Sabin Por: Sabin
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As Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são doenças de extrema relevância para a saúde pública mundial, que afetam milhões de pessoas todos os anos.

Entre as ISTs mais comuns, a gonorreia é uma das que apresenta altas taxas de incidência. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 82 milhões de pessoas foram diagnosticadas com gonorreia, ao redor do mundo, em 2020.

A gonorreia é causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae e pode afetar tanto homens quanto mulheres. É transmitida principalmente por meio de relações sexuais desprotegidas, podendo levar a complicações graves de saúde se não tratada corretamente.

O tratamento da gonorreia baseia-se unicamente na terapia antimicrobiana, o que pode ser um grande problema devido à alta capacidade da bactéria de desenvolver diferentes mecanismos de resistência aos atuais antibióticos. Isso fica ainda mais evidente diante do surgimento de novas cepas resistentes, desencadeando a chamada supergonorreia.

No início de 2023, foram notificados novos casos da supergonorreia nos Estados Unidos (EUA), o que preocupou autoridades de saúde pela escassez de recursos terapêuticos para tratamento. Neste conteúdo, abordaremos, em maiores detalhes, o que é a supergonorreia, as formas de transmissão, sintomas, diagnóstico e se existe tratamento para a doença.

O que é a supergonorreia?

A denominação “supergonorreia” refere-se a cepas resistentes da Neisseria gonorrhoeae a um maior número de antimicrobianos testados. Entre os grupos de antibióticos, estão os macrolídeos, tetraciclinas e fluoroquinolonas. 

O tratamento dessa nova cepa não é complexo, entretanto, o fator alarmante é a progressiva redução das possibilidades para tratamento. Apesar dos recentes casos, é importante destacar que o fenômeno de resistência bacteriana não é realmente novo e surgiu logo após a introdução dos antimicrobianos no início do século XX. 

A partir disso, a resistência continuou a se expandir e evoluir para os casos de supergonorreia que conhecemos atualmente, os quais também já foram relatados, em anos anteriores, em outros países além dos EUA, como Reino Unido e Ásia.

Como surgiu a supergonorreia?

O surgimento dessas novas cepas se deve a um conjunto de fatores que levam à resistência bacteriana. Mas, antes de explicar as causas, é importante ter o conhecimento de que as bactérias são organismos que, naturalmente, possuem a capacidade de desenvolver mecanismos de defesa para driblar a ação dos antibióticos, adaptando-se, ao longo do tempo, à exposição a esses medicamentos.

Uma das principais causas da resistência bacteriana pode ser atribuída ao uso irrestrito, inadequado e, muitas vezes, excessivo de antibióticos. Uma bactéria não se torna resistente ao antibiótico senão pela sua exposição a doses imprecisas e por períodos inadequados. Tratar uma infecção bacteriana com o antibiótico errado, por exemplo, também é uma excelente forma de selecionar cepas resistentes.

Aliado a isso, existem bactérias, como a Neisseria gonorrhoeae, que possuem uma alta capacidade de desenvolver mutações genéticas que contribuem para o surgimento de novos mecanismos de resistência.

Portanto, além de prevenir-se da contaminação pela doença, é imprescindível conscientizar a população e profissionais da área da saúde acerca do uso consciente e racional de antibióticos, como uma importante medida para frear o desenvolvimento da resistência bacteriana.

Como ocorre a transmissão?

A transmissão da supergonorreia é feita por intermédio de relações sexuais (sexo vaginal, anal ou oral) sem o uso de preservativos. O uso correto e consistente de preservativos diminui significativamente o risco da transmissão sexual.

Quais os sintomas da supergonorreia?

Os principais sintomas da gonorreia são dor ou ardor ao urinar, presença de corrimento branco-amarelado (pênis ou vagina) e aumento da vontade de urinar. Caso a transmissão tenha ocorrido através de relação anal, pode-se observar inflamação no ânus.

