Sabin Por: Sabin
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O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento, de início precoce, e que persiste durante a vida adulta. 

O TEA é caracterizado por alterações neurológicas que comprometem a comunicação e a interação social, além da presença de comportamentos repetitivos e um conjunto restrito de interesses.

Anteriormente denominado autismo, o TEA recebeu nova terminologia para englobar os diferentes graus de comprometimento funcional apresentados pelo indivíduo. Suas causas ainda são tema de debate científico e o conhecimento atual enquadra o TEA como uma condição de origem multifatorial, que inclui, principalmente, fatores genéticos e ambientais em seu desenvolvimento.

Neste conteúdo, abordaremos os principais fatores causais do TEA, bem como os exames genéticos utilizados para investigação da condição.

Dados epidemiológicos sobre o TEA

Segundo dados do Global Burden of Disease Study (GBD – 2019), o TEA é uma condição que afetou mais de 28 milhões de pessoas ao redor do mundo em 2019. 

O GBD é uma ferramenta de estudo que fornece dados sobre mortalidade e incapacidade em diferentes países, de acordo com o tempo, a idade e o gênero. O GBD incorpora análises de prevalência e incidência (entre outros parâmetros e índices) de uma determinada doença ou fator de risco, assim como o dano relativo que ela causa.

Entre crianças menores de cinco anos, a taxa global de incidência do TEA, em 2019, foi de 91 a cada 100 mil casos, e a prevalência se mostrou em torno de 439 casos a cada 100 mil crianças. Esses dados, quando agrupados no intervalo entre os anos de 1990 a 2019, revelam uma queda na incidência e um aumento na prevalência da condição, principalmente em regiões e países com baixo índice de desenvolvimento social.

Outro fator de amplo conhecimento é a maior carga do TEA em crianças do sexo masculino. Em 2019, as estimativas apontaram que o número de casos é três vezes maior em meninos do que em meninas, apesar de já ser observada uma ligeira diminuição nessa disparidade em comparação com anos anteriores.

No Brasil, estima-se que, aproximadamente, dois milhões de crianças são afetadas pelo TEA. No entanto, as estimativas podem ser subestimadas devido à existência de poucos estudos epidemiológicos no país.

Fatores causais associados ao TEA

O TEA é uma condição considerada multifatorial, na qual componentes ambientais e, sobretudo, genéticos estão envolvidos em seu desenvolvimento. Estudos científicos com pacientes gêmeos estimam que a herdabilidade do TEA gira em torno de 64 a 91%. 

Do ponto de vista clínico, o TEA é heterogêneo, com indivíduos que podem apresentar manifestações leves, enquanto outros exibem quadros graves, que podem estar associados a acometimentos multissistêmicos. Além da diversidade clínica, o TEA também apresenta heterogeneidade genética, com numerosos genes envolvidos na sua etiologia.

A seguir, apresentaremos as diferenças entre condições mendelianas e  poligênicas no desenvolvimento do TEA.

Condições mendelianas

As condições mendelianas (também conhecidas como monogênicas) são caracterizadas por variante em um único gene responsável por determinada característica ou condição. Podem apresentar diversas formas de herança ou padrões de recorrência familiar, bem como também podem ser decorrentes de variantes que não estão presentes nos pais, mas que surgiram de forma esporádica apenas naquele indivíduo. 

Avanços científicos recentes constataram que uma parcela dos pacientes com TEA apresentavam variantes clinicamente relevantes (e raras) com efeito deletério no neurodesenvolvimento e que, isoladamente, representam risco moderado a alto para a condição.

Esse é o caso da síndrome do X frágil, condição reconhecida como a causa mais frequente de TEA e deficiência intelectual, particularmente em meninos. A síndrome do X frágil decorre de uma expansão no gene FMR1, alteração genética que pode ser detectada por um método conhecido como PCR, mas não é identificada através do sequenciamento de nova geração. Nessa síndrome, frequentemente são identificados indivíduos afetados com quadros clínicos como ataxia e falência ovariana prematura na mesma família, secundários ao que é conhecido como pré-mutação.

