Nos últimos anos, a literatura científica tem avançado na compreensão das relações entre infecções e doenças neurodegenerativas. Um dos temas que tem despertado interesse crescente é o possível papel da vacinação contra a herpes-zóster na redução do risco de demência em idosos.
Com base em novos dados observacionais, publicados em periódicos de alto impacto como JAMA, Nature, Nature Medicine e Vaccine, pesquisadores vêm investigando essa associação com base em mecanismos imunológicos, neurobiológicos e epidemiológicos.
A hipótese de que a imunização contra herpes-zóster poderia oferecer benefícios para além da prevenção da reativação viral ganhou destaque especialmente diante do envelhecimento global da população e da ausência de terapias eficazes para prevenir ou reverter o curso da demência. Nesse cenário, a atualização sobre essas descobertas torna-se necessária para promover uma abordagem mais ampla e integrada na prática preventiva. Saiba mais!
Herpes-zóster e demência: uma nova fronteira em prevenção?
A herpes-zóster é causada pela reativação do vírus varicela-zóster, que permanece latente nos gânglios do sistema nervoso periférico após a infecção primária por varicela.
Em indivíduos imunossuprimidos ou com declínio natural da imunidade celular, como ocorre com o envelhecimento, o vírus pode reativar-se, causando acometimento dos nervos periféricos e dando origem aos sintomas característicos da herpes-zóster.
Estudos sugerem que a reativação viral poderia desencadear ou agravar processos de neuroinflamação crônica, um dos principais mecanismos envolvidos na fisiopatologia das demências. A partir desse racional, surgiu a hipótese de que a vacinação contra herpes-zóster não apenas previne a manifestação clínica da doença, como também poderia atuar indiretamente na redução do risco de deterioração cognitiva, por suprimir a reativação viral ou por mecanismos imunes inespecíficos.
Evidências populacionais sobre a redução no risco de demência
Diversos estudos populacionais têm reforçado essa hipótese. Uma coorte australiana com pouco mais de 100 mil indivíduos, acompanhados por até 7,4 anos, mostrou que a vacinação com a formulação viva atenuada esteve associada a uma redução absoluta de 1,8 pontos percentuais na probabilidade de receber um novo diagnóstico de demência.
De forma semelhante, dados do Reino Unido, baseados na população do País de Gales, identificaram uma redução de até 3,5 pontos percentuais na probabilidade de um novo diagnóstico de demência em 7 anos de acompanhamento, utilizando modelos quase-experimentais e múltiplas bases de dados para validação.
Nos Estados Unidos, um estudo publicado na Nature Medicine analisou aproximadamente 200 mil indivíduos vacinados, sendo cerca de 103 mil imunizados com a vacina recombinante (Shingrix®) e outros 103 mil com a vacina viva atenuada (Zostavax®). A comparação entre os grupos revelou que aqueles que receberam a vacina recombinante apresentaram um aumento médio de 164 dias no tempo até o diagnóstico de demência, em relação aos vacinados com a formulação atenuada. O efeito foi observado em ambos os sexos, com magnitude maior entre as mulheres.
Mais recentemente, um estudo de coorte retrospectivo publicado na revista Vaccine, com base em dados do Optum Labs Data Warehouse (2017–2022), avaliou mais de 4,5 milhões de adultos imunocompetentes nos Estados Unidos, com média de idade de 62 anos. Os resultados indicaram que a vacinação completa com a vacina recombinante contra herpes-zóster esteve associada a uma redução significativa no risco de demência (HR: 0,68; 99,1 casos por 10.000 pessoas/ano contra 135 no grupo não vacinado). A administração de uma única dose também conferiu proteção, ainda que menor (HR: 0,89). Por outro lado, indivíduos com histórico prévio de herpes-zóster apresentaram risco aumentado (HR: 1,47), enquanto o uso de antivirais foi associado a uma redução adicional do risco (HR: 0,42).
