A terminologia referente à esteatose hepática passou por uma importante reformulação, acompanhando os novos consensos internacionais sobre doenças hepáticas de base metabólica.
A tradicional nomenclatura “doença hepática gordurosa não alcoólica” (NAFLD) foi substituída por uma abordagem mais atualizada e fundamentada em critérios positivos: a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica, ou MASLD (Metabolic Dysfunction-Associated Steatotic Liver Disease).
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) oficializou a adoção dessa nova classificação em suas diretrizes, utilizando o termo “doença hepática esteatótica metabólica” (DHEM). A mudança busca aprimorar a precisão diagnóstica, reduzir o estigma associado à palavra “gordurosa” e refletir melhor a fisiopatologia subjacente, fortemente relacionada à resistência à insulina, obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial.
Continue a leitura e atualize-se sobre a mudança!
Por que NAFLD deixou de ser suficiente?
O termo NAFLD era baseado em um diagnóstico por exclusão, desconsiderando causas secundárias de esteatose hepática, como o consumo excessivo de álcool, hepatites virais, medicamentos hepatotóxicos e doenças hereditárias. Essa abordagem, embora amplamente utilizada nas últimas décadas, apresentava limitações clínicas relevantes.
Além da imprecisão, o uso do termo “gordurosa” carregava um grande estigma, dificultando o diálogo médico-paciente e contribuindo para a banalização da doença. Estudos recentes mostraram que a maior parte dos pacientes diagnosticados com NAFLD apresentava, na realidade, alterações cardiometabólicas centrais à fisiopatologia da esteatose hepática, como resistência à insulina e obesidade visceral.
A nova nomenclatura propõe uma definição positiva e objetiva, ancorada em evidências clínicas e laboratoriais. Para o diagnóstico de MASLD (DHEM), é necessário confirmar a presença de esteatose hepática por imagem, biópsia ou biomarcadores, associada a pelo menos um critério cardiometabólico.
A nova classificação internacional: SLD, MASLD, ALD e MetALD
A partir do consenso internacional liderado pela EASL e AASLD, adotou-se a categoria “guarda-chuva” SLD (Steatotic Liver Disease), que engloba todas as formas de esteatose hepática, independentemente da causa. A SLD se desdobra em subgrupos diagnósticos, com base na presença de fatores metabólicos e/ou alcoólicos. A seguir, detalhamos os principais:
MASLD (doença hepática esteatótica metabólica)
Trata-se da principal categoria substituta da antiga NAFLD. É definida pela presença de esteatose hepática associada a, no mínimo, um fator de risco cardiometabólico, como obesidade, diabetes tipo 2, pré-diabetes, hipertensão arterial ou dislipidemia aterogênica. Outras causas secundárias, como hepatopatias virais e uso de álcool em excesso, devem ser excluídas.
ALD (doença hepática alcoólica)
Corresponde aos casos de esteatose hepática atribuída ao consumo elevado e crônico de álcool, mesmo sem a presença de fatores metabólicos. A definição considera o histórico de ingestão superior a 60 g/dia para homens e 40 g/dia para mulheres.
MetALD (doença hepática esteatótica com sobreposição metabólica e alcoólica)
Reconhece a sobreposição entre fatores metabólicos e consumo alcoólico moderado (entre 20 e 60 g/dia). Essa nova categoria traduz um cenário clínico comum, especialmente em países ocidentais, onde o padrão de consumo de álcool pode coexistir com distúrbios metabólicos. A interação entre ambos favorece a progressão para formas mais avançadas de lesão hepática.
Implicações clínicas e diagnósticas da nova definição de MASLD
Mais de 95% dos pacientes previamente classificados como portadores de NAFLD preenchem os critérios diagnósticos de MASLD. No entanto, a adoção da nova nomenclatura confere maior clareza e permite direcionar melhor os fluxos de investigação e intervenção clínica. O foco na disfunção metabólica aproxima a abordagem hepatológica das práticas endocrinológicas e cardiometabólicas, favorecendo a integração interdisciplinar.
No Brasil, dados sugerem alta prevalência de esteatose hepática em pacientes com obesidade e síndrome metabólica, sobretudo em grandes centros urbanos. Assim, a terminologia DHEM, oficialmente adotada pela SBD, ajuda a uniformizar registros médicos, facilitar pesquisas clínicas e embasar políticas públicas de rastreamento populacional.
A redefinição da esteato-hepatite metabólica (MASH)
O termo MASH (Metabolic Dysfunction-Associated Steatohepatitis) substitui a antiga NASH (Non-Alcoholic Steatohepatitis). Seu diagnóstico permanece histológico, exigindo a presença de esteatose >5%, inflamação lobular e balonização hepatocelular (com ou sem fibrose).
A MASH é considerada a forma evolutiva mais agressiva da MASLD, com risco elevado de progressão para fibrose significativa, cirrose ou carcinoma hepatocelular. Dessa maneira, a identificação precoce é essencial para estratificar o risco e definir as intervenções terapêuticas.
Fibrose hepática: o principal determinante prognóstico
A gravidade da fibrose hepática continua sendo o principal preditor de desfechos clínicos adversos. A presença de fibrose avançada está diretamente associada à maior mortalidade por causas hepáticas e cardiovasculares. Por isso, o novo modelo enfatiza a importância da estratificação precoce do risco de fibrose, particularmente em pacientes com MASH.
Os métodos não invasivos mais utilizados incluem a elastografia hepática (FibroScan) e escores baseados em biomarcadores séricos, como o FIB-4 e o NAFLD Fibrosis Score. Esses exames ajudam a definir condutas clínicas, como o encaminhamento ao especialista, o monitoramento intensivo e a introdução de terapias farmacológicas para controle metabólico e prevenção de progressão da doença hepática.
Diretrizes internacionais e brasileiras: alinhamento e próximos passos
A nova classificação foi oficialmente endossada pelas principais sociedades hepatológicas do mundo, incluindo a European Association for the Study of the Liver (EASL) e a American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD). No Brasil, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) foi pioneira em adotar o novo sistema, e espera-se que outras entidades sigam a mesma direção em atualizações futuras.
O fato é que essa padronização promove a uniformização de estudos clínicos, codificação adequada de diagnósticos, dados epidemiológicos e atualização dos fluxos laboratoriais e assistenciais. Adicionalmente, reforça a necessidade de avaliar a gordura hepática por métodos não invasivos e de excluir outras causas de esteatose de forma sistemática.
Ainda, a nova nomenclatura, fundamentada em critérios positivos, melhora o reconhecimento clínico da doença, elimina ambiguidades diagnósticas e facilita a comunicação entre especialistas. Da mesma forma, o reconhecimento de subcategorias como MetALD amplia a capacidade de personalizar a avaliação e o tratamento, sendo que a fibrose se mantém como o principal fator prognóstico, exigindo abordagem proativa desde o primeiro contato com o paciente.
Continue se aprofundando! Leia nosso conteúdo complementar: “Doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica”.
Referências:
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Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Doença Hepática Esteatótica Metabólica (DHEM). Diretrizes 2023-2024. São Paulo: SBD; 2023. Manejo da doença hepática esteatótica metabólica (DHEM) no diabetes tipo 2 e pré-diabetes – Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes – Ed. 2025