Condições poligênicas

A maioria dos casos de TEA estão relacionados à herança  poligênica, ou seja, são determinados por múltiplas variantes genéticas em diferentes genes, cujo papel individual no desenvolvimento do quadro clínico é considerado pequeno. O TEA pode ser resultado da junção dessas variantes genéticas que, quando combinadas, podem aumentar os riscos de desenvolvimento da condição. 

O TEA pode ser causado pela associação de variantes comuns de baixo risco ou por um número médio de variantes comuns de baixo risco, combinadas a uma variante rara de risco moderado. Esse tipo de variante não é detectada pelos métodos atualmente disponíveis para investigação etiológica do TEA. 

Até o momento, já foram identificados mais de 400 genes que podem estar ligados ao desenvolvimento do TEA, o que torna a definição da sua etiologia ainda mais complexa.

Fatores ambientais

Embora a genética claramente desempenhe um papel no desenvolvimento do TEA, a expressão fenotípica da condição permanece extremamente variável. Estudos indicam, ainda, que o risco genético pode ser modulado por fatores ambientais em alguns pacientes.

As idades materna e paterna podem gerar maior vulnerabilidade ao desenvolvimento do TEA. Adicionalmente, a exposição pré-natal do feto em desenvolvimento, alterações de hormônios sexuais, obesidade materna, diabetes, hipertensão, infecções e atividade imunológica também podem ter relação com o TEA.

Outros fatores podem incluir o uso de medicamentos durante a gestação, como o valproato (medicamento para tratamento de epilepsia). Estudos clínicos relataram que o valproato foi associado a um maior atraso no desenvolvimento cognitivo de crianças e maior risco para o TEA. O uso e a exposição a substâncias nocivas durante a gestação, como álcool e tabaco, também estão associados a atrasos no neurodesenvolvimento e, consequentemente, maior chance para o TEA.

Quais as diferenças entre TEA sindrômico e não sindrômico?

O termo sindrômico refere-se a uma condição com um padrão clinicamente definido de anormalidades somáticas, e um fenótipo neurocomportamental que pode incluir o TEA. 

No TEA sindrômico, há uma relação entre o autismo e outras condições monogênicas conhecidas, como a síndrome do X frágil, esclerose tuberosa, entre outras.

Outra síndrome relacionada ao TEA é a síndrome de Rett, condição rara causada por variantes no gene MECP2 (um regulador crítico da função cerebral). É uma síndrome que afeta, em maior proporção, o sexo feminino, levando à regressão cognitiva, com perda da linguagem adquirida e surgimento de movimentos estereotipados. A regressão geralmente ocorre entre um e quatro anos de idade e, durante essa fase, pode ocorrer o surgimento de características enquadradas no espectro autista.

Além da etiologia monogênica, o autismo sindrômico pode também estar associado a alterações cromossômicas, em que deleções ou duplicações de regiões contendo múltiplos genes (ou mesmo de cromossomos inteiros) podem estar associadas ao quadro clínico. Um exemplo é a síndrome de Down, condição em que os indivíduos apresentam maior risco de TEA do que a população em geral.

Já o TEA não sindrômico não está associado a nenhuma outra síndrome conhecida, mas sim a um conjunto de genes e fatores ambientais que provavelmente estão envolvidos no desenvolvimento da condição. Esse tipo de TEA responde pela maioria dos casos, e não é possível determinar uma causa em virtude da sua origem multifatorial.

Como iniciar a investigação?

A investigação deve ser iniciada, sempre que possível, no indivíduo que apresenta as manifestações clínicas. Isso é algo importante a ser destacado, pois, em alguns casos, são encaminhados para o consultório apenas os pais e não o filho afetado. 

