A síndrome de Cushing é uma condição médica resultante da exposição crônica a níveis excessivos de cortisol. O cortisol é um hormônio que desempenha um papel fundamental em diversas funções do corpo, incluindo o controle do metabolismo, do sistema imunológico e da resposta ao estresse.
É uma síndrome caracterizada por uma série de sinais e sintomas que podem variar em intensidade e aparecer gradualmente, o que torna o diagnóstico precoce uma tarefa desafiadora. Muitas vezes, o diagnóstico é tardio, pois como a evolução da doença é gradual, seus sintomas podem ser confundidos com outras condições médicas.
Neste conteúdo, apresentaremos informações importantes sobre o diagnóstico clínico e laboratorial da síndrome de Cushing, as quais podem auxiliar profissionais médicos a identificar mais facilmente a condição.
Etiologia e epidemiologia da síndrome de Cushing
A síndrome de Cushing pode ser classificada em dois grandes grupos etiológicos, com base no fator gerador de hipercortisolismo: síndrome de Cushing exógena e endógena. Conhecer a etiologia da condição é essencial para compreender a causa subjacente da síndrome no paciente e direcionar corretamente o tratamento.
A causa exógena é a mais comum e ocorre devido ao uso prolongado e/ou em doses suprafisiológicas de medicamentos corticosteroides, na forma de tratamentos médicos para condições inflamatórias, como artrite, asma ou alergias. A administração crônica de corticoides pode desencadear concentrações aumentadas de cortisol no organismo.
Já a síndrome de Cushing endógena é causada por anormalidades endocrinológicas na hipófise, nas glândulas adrenais ou em outros sítios, como tumores hipofisários, suprarrenais e neuroendócrinos ectópicos, que, em última análise, levam à secreção exacerbada do cortisol endógeno.
Aspectos epidemiológicos
As informações sobre incidência e prevalência da síndrome de Cushing ainda não são totalmente conhecidas. A incidência da síndrome varia consideravelmente entre diferentes grupos étnicos e culturais, estando intrinsecamente ligada à frequência e à diversidade das condições médicas que exigem tratamento com corticosteroides.
A causa mais frequente da síndrome de Cushing se deve ao uso de corticosteroides exógenos. Entre as causas endógenas, a produção de ACTH mediada pela hipófise é a responsável por cerca de 80% dos casos de hipercortisolismo, seguida pelas adrenais, causas desconhecidas e a produção ectópica de ACTH secundária a malignidades.
Quais os principais achados clínicos e laboratoriais na síndrome de Cushing?
A síndrome de Cushing é uma condição complexa que pode apresentar uma diversidade de achados clínicos e laboratoriais, além da elevação do cortisol plasmático.
Esses achados são essenciais para o diagnóstico diferencial, uma vez que outras condições, como o uso crônico de medicamentos glicocorticoides, obesidade, diabetes não tratado e alcoolismo, também podem elevar os níveis de cortisol.
Achado clínicos frequentes e inespecíficos
A síndrome de Cushing pode se manifestar com uma variedade de achados clínicos frequentes e inespecíficos, tais como:
- Ganho de peso ponderal (70-95%): muitos pacientes experimentam um ganho de peso significativo, frequentemente na região abdominal, pescoço e face;
- Pletora facial (70-90%): refere-se a um rubor facial característico;
- Oligomenorreia ou amenorreia (70-90%): em mulheres, a síndrome de Cushing pode levar a irregularidades menstruais, incluindo oligomenorreia (ciclos menstruais irregulares) ou amenorreia (cessação da menstruação);
- Depressão (50-80%): alterações de humor, depressão, ansiedade e irritabilidade também podem ser sintomas comuns na síndrome de Cushing;
- Hipertensão arterial (60-90%): a pressão arterial elevada é uma complicação frequente da condição, aumentando o risco de problemas cardiovasculares;
- Hirsutismo (50-75%): refere-se ao crescimento excessivo de pelos, especialmente no rosto, peito, costas e outras áreas do corpo;
- Distúrbios do sono (60%): muitos pacientes relatam distúrbios do sono, como insônia, dificuldade em adormecer e sono fragmentado;
- Dislipidemia (40-70%): a síndrome pode causar alterações nos níveis de lipídios no sangue, incluindo aumento do colesterol e triglicerídeos;
- Redução da libido (25-90%): presença de diminuição da libido e problemas relacionados à função sexual;
- Comprometimento cognitivo: alguns pacientes relatam comprometimento cognitivo, como dificuldade de concentração e memória;
- Deficiência de vitamina D: pode estar associada a níveis reduzidos de vitamina D, o que pode afetar a saúde óssea.
