O câncer é uma doença multifatorial complexa que afeta milhões de pessoas todos os anos, representando a segunda principal causa de morte no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
É uma doença que possui um impacto econômico significativo, principalmente em países de média e baixa renda que não possuem acesso a políticas efetivas de prevenção e detecção precoce. Todos esses fatores associados transformam o câncer em uma das mais sérias questões em saúde pública no mundo.
Felizmente, nos últimos anos, numerosos avanços científicos foram conquistados acerca da compreensão fisiopatológica e molecular do câncer, propiciando o desenvolvimento de tecnologias diagnósticas e tratamentos mais eficazes.
Um dos aspectos mais promissores relaciona-se ao rastreio e diagnóstico precoce. A detecção da doença ainda em estágios iniciais e a triagem de pacientes potencialmente sob risco são cruciais para um prognóstico mais favorável e para a adoção de estratégias preventivas adequadas.
É nesse contexto que os testes genéticos para o rastreio de síndromes de predisposição ou genes específicos para o câncer hereditário desempenham um papel fundamental. Neste conteúdo, você encontrará informações valiosas sobre a utilidade clínica desses testes.
O que são os testes genéticos para o câncer?
Estima-se que determinadas variantes genéticas hereditárias estejam relacionadas a cerca de 5 a 10% de todos os tipos de câncer. Diante disso, a utilização dos testes genéticos possibilita detectar com grande precisão essas variantes e confirmar se o paciente é portador de predisposição hereditária ao câncer.
Por meio desses testes, é possível também identificar variantes de alto risco em familiares de pessoas que tenham recebido o diagnóstico de uma síndrome de predisposição ao câncer. Por outro lado, é importante enfatizar que mesmo que uma variante de suscetibilidade seja detectada em membros de uma mesma família, isso não deve ser interpretado como uma certeza de desenvolvimento de câncer no futuro. Como mencionado, o câncer é uma doença multifatorial, sendo a genética apenas “um” dos muitos fatores que a influenciam.
No que concerne aos fatores genéticos, a penetrância e a expressividade de um determinado gene também são elementos que poderão influenciar, de forma variável, o risco individual de desenvolvimento de câncer na pessoa portadora da variante associada à predisposição.
O conceito de penetrância está associado à expressão ou não de um gene em um grupo de indivíduos. Em termos práticos, isso reflete quantitativamente, ou seja, quantas pessoas portadoras de uma variante apresentam características fenotípicas associadas ao gene (independentemente da gravidade), podendo ser completa (100% ou alta penetrância) ou incompleta.
Já a expressividade está associada ao nível de gravidade da manifestação fenotípica de indivíduos com o mesmo genótipo. Variações na expressividade resultam em indivíduos com o mesmo genótipo, mas com intensidade ou idade de início diferentes para a manifestação do fenótipo associado. Em relação à predisposição hereditária ao câncer, a expressividade variável pode também ser representada pelos diferentes tipos de tumores que pessoas com a mesma variante genética podem apresentar.
Em geral, os testes genéticos são realizados por meio de painéis genéticos que utilizam a técnica de Sequenciamento de Nova Geração (NGS), uma tecnologia que permite o sequenciamento massivo paralelo dos fragmentos do DNA, podendo ser utilizado para analisar genes ou regiões específicas, painéis ou o exoma completo.
Quais síndromes de predisposição ou genes específicos podem ser detectados pelos testes genéticos?
A identificação de padrões genéticos de risco para o desenvolvimento de câncer entre diferentes indivíduos de uma mesma família são chamadas de síndromes de predisposição hereditária ao câncer.
Variantes em dezenas de genes são conhecidas e associadas a diferentes tipos de câncer, como o de mama, o de ovário e o de próstata. Variantes patogênicas presentes nos genes BRCA1 e BRCA2, por exemplo, podem estar associadas a até 5% dos casos de câncer de mama e podem ser detectadas pelos testes genéticos.
Além dessas, várias outras variantes genéticas hereditárias foram identificadas como fatores de aumento de risco de câncer, como a PALB2 (cânceres de mama e pâncreas), CHEK2 (cânceres de mama e colorretal), BRIP1 (câncer de ovário), entre outras.
Adicionalmente, mais de 50 síndromes de predisposição hereditária já foram descritas, sendo grande parcela desencadeada por variantes deletérias herdadas de forma autossômica dominante (uma única cópia alterada do gene herdado é suficiente para aumentar o risco), como a síndrome de Lynch e a polipose adenomatosa familiar associada ao gene APC (ambas aumentam o risco de câncer colorretal). Atualmente, para a grande maioria dessas síndromes, existem testes genéticos disponíveis para detecção de variantes de risco.
Quais critérios considerar para solicitar um teste genético?
Antes de solicitar um painel genético, é importante que o médico esteja atento a algumas características clínicas do paciente e a critérios que possam direcionar e envolver uma investigação genética aprofundada.
