As porfirias são doenças metabólicas hereditárias causadas por falhas enzimáticas na via de biossíntese do heme, molécula importante para o funcionamento da hemoglobina, mioglobina e citocromos. Essas condições pertencem ao grupo dos erros inatos do metabolismo e apresentam manifestações clínicas que variam desde crises neuroviscerais agudas até fotossensibilidade cutânea crônica.
Por serem doenças raras, o diagnóstico precoce é um grande desafio, porém relevante, para prevenir complicações como neuropatias, insuficiência renal e hepática, além de crises recorrentes que comprometem a qualidade de vida.
Nesse sentido, a triagem bioquímica atua como a entrada para essa investigação e, quando bem realizada e interpretada, orienta o direcionamento clínico e laboratorial subsequente, incluindo a análise genética.
A seguir, discutiremos os principais marcadores bioquímicos utilizados, os métodos laboratoriais disponíveis, suas limitações e como interpretar corretamente os resultados no contexto clínico. Continue a leitura para se atualizar!
Diagnóstico bioquímico das porfirias
A investigação bioquímica é o primeiro passo diante da suspeita clínica de porfiria, sendo particularmente eficaz em contextos agudos. Diferentemente dos testes genéticos, que buscam mutações hereditárias, a triagem bioquímica permite avaliar a atividade metabólica em tempo real, evidenciando a presença de intermediários do heme que se acumulam em razão das falhas enzimáticas.
O diagnóstico inadequado ou tardio pode levar a abordagens terapêuticas equivocadas, uso de medicamentos contraindicados e piora dos sintomas. Por isso, o reconhecimento dos marcadores-chave e a adoção de uma rotina laboratorial estruturada são passos fundamentais para a condução efetiva do caso clínico.
Marcadores bioquímicos para diagnóstico
O porfobilinogênio (PBG) é considerado o principal marcador para crises agudas de porfiria, sobretudo nas formas hepáticas, como a porfiria aguda intermitente (AIP), porfiria variegata (VP) e coproporfiria hereditária (HCP). A dosagem na urina deve ser feita preferencialmente durante as crises sintomáticas, quando os níveis tendem a estar elevados. A análise pode ser feita por espectrofotometria, HPLC ou LC-MS, dependendo da estrutura laboratorial.
Outro marcador significativo é o ácido delta-aminolevulínico (ALA), precursor imediato do PBG. Apesar de ser útil como complemento diagnóstico nas porfirias agudas, sua elevação também pode ser observada em intoxicação por chumbo ou hepatopatias, exigindo cautela na interpretação. Como ambos os compostos são instáveis, o correto acondicionamento da urina refrigerada é indispensável para garantir a confiabilidade dos resultados.
Para os subtipos cutâneos, como a porfiria cutânea tarda (PCT), a protoporfiria eritropoiética (EPP) e a porfiria eritropoiética congênita (CEP), a análise de porfirinas totais e frações é essencial. O perfil das porfirinas na urina, fezes e plasma permite distinguir padrões específicos. Por exemplo, a PCT normalmente cursa com aumento de uroporfirinas urinárias, enquanto a EPP demonstra elevação de protoporfirina nos eritrócitos e plasma.
De modo geral, os métodos de análise incluem espectrofotometria de fluorescência, HPLC e, mais recentemente, cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS), que fornece alta sensibilidade e especificidade.
Interpretação dos resultados
Interpretar corretamente os resultados da triagem bioquímica exige conhecimento dos padrões metabólicos típicos das porfirias e de suas condições mimetizadoras. Por exemplo, elevações significativas de PBG e ALA indicam fortemente porfirias agudas, mas também podem ocorrer em outras condições, como doenças hepáticas crônicas e exposição a metais pesados.
A interpretação isolada de valores alterados pode levar a falsos diagnósticos. Assim, é preciso considerar a apresentação clínica, o histórico familiar e a coleta das amostras no momento adequado. As porfirias cutâneas mostram elevações mais discretas e progressivas de porfirinas totais e frações, sendo essas alterações influenciadas por variáveis como uso de álcool, estrógenos, infecções virais e sobreposição com doenças hepáticas.
Além disso, alguns pacientes podem revelar valores intermediários ou alterações não típicas em períodos intercríticos, o que torna ainda mais cruciais o seguimento e a repetição dos exames em momentos oportunos.
Limitações e o papel complementar dos testes genéticos na investigação das porfirias
Embora eficaz, a triagem bioquímica possui algumas limitações. Interferentes pré-analíticos, como coleta inadequada, armazenamento incorreto ou medicação em uso, podem gerar resultados falsamente normais ou alterados. Períodos intercríticos representam outro desafio, uma vez que os marcadores bioquímicos podem se normalizar mesmo diante de um quadro clínico compatível.
Nesse cenário, os testes genéticos fornecem recursos determinantes, pois possibilitam identificar mutações específicas associadas a cada subtipo de porfiria. Eles são especialmente úteis em familiares de pacientes diagnosticados, indivíduos com manifestações atípicas ou sintomas recorrentes sem alterações bioquímicas evidentes.
Contudo, é imprescindível ressaltar que o exame genético não substitui a triagem bioquímica, já que não avalia a expressão fenotípica da doença em curso. Dessa forma, a integração entre ambos os métodos é o que garante maior segurança diagnóstica.
Recomendações práticas para o diagnóstico das porfirias
O diagnóstico eficaz das porfirias começa pela suspeita clínica bem fundamentada e pela realização dos exames bioquímicos adequados no momento certo. Abaixo, compartilhamos algumas recomendações baseadas em boas práticas clínicas e laboratoriais:
- Coleta durante crises ou momentos de sintomatologia ativa aumenta substancialmente a sensibilidade dos exames.
- A urina para análise de ALA e PBG deve ser refrigerada ou congelada, protegida da luz e processada rapidamente.
- Em casos com sintomas cutâneos, a análise de porfirinas totais e frações em plasma e fezes deve ser priorizada.
- A confirmação diagnóstica deve ser realizada em laboratórios de referência, que disponham de metodologias especializadas e validação dos perfis metabólicos.
Como vimos, a triagem bioquímica permanece como estratégia inicial e necessária na investigação das porfirias. Sua sensibilidade permite detectar alterações metabólicas antes mesmo que o paciente tenha conhecimento da predisposição genética, favorecendo uma abordagem precoce e o manejo personalizado.
Ainda que apresente algumas limitações, é o método mais adequado na triagem, no diagnóstico inicial e na exclusão de diagnósticos diferenciais. Quando bem conduzida e complementada por exames genéticos e avaliação clínica, a triagem bioquímica oportuniza uma conduta precisa e melhora expressiva no prognóstico do paciente.
Continue se atualizando! Saiba mais sobre a importância da investigação genética com o conteúdo: Utilidade diagnóstica dos exames genéticos.
Referências:
Aarsand, Aasne K et al. “Practical recommendations for biochemical and genetic diagnosis of the porphyrias.” Liver international : official journal of the International Association for the Study of the Liver vol. 45,3 (2025): e16012. doi:10.1111/liv.16012
Yasuda, Makiko, and Robert J Desnick. “Murine models of the human porphyrias: Contributions toward understanding disease pathogenesis and the development of new therapies.” Molecular genetics and metabolism vol. 128,3 (2019): 332-341. doi:10.1016/j.ymgme.2019.01.007MACHADO, Roberto. A ordem do discurso. Revista Discurso, São Paulo, n. 1, p. 5-32, 1971. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadc/article/download/46282/49937/55422


