Sabin Por: Sabin
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A intolerância à lactose, condição que pode afetar indivíduos de todas as idades, resulta da produção insuficiente ou inexistente de lactase pelo intestino delgado, levando a distúrbios gastrointestinais que variam conforme a quantidade de lactose ingerida. Os principais sintomas incluem dor e distensão abdominal, diarreia e flatulência.

Nos últimos anos, a intolerância à lactose tornou-se um problema amplamente reconhecido devido ao aumento da conscientização sobre a condição. Estudos indicam que entre 65% e 75% da população mundial apresenta algum grau de intolerância à lactose.

Essa condição é altamente prevalente em populações asiáticas, africanas e sul-americanas, com variações de acordo com o grupo étnico. Em contraste, populações norte-europeias apresentam uma prevalência significativamente menor, entre 2% e 15%. No Brasil, a intolerância à lactose é predominante nas populações afrodescendentes e indígenas, refletindo a diversidade genética e os diferentes hábitos alimentares do país.

Os exames mais comuns para avaliar a intolerância à lactose podem ser desconfortáveis e nem sempre são muito precisos. Diagnósticos inadequados podem levar a intervenções desnecessárias, impactando negativamente a saúde nutricional dos pacientes.

Nesse contexto, o teste genético destaca-se como uma ferramenta interessante para o diagnóstico da intolerância à lactose, oferecendo uma alternativa confiável e mais confortável para os pacientes em comparação com os testes funcionais tradicionais.

Para aprofundar seu conhecimento sobre o teste molecular para intolerância à lactose, suas indicações clínicas e benefícios diagnósticos, continue explorando nosso conteúdo detalhado.

Etiologia da intolerância à lactose

A hipolactasia primária é a forma mais comum de intolerância à lactose, resultante da diminuição natural da atividade da lactase após a amamentação. A tolerância à lactose na vida adulta está associada a polimorfismos genéticos no gene MCM6, sendo o principal o polimorfismo 13910C>T.

Quando o alelo C está em homozigose (genótipo CC), há uma predisposição à intolerância à lactose, conhecida como “lactase não persistente”. Por outro lado, a presença do alelo T-13910 (genótipos TT e CT) está associada à persistência da atividade da lactase na fase adulta, indicando uma predisposição à tolerância à lactose.

Estudos demonstram que a persistência da lactase é um traço autossômico dominante, enquanto a hipolactasia é um traço autossômico recessivo. Em crianças, a expressão da lactase pode variar independentemente do genótipo, exigindo cautela na interpretação dos resultados.

A deficiência secundária de lactase pode ocorrer em virtude de doenças ou condições que afetam o intestino delgado, como gastroenterites, doença celíaca, doença de Crohn, entre outras. Nesses casos, a deficiência de lactase é uma consequência da lesão intestinal. A recuperação da atividade da lactase depende da resolução da condição subjacente que causou a lesão​.

A deficiência congênita de lactase é uma condição rara, na qual a enzima lactase está ausente desde o nascimento. Bebês afetados apresentam sintomas severos de intolerância logo após o início da alimentação com leite. Tal condição é geneticamente determinada e requer diagnóstico precoce para evitar complicações severas, em razão da desidratação e desnutrição​.

Diagnóstico da intolerância à lactose

O diagnóstico da intolerância à lactose envolve a combinação de investigação clínica e testes funcionais, sendo os mais comuns o teste de hidrogênio expirado e o teste de tolerância à lactose. A história clínica detalhada é essencial para identificar uma correlação entre a ingestão de lactose e os sintomas gastrointestinais.

Teste de hidrogênio expirado

Trata-se do teste funcional mais comum para diagnosticar a intolerância à lactose. Após a ingestão de uma dose padrão de lactose, mede-se o hidrogênio no ar expirado. Um aumento significativo indica má absorção de lactose, fermentada pelas bactérias intestinais, produzindo hidrogênio.

Teste de tolerância à lactose

Envolve a administração oral de lactose, seguida pela medição dos níveis de glicose no sangue. Um aumento insuficiente na glicose plasmática indica má absorção de lactose.

O teste de hidrogênio expirado, apesar de não ser invasivo, pode causar desconforto ao paciente devido à necessidade de ingestão de lactose, provocando sintomas típicos durante o teste. Já o teste de tolerância à lactose é outra abordagem comum, no entanto, assim como o teste de hidrogênio, ele pode ser desconfortável para o paciente e menos específico, pois outras condições podem afetar os níveis de glicose.