Cabe ressaltar que a presença de um ou mais desses achados clínicos não é suficiente para o diagnóstico. Portanto, a avaliação precisa incluir exames laboratoriais e de imagem, juntamente com a avaliação do histórico médico do paciente, a fim de identificar a causa subjacente e estabelecer o diagnóstico correto.
Achado clínicos frequentes e específicos
Além dos achados clínicos frequentes e inespecíficos, existem sinais clínicos mais específicos relacionados às alterações metabólicas e hormonais causadas pelo excesso de cortisol:
- Fácies em lua cheia (acima de 90%): presença de face arredondada e inchada, devido ao acúmulo de gordura no rosto e ao inchaço das bochechas;
- Osteopenia, osteoporose e fraturas por fragilidade óssea (acima de 80%): redução da densidade mineral óssea, resultando em osteopenia;
- Fraqueza muscular (60-80%): é um sintoma comum na síndrome de Cushing e pode afetar a capacidade do paciente de realizar atividades físicas do cotidiano.
Achados clínicos menos frequentes e específicos
Existem sinais clínicos menos frequentes, porém mais específicos, que podem ser observados em alguns pacientes. Embora não sejam tão comuns quanto outros sintomas, os sinais clínicos apresentados a seguir podem ser relevantes na avaliação diagnóstica, em conjunto com outros exames laboratoriais.
- Giba de búfalo (50%): algumas pessoas com a síndrome de Cushing podem desenvolver um depósito de gordura na parte superior das costas, criando uma proeminência conhecida como “giba de búfalo”;
- Estrias violáceas (menos de 50%): presença de estrias largas e violáceas, devido à fragilidade cutânea e à tendência para desenvolver lesões;
- Equimoses e hematomas (50%): maior propensão a desenvolver equimoses e hematomas, mesmo após lesões leves;
- Fragilidade cutânea (40%): a pele pode se tornar fina e delicada, aumentando a probabilidade de cortes e arranhões.
Achados laboratoriais
A síndrome de Cushing pode causar uma série de alterações laboratoriais em diferentes sistemas do corpo, em razão dos efeitos do excesso de cortisol. Essas alterações podem ser observadas em exames de sangue e urina e desempenham um papel crucial no diagnóstico da doença.
- Leucocitose: leucocitose com linfopenia, eosinofilopenia, monocitopenia e basofilopenia;
- Hiperglicemia e níveis aumentados de insulina: o cortisol elevado pode levar à resistência à insulina e, consequentemente, ao aumento dos níveis de glicose no sangue (hiperglicemia) e de insulina;
- Hipocalemia: podem ocorrer diminuição dos níveis de potássio no sangue, pois o cortisol pode afetar a regulação desse mineral no organismo;
- Hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia: os níveis de triglicerídeos e colesterol no sangue podem aumentar na síndrome de Cushing, contribuindo para o desenvolvimento de dislipidemia;
- Elevação das enzimas hepáticas: pode afetar a função hepática, levando ao aumento das enzimas hepáticas no plasma;
- Alterações da coagulação: a síndrome de Cushing pode estar associada a alterações na coagulação sanguínea, incluindo alteração no tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa);
- Hipercalciúria, hipocalcemia, hipofosfatemia e aumento da fosfatase alcalina (achados mais raros).
Como é feito o diagnóstico da síndrome de Cushing endógena?
A confirmação do diagnóstico da síndrome de Cushing endógena requer uma abordagem sequencial e a utilização de diferentes testes para avaliar os níveis de cortisol no organismo.