O histórico médico pessoal ou familiar do paciente pode ser um fator fundamental e sugerir câncer de origem hereditária, considerando alguns dos critérios descritos a seguir:
- idade precoce de diagnóstico de câncer;
- diagnóstico de diferentes tipos de câncer no mesmo paciente;
- vários familiares com o mesmo tipo de câncer ou tumores relacionados a variantes em um mesmo gene (mama, ovário, etc.), principalmente parentes de primeiro grau;
- ocorrência incomum da doença, como casos de câncer de mama em homens;
- câncer em ambos os órgãos, como nos dois rins ou ambas as mamas;
- se a pessoa é portadora de defeitos congênitos conhecidos por associação às síndromes hereditárias de câncer.
A realização de testes genéticos no tumor — também conhecidos como testes somáticos — também oferece grande utilidade diagnóstica e prognóstica, inclusive na determinação da conduta terapêutica a ser adotada. Conhecer a assinatura molecular e imuno-histoquímica do tumor investigado pode ser de grande valia, como em casos de instabilidade de microssatélites no câncer colorretal ou a identificação de câncer de mama triplo-negativo.
O carcinoma de mama triplo-negativo metastático é responsável por cerca de 10 a 15% dos diagnósticos de câncer de mama no mundo, além de se diferenciar em relação aos demais pela agressividade, opções limitadas de tratamento e por possuir um pior prognóstico.
O termo “triplo-negativo” refere-se à ausência de receptores dos hormônios estrogênio, progesterona e do fator de crescimento epidérmico humano (HER2), atributos que diminuem consideravelmente as opções terapêuticas. Portanto, conhecer com precisão as características moleculares desse tipo de câncer (assim como de outros) é fundamental para um direcionamento terapêutico mais assertivo, melhorando o prognóstico e a sobrevida do paciente.
Como interpretar os resultados dos testes genéticos?
Os resultados dos exames genéticos são expressos da seguinte forma: identificação de variante clinicamente relevante, variante de significado incerto e ausência de variantes identificadas.
Variante clinicamente relevante
A detecção de uma variante clinicamente relevante (patogênica ou provavelmente patogênica) significa que a análise por NGS encontrou uma alteração genética associada a uma síndrome de suscetibilidade hereditária ao câncer. Como dito anteriormente, esse resultado é importante para a confirmação da predisposição à doença em um paciente que já possui diagnóstico, o que pode orientar também a escolha do tratamento a ser utilizado.
A detecção de variantes patogênicas contribui também para a adoção da vigilância ativa nesses pacientes, aumentando a precocidade e frequência de exames para rastreio do câncer.
Ademais, esse tipo de exame fornece informações importantes que podem auxiliar membros da família a tomar decisões que auxiliem nos cuidados em saúde, especialmente quanto às opções personalizadas para rastreamento de tumores e em relação à mudança de hábitos de vida que estejam relacionados com maior risco para o desenvolvimento de câncer.
Variante de significado incerto
São reportadas alterações genéticas que, até o momento, não podem ser definitivamente classificadas como benignas, nem como patogênicas. Esse tipo de resultado não confirma uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer e não deve ser utilizado para a modificação de condutas médicas.
Ausência de variantes identificadas
Podem não ser detectadas variantes patogênicas no exame. É importante destacar também que, no laudo final, não são reportadas variantes benignas, apenas as de significado incerto ou que estejam ligadas a uma síndrome de suscetibilidade hereditária ao câncer. Um resultado sem variantes identificadas pode também decorrer das limitações do método para identificação dessas alterações específicas.
Por fim, podem surgir, ainda, resultados não informativos, que ocorrem nas seguintes situações: quando a investigação é iniciada em uma pessoa que possui histórico familiar, mas não pessoal, de câncer; quando não são identificadas variantes clinicamente relevantes e não existe a oportunidade para testar o familiar que teve diagnóstico de câncer. Nesses casos, não há como saber se não foram encontradas variantes relevantes, devido ao fato de o indivíduo não ter herdado uma alteração genética familiar existente, ou se é uma situação em que não seria possível encontrar uma variante familiar, mesmo com a testagem da pessoa afetada.
Qual a importância do aconselhamento genético?
Embora os testes genéticos sejam excelentes ferramentas diagnósticas, muitas vezes um resultado positivo pode gerar intenso estresse psicológico. É primordial que profissionais médicos adotem ações para diminuir o impacto desses resultados no paciente e seus familiares.
Se comunicado da maneira correta, a identificação de variantes clinicamente relevantes pode ajudar o paciente (e seus familiares) a entender o caso e a gerenciar potenciais riscos para o câncer, enquanto a ausência de variantes identificadas pode tranquilizar o paciente quanto à herança de uma alteração genética deletéria identificável pelo método.
Assim, é essencial realizar o aconselhamento genético do paciente antes da solicitação do exame. O aconselhamento auxilia o indivíduo a compreender melhor os possíveis resultados do teste genético e os riscos hereditários, orientar decisões sobre prevenção, triagem e opções de tratamento, além de oferecer suporte psicológico para as pessoas afetadas, ajudando-as a lidar com as implicações emocionais e éticas dos resultados dos testes.
Sem dúvida, os testes genéticos vieram para revolucionar o diagnóstico da predisposição ao câncer, permitindo intervenções cada vez mais precoces e personalizadas. Agora que você já conhece a utilidade dos testes genéticos para o câncer hereditário, sugerimos a leitura do conteúdo sobre marcadores tumorais, para que possa aprofundar seu conhecimento acerca do diagnóstico do câncer.
Referências:
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