Se não houver tratamento adequado, a supergonorreia pode atingir os órgãos do trato geniturinário, como os testículos e o epidídimo em homens, e o útero, tubas uterinas e ovários em mulheres, provocando infertilidade. A doença pode desencadear, ainda, um processo inflamatório grave chamado doença inflamatória pélvica.

Em caso de contato de fluidos corporais contaminados com os olhos, é possível ocorrer a conjuntivite gonocócica, capaz de levar à cegueira se não for tratada. Em adultos, a infecção costuma atingir apenas um dos olhos, enquanto em recém-nascidos (infecção no parto) pode acometer os dois.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico da supergonorreia é feito por meio de exame clínico, em que o médico avalia os sintomas apresentados com o exame físico e histórico do paciente. Em geral, deve-se considerar também o tempo de incubação da doença, que pode variar de dois a cinco dias após a relação sexual desprotegida e o surgimento dos sintomas.

Exames complementares podem ser solicitados para comprovação do diagnóstico e identificação da bactéria nas amostras de secreções. Um dos principais testes é a identificação molecular da bactéria, exame feito através da técnica de PCR, que se destaca dos demais devido à rapidez na geração dos resultados e pela alta especificidade.

A opção mais simples de identificação da Neisseria gonorrhoeae é através da realização da bacterioscopia, técnica que utiliza um corante na amostra coletada (coloração de Gram) para visualizar a bactéria no microscópio.

Qual o tratamento para a supergonorreia?

O tratamento para gonorreia preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) é a combinação de ceftriaxona e azitromicina, sendo ambos em dose única. A recomendação é baseada nos resultados demonstrados pelo Projeto SenGono, uma rede nacional de vigilância utilizada para monitorar a resistência antimicrobiana do gonococo.

A prevenção é a melhor estratégia!

A disseminação da doença também contribui muito para a ineficácia dos antibióticos. À medida que mais pessoas contaminadas viajam e têm contato sexual sem o uso de preservativo, as novas cepas resistentes podem se espalhar para diferentes regiões, dificultando, ainda mais, o seu controle.

Diante de um cenário de crescente resistência antimicrobiana, a melhor opção é a prevenção, que deve ser feita por meio da utilização de preservativos durante o ato sexual. A gonorreia pode ser prevenida pelo uso correto da camisinha. Não há, até o momento, vacinas capazes de prevenir a infecção pela Neisseria gonorrhoeae.

Também é fundamental que, ao menor sinal da doença, a pessoa procure auxílio médico. O diagnóstico precoce e o tratamento imediato são primordiais para controlar a disseminação de ISTs. 

Agora que você já sabe o que é supergonorreia, sugerimos a leitura do conteúdo sobre a importância da prevenção de ISTs, para que você saiba como se prevenir dessas doenças.

Referências:

Bodie M, Gale-Rowe M, Alexandre S, Auguste U, Tomas K, Martin I. Addressing the rising rates of gonorrhea and drug-resistant gonorrhea: There is no time like the present. Can Commun Dis Rep. 2019 Feb 7;45(2-3):54-62. doi: 10.14745/ccdr.v45i23a02

CDC. Combating the Threat of Antimicrobial-Resistant Gonorrhea. Disponível em: https://www.cdc.gov/std/gonorrhea/drug-resistant/carb.html  Acesso em: 15/03/2023.

OMS. What’s super about super gonorrhoea? Disponível em: https://www.who.int/campaigns/world-antimicrobial-awareness-week/2018/features-from-around-the-world/super-gonorrhoea-q-a-with-dr.-teodora-wi Acesso em: 29/03/2023

OMS. Multi-drug resistant gonorrhoea. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/multi-drug-resistant-gonorrhoea Acesso em: 29/03/2023

Unemo, M., Seifert, H.S., Hook, E.W. et al. Gonorrhoea. Nat Rev Dis Primers 5, 79 (2019). https://doi.org/10.1038/s41572-019-0128-6

