Sabin Por: Sabin
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As anemias hemolíticas resultam da destruição acelerada de eritrócitos, manifestando-se por icterícia, fadiga e, às vezes, esplenomegalia. As causas são múltiplas, podendo ser hereditárias — como nas talassemias, deficiência de G6PD ou esferocitose — ou adquiridas, como nos casos autoimunes.

O avanço das ferramentas genéticas têm apoiado a abordagem diagnóstica das anemias hemolíticas, em especial as formas hereditárias, uma vez que o uso de técnicas moleculares permite detectar variantes genéticas com maior precisão, contribuindo para o diagnóstico definitivo de condições como esferocitose hereditária, alfatalassemias e betatalassemias, deficiência de G6PD, eliptocitose e hemoglobinas variantes não identificadas por métodos convencionais.

Além de confirmar etiologias incertas, o diagnóstico molecular favorece a estratificação de risco e orienta condutas terapêuticas individualizadas, sobretudo em contextos clínicos complexos ou quando os exames hematológicos tradicionais não são conclusivos. Continue a leitura para se atualizar no tema!

Complexidade diagnóstica nas anemias hemolíticas hereditárias

As anemias hemolíticas hereditárias englobam distúrbios geneticamente determinados, com mecanismos distintos e manifestações clínicas sobrepostas, o que dificulta o diagnóstico apenas com base em exames clínico-laboratoriais.

Talassemias (alfa e beta)

Resultam de mutações nos genes da globina (HBA1, HBA2 e HBB), que comprometem a produção de hemoglobina. O desequilíbrio na síntese das cadeias alfa ou beta leva à destruição eritrocitária e hemólise crônica.

A análise molecular diferencia formas silenciosas das mais graves, podendo auxiliar no aconselhamento genético e em orientações terapêuticas.

Esferocitose hereditária

Causada por mutações em genes das proteínas da membrana eritrocitária, como espectrina, anquirina, banda 3 (SLC4A1) e banda 4.2 (EPB42). As hemácias têm forma de esferócitos, com menor deformabilidade e consequente destruição esplênica precoce.

A análise genética diferencia subtipos e pode subsidiar decisões sobre a esplenectomia.

Eliptocitose hereditária

Associada a alterações em proteínas estruturais como espectrina alfa/beta e proteína 4.1 (EPB41), gerando eritrócitos elípticos. A expressividade variável exige confirmação molecular, principalmente em quadros atípicos.

Deficiência de G6PD

Enzimopatia ligada ao cromossomo X, que compromete a via das pentoses fosfato. A G6PD é determinante para a produção de NADPH, fundamental à manutenção da glutationa reduzida, que protege os eritrócitos do estresse oxidativo. A deficiência predispõe à hemólise aguda após exposição a oxidantes, infecções ou favas.

A análise molecular pode definir o grau de deficiência e orientar a prescrição segura, além de possibilitar triagem em heterozigotas.

Hemoglobinas variantes

Formas raras e instáveis podem não ser detectadas por eletroforese capilar ou HPLC, particularmente em triagens neonatais com migrantes sobrepostos. O sequenciamento identifica essas variantes e evita subdiagnósticos.

Limitações dos exames convencionais

Os testes laboratoriais básicos, como hemograma, bilirrubina, haptoglobina e reticulócitos, são úteis na detecção da hemólise, mas insuficientes para identificar a etiologia. Métodos complementares — como eletroforese de hemoglobina, testes de fragilidade osmótica e dosagem enzimática de G6PD — têm sensibilidade variável e podem falhar na detecção de heterozigotos, especialmente em mulheres portadoras de G6PD.

Pacientes transfundidos ou neonatos com icterícia também podem apresentar resultados inconclusivos. Nesses casos, o diagnóstico molecular é essencial à elucidação da condição subjacente, com destaque para recém-nascidos com triagem alterada ou casos com múltiplas mutações.

Diagnóstico molecular na personalização no manejo clínico

O uso de técnicas como PCR e Sequenciamento de Nova Geração (NGS) possibilita a identificação direta de variantes em genes como G6PD, HBB, HBA1/2, ANK1 e SLCA1, SLC4A1, EPB41, entre outros. Essas informações ampliam a capacidade de estratificação de risco e personalização terapêutica.

Na alfatalassemia, o diagnóstico molecular apoia a diferenciação das formas silenciosas daquelas associadas à maior gravidade, como na deleção completa dos quatro genes alfa e evolução para hidropsia fetal. O sequenciamento permite identificar com precisão o número e o tipo de deleções envolvidas, o que é crucial para a estratificação de risco, o aconselhamento genético e o planejamento reprodutivo.