A avaliação deve incluir o histórico de desenvolvimento psicomotor do paciente, antecedentes gestacionais e neonatais, histórico médico da criança, comportamentos alimentares e do sono, convulsões e doenças gastrointestinais. 

Além disso, é necessária a análise do histórico familiar documentado, visando indicar se há a presença de parentes diagnosticados com TEA, síndrome do X frágil, deficiência intelectual, esclerose tuberosa, problemas de aprendizado, comunicação, linguagem e saúde mental. O diagnóstico do TEA é clínico e comportamental, realizado pelo médico especialista. Ainda não existem marcadores bioquímicos ou moleculares que auxiliem no diagnóstico da condição.

Quais exames são utilizados para a investigação do TEA?

Uma variante genética só pode ser apontada como a principal causa etiológica do TEA se associada a um alto risco de desenvolvimento do transtorno, o que não ocorre em caso de variantes de baixo risco em formas poligênicas ou multifatoriais. No entanto, é importante salientar que a identificação da possível causa por meio de exames genéticos traz benefícios à família e ao paciente.

Após a avaliação clínica e comportamental, será possível definir quais testes moleculares são mais apropriados para cada caso. Entre os exames, o cariótipo avalia a presença de alterações cromossômicas. É um exame que apresenta baixo rendimento diagnóstico para o TEA, não sendo considerado um exame de primeira linha em outros países. É recomendado quando há suspeita de aneuploidia, indicando a possibilidade de rearranjos cromossômicos (síndrome de Down, por exemplo).

No Brasil, o cariótipo é um exame de realização obrigatória para o cumprimento de diretrizes de utilização pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo solicitado frequentemente para que o paciente tenha acesso a outros exames complementares por planos de saúde.

Outro exame enquadrado pela ANS é o PCR para detecção do X frágil. Esse exame pesquisa a expansão de trinucleotídeos CGG, no gene FMR1, e possui cobertura obrigatória por ter maior correlação da síndrome do X frágil com o desenvolvimento do TEA.

O microarray é uma ferramenta utilizada para o estudo de crianças e adultos com suspeitas de síndromes genéticas, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e TEA. Ele permite identificar alterações que não são detectadas no cariótipo convencional, e seu rendimento diagnóstico gira em torno de 8 a 15%. Sua cobertura é obrigatória após a realização do exame de cariótipo e PCR para X frágil. Para saber mais informações, sugerimos a leitura do conteúdo sobre o exame de microarray.

Em geral, análises por microarray e PCR X frágil são exames realizados em todos os pacientes diagnosticados clinicamente com TEA. Em determinadas situações, exames adicionais específicos poderão ser solicitados. Alguns exemplos: 

  • meninas com deficiência intelectual, em que é pertinente a investigação para a síndrome de Rett, através do sequenciamento e MLPA do gene MECP2;
  • indivíduos de ambos os gêneros com diagnóstico de macrocefalia associada ao TEA, que também podem complementar a análise com investigação de variantes no gene PTEN. 

Em casos de TEA sindrômico, pode-se utilizar, ainda, o exoma, um exame que detecta variações genéticas nos éxons, as regiões codificadoras do DNA. É um exame de cobertura obrigatória em casos sindrômicos (após a realização dos exames anteriores).

Outros exames que não possuem cobertura obrigatória pelos planos de saúde, como o painel de genes para autismo (um subconjunto do que é analisado pelo exoma), também são úteis. Por meio da tecnologia de sequenciamento de nova geração (NGS), é possível avaliar desde genes isolados, passando por um conjunto de genes que possuem alta correlação com o desenvolvimento do TEA, até o exoma completo, o que pode trazer informações relevantes para o aconselhamento genético.

Importância do aconselhamento genético

Mais do que apenas influenciar o planejamento familiar, o aconselhamento genético é um processo fundamental para fornecer informações sobre os aspectos genéticos da doença, avaliação clínica do paciente e estudo do histórico familiar, além de identificar os testes genéticos indicados para cada caso. 