A primeira linha de testes inclui avaliação bioquímica para a confirmação da elevação de cortisol sérico:
- Cortisol salivar noturno: mede os níveis de cortisol na saliva à noite (coletado às 23h e 0h), quando os níveis devem ser naturalmente mais baixos. Possui sensibilidade de 92 a 100%, especificidade de 85 a 100% e deve ser realizado entre duas a três vezes em caso de resultado negativo;
- Cortisol urinário livre em urina de 24 horas: coleta de urina durante 24 horas para medir a excreção total de cortisol. Teste positivo para cortisol urinário de 24 horas se for acima de duas vezes o limite superior da referência. Deverá ser realizado entre duas e três vezes, em caso de resultado negativo;
- Teste noturno de supressão com baixa dose de dexametasona: envolve a administração de dexametasona e a medição dos níveis de cortisol no sangue pela manhã. Deve ser tomada às 23h, com coleta na manhã seguinte entre 8h e 9h. Possui sensibilidade e especificidade de 80 a 95% e considera-se positivo se cortisol sérico for maior que 1,8 mcg/dL.
Dois resultados negativos em testes de cortisol descartam a síndrome de Cushing em pacientes com baixa suspeita clínica. No entanto, se a suspeita clínica for alta, dois resultados positivos nesses testes confirmam o diagnóstico.
Avaliação da causa da produção excessiva de cortisol
Uma vez confirmada a síndrome de Cushing, e excluído o uso de corticoides exógenos, é importante determinar a causa subjacente. Isso pode envolver a dosagem do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) no sangue para distinguir entre origens hipofisária e suprarrenal.
A análise da concentração plasmática de ACTH exige a coleta de amostras em dois momentos distintos, preferencialmente entre 8h e 9h. Quando o nível de ACTH é inferior a 10 pg/ml em pelo menos dois testes, isso aponta para a independência da síndrome em relação ao ACTH. Nesse cenário, as causas predominantes podem incluir adenomas, hiperplasia adrenal bilateral ou carcinoma adrenal.
Por outro lado, quando o ACTH é normal ou superior a 20 pg/ml, há indicação de dependência do ACTH. Valores de ACTH na faixa de 10 a 20 pg/ml não fornecem conclusões definitivas. Uma vez estabelecida a dependência da síndrome de Cushing em relação ao ACTH, a próxima etapa envolve a realização de uma ressonância magnética da hipófise com contraste, com o objetivo de detectar a presença de um possível adenoma hipofisário.
Adenomas hipofisários com tamanho igual ou superior a seis milímetros confirmam a doença de Cushing. Já em casos que não atendam a esse critério, a investigação deve prosseguir com testes de estímulo, utilizando o CRH e/ou acetato de desmopressina, ou até mesmo a cateterização dos vasos sanguíneos da região hipofisária.
É fundamental lembrar que o diagnóstico da síndrome de Cushing é complexo e requer a expertise de um médico especializado em endocrinologia. Além disso, a identificação da causa subjacente é primordial para planejar o tratamento adequado. Para aprofundar ainda mais no tema, sugerimos a leitura do conteúdo sobre quando solicitar e interpretar uma avaliação endócrina.
Sabin avisa:
Este conteúdo é meramente informativo e não pretende substituir consultas médicas, avaliações por profissionais de saúde ou fornecer qualquer tipo de diagnóstico ou recomendação de exames.
Importante ressaltar que diagnósticos e tratamentos devem ser sempre indicados por uma avaliação médica individual. Em caso de dúvidas, converse com seu médico. Somente o profissional pode esclarecer todas as suas perguntas.
Lembre-se: qualquer decisão relacionada à sua saúde sem orientação profissional pode ser prejudicial.
Referências:
Chaudhry HS, Singh G. Cushing Syndrome. [Updated 2023 Jun 26]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470218/Reincke M, Fleseriu M. Cushing Syndrome: A Review. JAMA. 2023;330(2):170–181. doi:10.1001/jama.2023.11305