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Supergonorreia: o que se sabe sobre essa IST?; As Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são doenças de extrema relevância para a saúde pública mundial, que afetam milhões de pessoas todos os anos. Entre as ISTs mais comuns, a gonorreia é uma das que apresenta altas taxas de incidência. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 82 milhões de pessoas foram diagnosticadas com gonorreia, ao redor do mundo, em 2020. A gonorreia é causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae e pode afetar tanto homens quanto mulheres. É transmitida principalmente por meio de relações sexuais desprotegidas, podendo levar a complicações graves de saúde se não tratada corretamente. O tratamento da gonorreia baseia-se unicamente na terapia antimicrobiana, o que pode ser um grande problema devido à alta capacidade da bactéria de desenvolver diferentes mecanismos de resistência aos atuais antibióticos. Isso fica ainda mais evidente diante do surgimento de novas cepas resistentes, desencadeando a chamada supergonorreia. No início de 2023, foram notificados novos casos da supergonorreia nos Estados Unidos (EUA), o que preocupou autoridades de saúde pela escassez de recursos terapêuticos para tratamento. Neste conteúdo, abordaremos, em maiores detalhes, o que é a supergonorreia, as formas de transmissão, sintomas, diagnóstico e se existe tratamento para a doença. O que é a supergonorreia? A denominação “supergonorreia” refere-se a cepas resistentes da Neisseria gonorrhoeae a um maior número de antimicrobianos testados. Entre os grupos de antibióticos, estão os macrolídeos, tetraciclinas e fluoroquinolonas.  O tratamento dessa nova cepa não é complexo, entretanto, o fator alarmante é a progressiva redução das possibilidades para tratamento. Apesar dos recentes casos, é importante destacar que o fenômeno de resistência bacteriana não é realmente novo e surgiu logo após a introdução dos antimicrobianos no início do século XX.  A partir disso, a resistência continuou a se expandir e evoluir para os casos de supergonorreia que conhecemos atualmente, os quais também já foram relatados, em anos anteriores, em outros países além dos EUA, como Reino Unido e Ásia. Como surgiu a supergonorreia? O surgimento dessas novas cepas se deve a um conjunto de fatores que levam à resistência bacteriana. Mas, antes de explicar as causas, é importante ter o conhecimento de que as bactérias são organismos que, naturalmente, possuem a capacidade de desenvolver mecanismos de defesa para driblar a ação dos antibióticos, adaptando-se, ao longo do tempo, à exposição a esses medicamentos. Uma das principais causas da resistência bacteriana pode ser atribuída ao uso irrestrito, inadequado e, muitas vezes, excessivo de antibióticos. Uma bactéria não se torna resistente ao antibiótico senão pela sua exposição a doses imprecisas e por períodos inadequados. Tratar uma infecção bacteriana com o antibiótico errado, por exemplo, também é uma excelente forma de selecionar cepas resistentes. Aliado a isso, existem bactérias, como a Neisseria gonorrhoeae, que possuem uma alta capacidade de desenvolver mutações genéticas que contribuem para o surgimento de novos mecanismos de resistência. Portanto, além de prevenir-se da contaminação pela doença, é imprescindível conscientizar a população e profissionais da área da saúde acerca do uso consciente e racional de antibióticos, como uma importante medida para frear o desenvolvimento da resistência bacteriana. Como ocorre a transmissão? A transmissão da supergonorreia é feita por intermédio de relações sexuais (sexo vaginal, anal ou oral) sem o uso de preservativos. O uso correto e consistente de preservativos diminui significativamente o risco da transmissão sexual. Quais os sintomas da supergonorreia? Os principais sintomas da gonorreia são dor ou ardor ao urinar, presença de corrimento branco-amarelado (pênis ou