Esse tipo de abordagem traz inúmeros benefícios, fornecendo às famílias informações apropriadas para orientar decisões reprodutivas e ajudar a determinar a conduta clínica. Em casos de TEA sindrômico, o aconselhamento é muito utilizado para prever os riscos de recorrência da condição e orientar os pais quanto à tomada de decisão.

Por outro lado, no autismo não sindrômico é muito difícil prever os riscos de recorrência por tratar-se de uma condição multifatorial. Isso fica mais evidente ao analisar dados de um estudo científico que identificou diferentes riscos relativos à recorrência do TEA em diferentes países, principalmente quanto ao gênero. A complexidade de fatores envolvidos na etiologia do TEA, em especial o não sindrômico, dificulta a extrapolação desse tipo de dados para populações que não foram incluídas na pesquisa.

Que tal complementar seus conhecimentos assistindo a uma aula exclusiva sobre sequenciamento de nova geração? Indicamos a aula “Era pós-genômica. Compreendendo o Sequenciamento de Nova Geração (NGS)”. Aproveite para se atualizar ainda mais e não deixe de acompanhar o próximo tema do Sabin para Médicos.

Referências científicas:

Bölte, S., Girdler, S. & Marschik, P.B. The contribution of environmental exposure to the etiology of autism spectrum disorder. Cell. Mol. Life Sci. 76, 1275–1297 (2019). https://doi.org/10.1007/s00018-018-2988-4

Trost B, et al. Genomic architecture of autism from comprehensive whole-genome sequence annotation. Cell. 2022 Nov 10;185(23):4409-4427.e18. doi: 10.1016/j.cell.2022.10.009.

Brentani, H., Polanczyk, G.V., Miguel, E.C. (2021). Brazil and Autism. In: Volkmar, F.R. (eds) Encyclopedia of Autism Spectrum Disorders. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-91280-6_102021

Fernandez BA, Scherer SW. Syndromic autism spectrum disorders: moving from a clinically defined to a molecularly defined approach. Dialogues Clin Neurosci. 2017 Dec;19(4):353-371. doi: 10.31887/DCNS.2017.19.4/sscherer.

Hansen SN, Schendel DE, Francis RW, Windham GC, Bresnahan M, Levine SZ, Reichenberg A, Gissler M, Kodesh A, Bai D, Yip BHK, Leonard H, Sandin S, Buxbaum JD, Hultman C, Sourander A, Glasson EJ, Wong K, Öberg R, Parner ET. Recurrence Risk of Autism in Siblings and Cousins: A Multinational, Population-Based Study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2019 Sep;58(9):866-875. doi: 10.1016/j.jaac.2018.11.017.

Kang L, Liu J, Liu Y, Liang W, Yang F, Liu M. Global, regional, and national disease burden of autism spectrum disorder among children under 5 years from 1990 to 2019: An analysis for the Global Burden of Disease 2019 Study. Asian J Psychiatr. 2023 Jan;79:103359. doi: 10.1016/j.ajp.2022.103359.

Lord, C., Brugha, T.S., Charman, T. et al. Autism spectrum disorder. Nat Rev Dis Primers 6, 5 (2020). https://doi.org/10.1038/s41572-019-0138-4
Solmi, M., Song, M., Yon, D.K. et al. Incidence, prevalence, and global burden of autism spectrum disorder from 1990 to 2019 across 204 countries. Mol Psychiatry 27, 4172–4180 (2022). https://doi.org/10.1038/s41380-022-01630-7