Existem outros tipos de exame para investigar a intolerância à lactose. Para crianças pequenas e lactentes, o teste de pH fecal e a presença de substâncias redutoras nas fezes podem ser utilizados. Amostras de fezes são analisadas para determinar o pH e a presença de açúcares não digeridos. Um pH fecal baixo (ácido) e a presença de substâncias redutoras indicam má absorção de carboidratos, incluindo a lactose.

Em casos complexos, uma biópsia intestinal pode ser realizada para medir diretamente a atividade da lactase no tecido intestinal. Uma amostra de tecido é coletada via endoscopia e a atividade enzimática é medida no laboratório, fornecendo uma indicação precisa da capacidade de digestão da lactose. Entretanto, esse é um procedimento invasivo e geralmente reservado para casos em que outros testes não foram conclusivos.

Teste molecular de intolerância à lactose

O teste molecular genético oferece uma alternativa não invasiva e confiável para o diagnóstico da intolerância à lactose. Esse teste baseia-se na identificação da  principal variante genética associada à persistência ou não da atividade da lactase. 

  • Como é realizado: o teste utiliza a técnica de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em tempo real para detectar a presença da variante -13910C>T no gene da lactase. Quando o alelo C está em homozigose (genótipo CC), resulta no estado “lactase não persistente” (predisposição à intolerância à lactose). De maneira inversa, a presença do alelo T (Genótipo TT e Genótipo CT) está associada ao fenótipo compatível com a persistência da atividade da lactase na fase adulta (predisposição à tolerância à lactose). A amostra de DNA normalmente é obtida por meio de uma coleta simples de saliva ou esfregaço bucal;
  • Tecnologia empregada: A PCR em tempo real permite a amplificação e detecção simultânea de sequências específicas de DNA, oferecendo alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico genético;
  • Prazo de entrega: os resultados do teste molecular podem ser obtidos em poucos dias, possibilitando um diagnóstico rápido e preciso;
  • Amostra utilizada: a coleta de saliva ou esfregaço bucal é menos invasiva e mais confortável para o paciente, em comparação com os testes funcionais que requerem ingestão de lactose.

Rendimento diagnóstico

O teste molecular apresenta alta correlação com as provas funcionais, mas sem os desconfortos associados a essas provas. Estudos demonstram uma sensibilidade de aproximadamente 79% e uma especificidade de 83% para a identificação da intolerância à lactose.

Portanto, esse teste pode predizer com alta probabilidade se um indivíduo é intolerante à lactose ou não. O novo teste é considerado uma ferramenta importante na triagem da condição, e alguns protocolos sugerem que o teste genético seja realizado antes da prova funcional, podendo esta ser dispensada diante de um paciente com sintomas de intolerância e um genótipo CC.

Limitações do exame

Embora o teste molecular seja altamente preciso, ele não substitui a necessidade de avaliação clínica, podendo ser complementado por outros exames em casos de diagnósticos complexos.

Em crianças, foram demonstradas variações na expressão da enzima lactase independentemente do genótipo. Dessa forma, os resultados devem ser interpretados com cautela nessa população. Variantes em outras regiões do gene MCM6 (relacionadas à persistência da lactase na fase adulta, tolerância à lactose) ou no gene LCT (relacionada à deficiência congênita de lactase) não podem ser excluídas no exame.

A intolerância à lactose representa um desafio significativo, por conta da alta prevalência e do impacto na qualidade de vida dos indivíduos afetados. A avaliação clínica detalhada é importante para o diagnóstico e evita intervenções desnecessárias. O teste molecular genético oferece uma ferramenta avançada e não invasiva, permitindo diagnósticos mais precisos e um manejo clínico mais eficiente.

Para continuar aprofundando seu repertório sobre as inovações nos exames, separamos o conteúdo sobre investigação molecular da doença celíaca. Boa leitura!

Referências:

Heyman MB; Committee on Nutrition. Lactose intolerance in infants, children, and adolescents. Pediatrics. 2006 Sep;118(3):1279-86. doi: 10.1542/peds.2006-1721

SILVA, AB da C.; ARAÚJO, KRS; CARVALHO, LMF de. Evidências científicas sobre intolerância à lactose: uma revisão da literatura. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento , [S. [1] , v. 9, n. 11, pág. e509119331, 2020. DOI: 10.33448/rsd-v9i11.9331. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/9331.

Toca MDC, Fernández A, Orsi M, Tabacco O, Vinderola G. Lactose intolerance: myths and facts. An update. Arch Argent Pediatr. 2022 Feb;120(1):59-66. English, Spanish. doi: 10.5546/aap.2022.eng.59. Epub 2021 Dec 17. PMID: 35068123.