Nas hemoglobinas variantes, notadamente aquelas raras ou instáveis, o sequenciamento genético oportuniza a detecção de mutações que não são identificadas por eletroforese ou cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). Essa ferramenta contribui para um diagnóstico etiológico mais exato e direciona condutas clínicas de forma individualizada.

Na esferocitose hereditária, o diagnóstico genético permite confirmar a doença e distinguir entre subtipos, também sendo útil para a decisão sobre esplenectomia, abordagem familiar e aconselhamento genético.

Para a deficiência de G6PD, a identificação da variante genética possibilita a previsão de complicações em cenários infecciosos ou vacinais, além de contribuir para decisões cirúrgicas, como a indicação de esplenectomia em casos com sobreposição de outras doenças hereditárias.

Por fim, a genotipagem tem importância ainda maior em mulheres heterozigotas, que, muitas vezes, apresentam resultados enzimáticos dentro da normalidade, entretanto, permanecem em risco clínico relevante.

De modo geral, o diagnóstico molecular representa um avanço significativo na abordagem das anemias hemolíticas hereditárias. Ele complementa as limitações dos testes convencionais, aumenta a capacidade de estratificação de risco e oferece intervenções clínicas mais seguras e personalizadas.

Para que esses benefícios se concretizem na prática, é necessário facilitar o acesso às ferramentas genéticas e investir na capacitação dos profissionais de saúde. Por isso, convidamos você para continuar se atualizando e aprofundar seus conhecimentos sobre o papel do diagnóstico molecular na prática clínica, no conteúdo: Estudo molecular da deficiência de G6PD.

Referências:
Alam MS, Kibria MG, Jahan N, et al. Field evaluation of quantitative point of care diagnostics to measure glucose-6-phosphate dehydrogenase activity. PLoS One. 2018;13(11):e0206331. Published 2018 Nov 2. doi:10.1371/journal.pone.0206331

Agarwal, Archana M et al. “Clinical utility of next-generation sequencing in the diagnosis of hereditary haemolytic anaemias.” British journal of haematology vol. 174,5 (2016): 806-14. doi:10.1111/bjh.14131

Boonyuen U, Chamchoy K, Swangsri T, et al. A trade off between catalytic activity and protein stability determines the clinical manifestations of glucose-6-phosphate dehydrogenase (G6PD) deficiency. Int J Biol Macromol. 2017;104(Pt A):145-156. doi:10.1016/j.ijbiomac.2017.06.002

Souissi M, Bera E, Boutet C, et al. Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency detection using fluorocytometric assay: Evaluation after 1 year of clinical implementation. Cytometry B Clin Cytom. 2025;108(2):161-171. doi:10.1002/cyto.b.22207

