea (DXA) é o exame considerado padrão para a avaliação da DMO, embora apresente limitações ao subestimar o risco de fraturas em pacientes com diabetes tipo 2. O Trabecular Bone Score (TBS), quando combinado à DXA, oferece informações adicionais sobre a qualidade trabecular, sendo uma ferramenta útil nesse contexto. Para uma avaliação mais precisa da microarquitetura óssea, a tomografia quantitativa de alta resolução (HR-pQCT) é uma alternativa promissora, possibilitando identificar alterações estruturais sutis e porosidade cortical. Ferramentas de risco O escore FRAX, amplamente utilizado para estimar o risco de fraturas, deve ser ajustado para refletir melhor as condições específicas de pacientes diabéticos. Alguns ajustes, como adicionar anos à idade cronológica ou modificar o T-score, podem melhorar a precisão na estimativa do risco. Manejo da saúde óssea em pacientes com diabetes mellitus (tipos 1 ou 2) O manejo da saúde óssea em pacientes com diabetes deve ir além das intervenções farmacológicas, abrangendo também estratégias não farmacológicas e uma abordagem multidisciplinar. A redução da variabilidade glicêmica é determinante para minimizar a formação de AGEs e proteger a qualidade óssea.  Episódios frequentes de hipoglicemia, particularmente em pacientes em uso de insulina, devem ser evitados para reduzir o risco de quedas e fraturas. A suplementação de vitamina D e cálcio, ajustada às necessidades individuais, atua de maneira central na manutenção da saúde óssea. Entre os medicamentos osteoprotetores, os bisfosfonatos são largamente utilizados para prevenir fraturas, enquanto a teriparatida é indicada para casos de fragilidade óssea grave. O denosumabe, uma opção eficaz para pacientes com insuficiência renal, oferece benefícios importantes na prevenção de complicações.  As intervenções não farmacológicas incluem programas de exercícios físicos focados no fortalecimento muscular e no equilíbrio, imprescindíveis para prevenir quedas. Avaliar e manejar fatores de risco individuais, como neuropatia periférica e baixa acuidade visual, é igualmente relevante para garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes.  Em suma, o diabetes mellitus apresenta desafios únicos para a saúde óssea e exige uma abordagem preventiva e personalizada. A integração de avaliações laboratoriais, métodos de imagem avançados e intervenções farmacológicas e não farmacológicas é fundamental para reduzir o risco de fraturas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O manejo multidisciplinar, envolvendo endocrinologistas, reumatologistas e fisioterapeutas, é indispensável para alcançar esses objetivos. Quer saber mais sobre como o manejo correto do diabetes pode melhorar a saúde geral e reduzir complicações como a fragilidade óssea? Acesse “Diabetes: avaliação laboratorial diagnóstica e seguimento”. Referências: Elamir Y, Gianakos AL, Lane JM, Sharma A, Grist WP, Liporace FA, Yoon RS. The Effects of Diabetes and Diabetic Medications on Bone Health. J Orthop Trauma. 2020 Mar;34(3):e102-e108. doi: 10.1097/BOT.0000000000001635.  Kasperk C, Georgescu C, Nawroth P. Diabetes Mellitus and Bone Metabolism. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2017 Apr;125(4):213-217. doi: 10.1055/s-0042-123036.  Sheu, A., White, C.P. & Center, J.R. Bone metabolism in diabetes: a clinician’s guide to understanding the bone–glucose interplay. Diabetologia 67, 1493–1506 (2024). https://doi.org/10.1007/s00125-024-06172-x