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Conheça o teste molecular para diagnóstico de intolerância à lactose em adultos; A intolerância à lactose, condição que pode afetar indivíduos de todas as idades, resulta da produção insuficiente ou inexistente de lactase pelo intestino delgado, levando a distúrbios gastrointestinais que variam conforme a quantidade de lactose ingerida. Os principais sintomas incluem dor e distensão abdominal, diarreia e flatulência. Nos últimos anos, a intolerância à lactose tornou-se um problema amplamente reconhecido devido ao aumento da conscientização sobre a condição. Estudos indicam que entre 65% e 75% da população mundial apresenta algum grau de intolerância à lactose. Essa condição é altamente prevalente em populações asiáticas, africanas e sul-americanas, com variações de acordo com o grupo étnico. Em contraste, populações norte-europeias apresentam uma prevalência significativamente menor, entre 2% e 15%. No Brasil, a intolerância à lactose é predominante nas populações afrodescendentes e indígenas, refletindo a diversidade genética e os diferentes hábitos alimentares do país. Os exames mais comuns para avaliar a intolerância à lactose podem ser desconfortáveis e nem sempre são muito precisos. Diagnósticos inadequados podem levar a intervenções desnecessárias, impactando negativamente a saúde nutricional dos pacientes. Nesse contexto, o teste genético destaca-se como uma ferramenta interessante para o diagnóstico da intolerância à lactose, oferecendo uma alternativa confiável e mais confortável para os pacientes em comparação com os testes funcionais tradicionais. Para aprofundar seu conhecimento sobre o teste molecular para intolerância à lactose, suas indicações clínicas e benefícios diagnósticos, continue explorando nosso conteúdo detalhado. Etiologia da intolerância à lactose A hipolactasia primária é a forma mais comum de intolerância à lactose, resultante da diminuição natural da atividade da lactase após a amamentação. A tolerância à lactose na vida adulta está associada a polimorfismos genéticos no gene MCM6, sendo o principal o polimorfismo 13910C>T. Quando o alelo C está em homozigose (genótipo CC), há uma predisposição à intolerância à lactose, conhecida como "lactase não persistente". Por outro lado, a presença do alelo T-13910 (genótipos TT e CT) está associada à persistência da atividade da lactase na fase adulta, indicando uma predisposição à tolerância à lactose. Estudos demonstram que a persistência da lactase é um traço autossômico dominante, enquanto a hipolactasia é um traço autossômico recessivo. Em crianças, a expressão da lactase pode variar independentemente do genótipo, exigindo cautela na interpretação dos resultados. A deficiência secundária de lactase pode ocorrer em virtude de doenças ou condições que afetam o intestino delgado, como gastroenterites, doença celíaca, doença de Crohn, entre outras. Nesses casos, a deficiência de lactase é uma consequência da lesão intestinal. A recuperação da atividade da lactase depende da resolução da condição subjacente que causou a lesão​. A deficiência congênita de lactase é uma condição rara, na qual a enzima lactase está ausente desde o nascimento. Bebês afetados apresentam sintomas severos de intolerância logo após o início da alimentação com leite. Tal condição é geneticamente determinada e requer diagnóstico precoce para evitar complicações severas, em razão da desidratação e desnutrição​. Diagnóstico da intolerância à lactose O diagnóstico da intolerância à lactose envolve a combinação de investigação clínica e testes funcionais, sendo os mais comuns o teste de hidrogênio expirado e o teste de tolerância à lactose. A história clínica detalhada é essencial para identificar uma correlação entre a ingestão de lactose e os sintomas gastrointestinais. Teste de hidrogênio expirado Trata-se do teste funcional mais comum para diagnosticar a intolerância à lactose. Após a ingestão de uma dose padrão de lactose, mede-se o hidrogênio no ar expirado. Um aumento significativo indica má absorção de lactose, fermentada pelas bactérias intestinais, produzindo hidrogênio. Teste de tolerância à lactose Envolve a administração oral de lactose, seguida pela medição dos níveis de glicose no sangue. Um aumento insuficiente na glicose plasmática indica má absorção de lactose. O teste de hidrogênio expirado, apesar de não ser invasivo, pode causar desconforto ao paciente devido à necessidade de ingestão de lactose, provocando sintomas típicos durante o teste. Já o teste de tolerância à lactose é outra abordagem comum, no entanto, assim como o teste de hidrogênio, ele pode ser desconfortável para o paciente e menos específico, pois outras condições podem afetar os níveis de glicose. Existem outros