Esses achados reforçam a hipótese de que a vacinação pode ter efeitos neuroprotetores relevantes, para além da prevenção da reativação viral.
Interpretação crítica dos mecanismos biológicos propostos
Do ponto de vista fisiopatológico, há algumas vias propostas para explicar o potencial efeito neuroprotetor da vacinação contra herpes-zóster. A mais direta é a supressão da reativação do VVZ nos gânglios neurais, o que evita a cadeia de eventos inflamatórios e neurodegenerativos que poderiam ser induzidos por esse processo.
Outro ponto sugerido é de que o adjuvante AS01B utilizado na vacina recombinante poderia contribuir para esse efeito protetor, por meio do estímulo à imunidade inata e consequente modulação da resposta inflamatória, porém não há evidências concretas de causalidade até então.
É importante destacar que ainda não há ensaios clínicos randomizados com desfecho primário em demência. Dessa forma, embora os achados observacionais sejam consistentes e plausíveis, eles devem ser interpretados com a devida cautela científica.
Implicações práticas na medicina preventiva
A possível associação entre a vacinação contra herpes-zóster e a redução do risco de demência amplia o escopo dos benefícios esperados da imunização em idosos. Tradicionalmente indicada para a prevenção da herpes-zóster e da neuralgia pós-herpética, a vacina passa a ser vista também como uma possível ferramenta com impacto potencial em doenças crônicas do envelhecimento.
O avanço dos estudos nesse campo poderá vir a influenciar políticas públicas de vacinação, sobretudo em contextos de envelhecimento populacional e alta carga de doenças neurodegenerativas. Por isso, a vacinação torna-se ainda mais favorável ao considerar não apenas a prevenção de infecções, mas também a possível redução de complicações associadas à demência.
Considerações para a prática clínica
Na prática médica, o tema reforça a importância de incluir a vacinação contra herpes-zóster nas estratégias de atenção à saúde do idoso, particularmente em grupos com risco aumentado, pessoas acima de 50 anos e imunossuprimidos.
A vacina recombinante, comercializada no Brasil desde 2022, tem demonstrado eficácia superior e perfil de segurança favorável, representando a principal recomendação para essa população. Assim, avaliar o histórico vacinal do paciente durante as consultas de rotina e considerar a imunização como parte do cuidado integral consiste em um passo relevante para a promoção da saúde cognitiva a longo prazo.
Quais os próximos passos?
Apesar das limitações dos estudos observacionais, o conjunto de evidências aponta para uma associação estatisticamente e biologicamente plausível entre a vacinação contra herpes-zóster e o menor risco de demência.
A continuidade das pesquisas, principalmente por meio de estudos prospectivos e ensaios clínicos, é fundamental para confirmar essa relação e entender melhor os mecanismos envolvidos.
Até que novos dados sejam publicados, os achados atuais podem justificar uma abordagem proativa e preventiva no cuidado dos grupos elegíveis. Para continuar se aprofundando nesse tema e conhecer as ferramentas diagnósticas disponíveis, acesse nosso conteúdo: painel molecular para herpesvírus e enterovírus.
Referências:
Tang, Emily et al. “Recombinant zoster vaccine and the risk of dementia.” Vaccine vol. 46 (2025): 126673. doi:10.1016/j.vaccine.2024.126673
Eyting, M., Xie, M., Michalik, F. et al. A natural experiment on the effect of herpes zoster vaccination on dementia. Nature 641, 438–446 (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-08800-x
Taquet, Maxime et al. “The recombinant shingles vaccine is associated with lower risk of dementia.” Nature medicine vol. 30,10 (2024): 2777-2781. doi:10.1038/s41591-024-03201-5
Pomirchy M, Bommer C, Pradella F, Michalik F, Peters R, Geldsetzer P. Herpes Zoster Vaccination and Dementia Occurrence. JAMA. 2025;333(23):2083–2092. doi:10.1001/jama.2025.5013