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Diagnóstico molecular de anemias hemolíticas; As anemias hemolíticas resultam da destruição acelerada de eritrócitos, manifestando-se por icterícia, fadiga e, às vezes, esplenomegalia. As causas são múltiplas, podendo ser hereditárias — como nas talassemias, deficiência de G6PD ou esferocitose — ou adquiridas, como nos casos autoimunes. O avanço das ferramentas genéticas têm apoiado a abordagem diagnóstica das anemias hemolíticas, em especial as formas hereditárias, uma vez que o uso de técnicas moleculares permite detectar variantes genéticas com maior precisão, contribuindo para o diagnóstico definitivo de condições como esferocitose hereditária, alfatalassemias e betatalassemias, deficiência de G6PD, eliptocitose e hemoglobinas variantes não identificadas por métodos convencionais. 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Esferocitose hereditária Causada por mutações em genes das proteínas da membrana eritrocitária, como espectrina, anquirina, banda 3 (SLC4A1) e banda 4.2 (EPB42). As hemácias têm forma de esferócitos, com menor deformabilidade e consequente destruição esplênica precoce. A análise genética diferencia subtipos e pode subsidiar decisões sobre a esplenectomia. Eliptocitose hereditária Associada a alterações em proteínas estruturais como espectrina alfa/beta e proteína 4.1 (EPB41), gerando eritrócitos elípticos. A expressividade variável exige confirmação molecular, principalmente em quadros atípicos. Deficiência de G6PD Enzimopatia ligada ao cromossomo X, que compromete a via das pentoses fosfato. A G6PD é determinante para a produção de NADPH, fundamental à manutenção da glutationa reduzida, que protege os eritrócitos do estresse oxidativo. A deficiência predispõe à hemólise aguda após exposição a oxidantes, infecções ou favas. A análise molecular pode definir o grau de deficiência e orientar a prescrição segura, além de possibilitar triagem em heterozigotas. Hemoglobinas variantes Formas raras e instáveis podem não ser detectadas por eletroforese capilar ou HPLC, particularmente em triagens neonatais com migrantes sobrepostos. O sequenciamento identifica essas variantes e evita subdiagnósticos. Limitações dos exames convencionais Os testes laboratoriais básicos, como hemograma, bilirrubina, haptoglobina e reticulócitos, são úteis na detecção da hemólise, mas insuficientes para identificar a etiologia. Métodos complementares — como eletroforese de hemoglobina, testes de fragilidade osmótica e dosagem enzimática de G6PD — têm sensibilidade variável e podem falhar na detecção de heterozigotos, especialmente em mulheres portadoras de G6PD. Pacientes transfundidos ou neonatos com icterícia também podem apresentar resultados inconclusivos. Nesses casos, o diagnóstico molecular é essencial à elucidação da condição subjacente, com destaque para recém-nascidos com triagem alterada ou casos com múltiplas mutações. [banner id="4481"] Diagnóstico molecular na personalização no manejo clínico O uso de técnicas como PCR e Sequenciamento de Nova Geração (NGS) possibilita a identificação direta de variantes em genes como G6PD, HBB, HBA1/2, ANK1 e SLCA1, SLC4A1, EPB41, entre outros. Essas informações ampliam a capacidade de estratificação de risco e personalização terapêutica. Na alfatalassemia, o diagnóstico molecular apoia a diferenciação das formas silenciosas daquelas associadas à maior gravidade, como na deleção completa dos quatro genes alfa e evolução para hidropsia fetal. O sequenciamento permite identificar com precisão o número e o tipo de deleções envolvidas, o que é crucial para a estratificação de risco, o aconselhamento genético e o planejamento reprodutivo. Nas hemoglobinas variantes, notadamente aquelas raras ou instáveis, o sequenciamento genético oportuniza a detecção de mutações que não são identificadas por eletroforese ou cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). Essa ferramenta contribui para um diagnóstico etiológico mais exato e direciona condutas clínicas de forma individualizada. Na esferocitose hereditária, o diagnóstico genético permite confirmar a doença e distinguir entre subtipos, também sendo útil para a decisão sobre esplenectomia, abordagem familiar e aconselhamento genético. Para a deficiência de G6PD, a identificação da variante genética possibilita a previsão de complicações em cenários infecciosos ou vacinais, além de contribuir para decisões cirúrgicas, como a indicação de esplenectomia em casos com sobreposição de outras doenças hereditárias. Por fim, a genotipagem tem importância ainda maior em mulheres heterozigotas, que, muitas vezes, apresentam resultados enzimáticos dentro da normalidade, entretanto, permanecem em risco clínico relevante. De modo geral, o diagnóstico molecular representa um avanço significativo na abordagem das anemias hemolíticas hereditárias. Ele complementa as limitações dos testes convencionais, aumenta a capacidade de estratificação de risco e oferece intervenções clínicas mais seguras e personalizadas. Para que esses benefícios se concretizem na prática, é necessário facilitar o acesso às ferramentas genéticas e investir na capacitação dos profissionais de saúde. Por isso, convidamos você para continuar se atualizando e aprofundar seus conhecimentos sobre o papel do diagnóstico molecular na prática clínica, no conteúdo: Estudo molecular da deficiência de G6PD. Referências:Alam MS, Kibria MG, Jahan N, et al. Field evaluation of quantitative point of care diagnostics to measure glucose-6-phosphate dehydrogenase activity. PLoS One. 2018;13(11):e0206331. Published 2018 Nov 2. doi:10.1371/journal.pone.0206331 Agarwal, Archana M et al. “Clinical utility of next-generation sequencing in the diagnosis of hereditary haemolytic anaemias.” British journal of haematology vol. 174,5 (2016): 806-14. doi:10.1111/bjh.14131 Boonyuen U, Chamchoy K, Swangsri T, et al. A trade off between catalytic activity and protein stability determines the clinical manifestations of glucose-6-phosphate dehydrogenase (G6PD) deficiency. Int J Biol Macromol. 2017;104(Pt A):145-156. doi:10.1016/j.ijbiomac.2017.06.002 Souissi M, Bera E, Boutet C, et al. Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency detection using fluorocytometric assay: Evaluation after 1 year of clinical implementation. Cytometry B Clin Cytom. 2025;108(2):161-171. doi:10.1002/cyto.b.22207