tipos de exame para investigar a intolerância à lactose. Para crianças pequenas e lactentes, o teste de pH fecal e a presença de substâncias redutoras nas fezes podem ser utilizados. Amostras de fezes são analisadas para determinar o pH e a presença de açúcares não digeridos. Um pH fecal baixo (ácido) e a presença de substâncias redutoras indicam má absorção de carboidratos, incluindo a lactose. Em casos complexos, uma biópsia intestinal pode ser realizada para medir diretamente a atividade da lactase no tecido intestinal. Uma amostra de tecido é coletada via endoscopia e a atividade enzimática é medida no laboratório, fornecendo uma indicação precisa da capacidade de digestão da lactose. Entretanto, esse é um procedimento invasivo e geralmente reservado para casos em que outros testes não foram conclusivos. Teste molecular de intolerância à lactose O teste molecular genético oferece uma alternativa não invasiva e confiável para o diagnóstico da intolerância à lactose. Esse teste baseia-se na identificação da  principal variante genética associada à persistência ou não da atividade da lactase.  Como é realizado: o teste utiliza a técnica de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em tempo real para detectar a presença da variante -13910C>T no gene da lactase. Quando o alelo C está em homozigose (genótipo CC), resulta no estado "lactase não persistente" (predisposição à intolerância à lactose). De maneira inversa, a presença do alelo T (Genótipo TT e Genótipo CT) está associada ao fenótipo compatível com a persistência da atividade da lactase na fase adulta (predisposição à tolerância à lactose). A amostra de DNA normalmente é obtida por meio de uma coleta simples de saliva ou esfregaço bucal; Tecnologia empregada: A PCR em tempo real permite a amplificação e detecção simultânea de sequências específicas de DNA, oferecendo alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico genético; Prazo de entrega: os resultados do teste molecular podem ser obtidos em poucos dias, possibilitando um diagnóstico rápido e preciso; Amostra utilizada: a coleta de saliva ou esfregaço bucal é menos invasiva e mais confortável para o paciente, em comparação com os testes funcionais que requerem ingestão de lactose. Rendimento diagnóstico O teste molecular apresenta alta correlação com as provas funcionais, mas sem os desconfortos associados a essas provas. Estudos demonstram uma sensibilidade de aproximadamente 79% e uma especificidade de 83% para a identificação da intolerância à lactose. Portanto, esse teste pode predizer com alta probabilidade se um indivíduo é intolerante à lactose ou não. O novo teste é considerado uma ferramenta importante na triagem da condição, e alguns protocolos sugerem que o teste genético seja realizado antes da prova funcional, podendo esta ser dispensada diante de um paciente com sintomas de intolerância e um genótipo CC. Limitações do exame Embora o teste molecular seja altamente preciso, ele não substitui a necessidade de avaliação clínica, podendo ser complementado por outros exames em casos de diagnósticos complexos. Em crianças, foram demonstradas variações na expressão da enzima lactase independentemente do genótipo. Dessa forma, os resultados devem ser interpretados com cautela nessa população. Variantes em outras regiões do gene MCM6 (relacionadas à persistência da lactase na fase adulta, tolerância à lactose) ou no gene LCT (relacionada à deficiência congênita de lactase) não podem ser excluídas no exame. A intolerância à lactose representa um desafio significativo, por conta da alta prevalência e do impacto na qualidade de vida dos indivíduos afetados. A avaliação clínica detalhada é importante para o diagnóstico e evita intervenções desnecessárias. O teste molecular genético oferece uma ferramenta avançada e não invasiva, permitindo diagnósticos mais precisos e um manejo clínico mais eficiente. Para continuar aprofundando seu repertório sobre as inovações nos exames, separamos o conteúdo sobre investigação molecular da doença celíaca. Boa leitura! Referências: Heyman MB; Committee on Nutrition. Lactose intolerance in infants, children, and adolescents. Pediatrics. 2006 Sep;118(3):1279-86. doi: 10.1542/peds.2006-1721.  SILVA, AB da C.; ARAÚJO, KRS; CARVALHO, LMF de. Evidências científicas sobre intolerância à lactose: uma revisão da literatura. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento , [S. [1] , v. 9, n. 11, pág. e509119331, 2020. DOI: 10.33448/rsd-v9i11.9331. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/9331. Toca MDC, Fernández A, Orsi M, Tabacco O, Vinderola G. Lactose intolerance: myths and facts. An update. Arch Argent Pediatr. 2022 Feb;120(1):59-66. English, Spanish. doi: 10.5546/aap.2022.eng.59. Epub 2021 Dec 17. PMID: 35068123.