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Estudo genético do transtorno do espectro autista; O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento, de início precoce, e que persiste durante a vida adulta.  O TEA é caracterizado por alterações neurológicas que comprometem a comunicação e a interação social, além da presença de comportamentos repetitivos e um conjunto restrito de interesses. Anteriormente denominado autismo, o TEA recebeu nova terminologia para englobar os diferentes graus de comprometimento funcional apresentados pelo indivíduo. Suas causas ainda são tema de debate científico e o conhecimento atual enquadra o TEA como uma condição de origem multifatorial, que inclui, principalmente, fatores genéticos e ambientais em seu desenvolvimento. Neste conteúdo, abordaremos os principais fatores causais do TEA, bem como os exames genéticos utilizados para investigação da condição. Dados epidemiológicos sobre o TEA Segundo dados do Global Burden of Disease Study (GBD - 2019), o TEA é uma condição que afetou mais de 28 milhões de pessoas ao redor do mundo em 2019.  O GBD é uma ferramenta de estudo que fornece dados sobre mortalidade e incapacidade em diferentes países, de acordo com o tempo, a idade e o gênero. O GBD incorpora análises de prevalência e incidência (entre outros parâmetros e índices) de uma determinada doença ou fator de risco, assim como o dano relativo que ela causa. Entre crianças menores de cinco anos, a taxa global de incidência do TEA, em 2019, foi de 91 a cada 100 mil casos, e a prevalência se mostrou em torno de 439 casos a cada 100 mil crianças. Esses dados, quando agrupados no intervalo entre os anos de 1990 a 2019, revelam uma queda na incidência e um aumento na prevalência da condição, principalmente em regiões e países com baixo índice de desenvolvimento social. Outro fator de amplo conhecimento é a maior carga do TEA em crianças do sexo masculino. Em 2019, as estimativas apontaram que o número de casos é três vezes maior em meninos do que em meninas, apesar de já ser observada uma ligeira diminuição nessa disparidade em comparação com anos anteriores. No Brasil, estima-se que, aproximadamente, dois milhões de crianças são afetadas pelo TEA. No entanto, as estimativas podem ser subestimadas devido à existência de poucos estudos epidemiológicos no país. Fatores causais associados ao TEA O TEA é uma condição considerada multifatorial, na qual componentes ambientais e, sobretudo, genéticos estão envolvidos em seu desenvolvimento. Estudos científicos com pacientes gêmeos estimam que a herdabilidade do TEA gira em torno de 64 a 91%.  Do ponto de vista clínico, o TEA é heterogêneo, com indivíduos que podem apresentar manifestações leves, enquanto outros exibem quadros graves, que podem estar associados a acometimentos multissistêmicos. Além da diversidade clínica, o TEA também apresenta heterogeneidade genética, com numerosos genes envolvidos na sua etiologia. A seguir, apresentaremos as diferenças entre condições mendelianas e  poligênicas no desenvolvimento do TEA. Condições mendelianas As condições mendelianas (também conhecidas como monogênicas) são caracterizadas por variante em um único gene responsável por determinada característica ou condição. Podem apresentar diversas formas de herança ou padrões de recorrência familiar, bem como também podem ser decorrentes de variantes que não estão presentes nos pais, mas que surgiram de forma esporádica apenas naquele indivíduo.  Avanços científicos recentes constataram que uma parcela dos pacientes com TEA apresentavam variantes clinicamente relevantes (e raras) com efeito deletério no neurodesenvolvimento e que, isoladamente, representam risco moderado a alto para a condição. Esse é o caso da síndrome do X frágil, condição reconhecida como a causa mais frequente de TEA e deficiência intelectual, particularmente em meninos. A síndrome do X frágil decorre de uma expansão no gene FMR1, alteração genética que pode ser detectada por um método conhecido como PCR, mas não é identificada através do sequenciamento de nova geração. Nessa síndrome, frequentemente são identificados indivíduos afetados com quadros clínicos como ataxia e falência ovariana prematura na mesma família, secundários ao que é conhecido como pré-mutação. Condições poligênicas A maioria dos casos de TEA estão relacionados à herança  poligênica, ou seja, são determinados por múltiplas variantes genéticas em diferentes genes, cujo papel individual no desenvolvimento do quadro clínico é considerado pequeno. O TEA pode ser resultado da junção dessas variantes genéticas que, quando combinadas, podem aumentar os riscos de desenvolvimento da condição.  