vagina) e aumento da vontade de urinar. Caso a transmissão tenha ocorrido através de relação anal, pode-se observar inflamação no ânus. Se não houver tratamento adequado, a supergonorreia pode atingir os órgãos do trato geniturinário, como os testículos e o epidídimo em homens, e o útero, tubas uterinas e ovários em mulheres, provocando infertilidade. A doença pode desencadear, ainda, um processo inflamatório grave chamado doença inflamatória pélvica. Em caso de contato de fluidos corporais contaminados com os olhos, é possível ocorrer a conjuntivite gonocócica, capaz de levar à cegueira se não for tratada. Em adultos, a infecção costuma atingir apenas um dos olhos, enquanto em recém-nascidos (infecção no parto) pode acometer os dois. Como é feito o diagnóstico? O diagnóstico da supergonorreia é feito por meio de exame clínico, em que o médico avalia os sintomas apresentados com o exame físico e histórico do paciente. Em geral, deve-se considerar também o tempo de incubação da doença, que pode variar de dois a cinco dias após a relação sexual desprotegida e o surgimento dos sintomas. Exames complementares podem ser solicitados para comprovação do diagnóstico e identificação da bactéria nas amostras de secreções. Um dos principais testes é a identificação molecular da bactéria, exame feito através da técnica de PCR, que se destaca dos demais devido à rapidez na geração dos resultados e pela alta especificidade. A opção mais simples de identificação da Neisseria gonorrhoeae é através da realização da bacterioscopia, técnica que utiliza um corante na amostra coletada (coloração de Gram) para visualizar a bactéria no microscópio. Qual o tratamento para a supergonorreia? O tratamento para gonorreia preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) é a combinação de ceftriaxona e azitromicina, sendo ambos em dose única. A recomendação é baseada nos resultados demonstrados pelo Projeto SenGono, uma rede nacional de vigilância utilizada para monitorar a resistência antimicrobiana do gonococo. A prevenção é a melhor estratégia! A disseminação da doença também contribui muito para a ineficácia dos antibióticos. À medida que mais pessoas contaminadas viajam e têm contato sexual sem o uso de preservativo, as novas cepas resistentes podem se espalhar para diferentes regiões, dificultando, ainda mais, o seu controle. Diante de um cenário de crescente resistência antimicrobiana, a melhor opção é a prevenção, que deve ser feita por meio da utilização de preservativos durante o ato sexual. A gonorreia pode ser prevenida pelo uso correto da camisinha. Não há, até o momento, vacinas capazes de prevenir a infecção pela Neisseria gonorrhoeae. Também é fundamental que, ao menor sinal da doença, a pessoa procure auxílio médico. O diagnóstico precoce e o tratamento imediato são primordiais para controlar a disseminação de ISTs.  Agora que você já sabe o que é supergonorreia, sugerimos a leitura do conteúdo sobre a importância da prevenção de ISTs, para que você saiba como se prevenir dessas doenças. Referências: Bodie M, Gale-Rowe M, Alexandre S, Auguste U, Tomas K, Martin I. Addressing the rising rates of gonorrhea and drug-resistant gonorrhea: There is no time like the present. Can Commun Dis Rep. 2019 Feb 7;45(2-3):54-62. doi: 10.14745/ccdr.v45i23a02 CDC. Combating the Threat of Antimicrobial-Resistant Gonorrhea. Disponível em: https://www.cdc.gov/std/gonorrhea/drug-resistant/carb.html  Acesso em: 15/03/2023. OMS. What's super about super gonorrhoea? Disponível em: https://www.who.int/campaigns/world-antimicrobial-awareness-week/2018/features-from-around-the-world/super-gonorrhoea-q-a-with-dr.-teodora-wi Acesso em: 29/03/2023 OMS. Multi-drug resistant gonorrhoea. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/multi-drug-resistant-gonorrhoea Acesso em: 29/03/2023 Unemo, M., Seifert, H.S., Hook, E.W. et al. Gonorrhoea. Nat Rev Dis Primers 5, 79 (2019). https://doi.org/10.1038/s41572-019-0128-6