O TEA pode ser causado pela associação de variantes comuns de baixo risco ou por um número médio de variantes comuns de baixo risco, combinadas a uma variante rara de risco moderado. Esse tipo de variante não é detectada pelos métodos atualmente disponíveis para investigação etiológica do TEA.  Até o momento, já foram identificados mais de 400 genes que podem estar ligados ao desenvolvimento do TEA, o que torna a definição da sua etiologia ainda mais complexa. Fatores ambientais Embora a genética claramente desempenhe um papel no desenvolvimento do TEA, a expressão fenotípica da condição permanece extremamente variável. Estudos indicam, ainda, que o risco genético pode ser modulado por fatores ambientais em alguns pacientes. As idades materna e paterna podem gerar maior vulnerabilidade ao desenvolvimento do TEA. Adicionalmente, a exposição pré-natal do feto em desenvolvimento, alterações de hormônios sexuais, obesidade materna, diabetes, hipertensão, infecções e atividade imunológica também podem ter relação com o TEA. Outros fatores podem incluir o uso de medicamentos durante a gestação, como o valproato (medicamento para tratamento de epilepsia). Estudos clínicos relataram que o valproato foi associado a um maior atraso no desenvolvimento cognitivo de crianças e maior risco para o TEA. O uso e a exposição a substâncias nocivas durante a gestação, como álcool e tabaco, também estão associados a atrasos no neurodesenvolvimento e, consequentemente, maior chance para o TEA. Quais as diferenças entre TEA sindrômico e não sindrômico? O termo sindrômico refere-se a uma condição com um padrão clinicamente definido de anormalidades somáticas, e um fenótipo neurocomportamental que pode incluir o TEA.  No TEA sindrômico, há uma relação entre o autismo e outras condições monogênicas conhecidas, como a síndrome do X frágil, esclerose tuberosa, entre outras. Outra síndrome relacionada ao TEA é a síndrome de Rett, condição rara causada por variantes no gene MECP2 (um regulador crítico da função cerebral). É uma síndrome que afeta, em maior proporção, o sexo feminino, levando à regressão cognitiva, com perda da linguagem adquirida e surgimento de movimentos estereotipados. A regressão geralmente ocorre entre um e quatro anos de idade e, durante essa fase, pode ocorrer o surgimento de características enquadradas no espectro autista. Além da etiologia monogênica, o autismo sindrômico pode também estar associado a alterações cromossômicas, em que deleções ou duplicações de regiões contendo múltiplos genes (ou mesmo de cromossomos inteiros) podem estar associadas ao quadro clínico. Um exemplo é a síndrome de Down, condição em que os indivíduos apresentam maior risco de TEA do que a população em geral. Já o TEA não sindrômico não está associado a nenhuma outra síndrome conhecida, mas sim a um conjunto de genes e fatores ambientais que provavelmente estão envolvidos no desenvolvimento da condição. Esse tipo de TEA responde pela maioria dos casos, e não é possível determinar uma causa em virtude da sua origem multifatorial. Como iniciar a investigação? A investigação deve ser iniciada, sempre que possível, no indivíduo que apresenta as manifestações clínicas. Isso é algo importante a ser destacado, pois, em alguns casos, são encaminhados para o consultório apenas os pais e não o filho afetado.  A avaliação deve incluir o histórico de desenvolvimento psicomotor do paciente, antecedentes gestacionais e neonatais, histórico médico da criança, comportamentos alimentares e do sono, convulsões e doenças gastrointestinais.  Além disso, é necessária a análise do histórico familiar documentado, visando indicar se há a presença de parentes diagnosticados com TEA, síndrome do X frágil, deficiência intelectual, esclerose tuberosa, problemas de aprendizado, comunicação, linguagem e saúde mental. O diagnóstico do TEA é clínico e comportamental, realizado pelo médico especialista. Ainda não existem marcadores bioquímicos ou moleculares que auxiliem no diagnóstico da condição. Quais exames são utilizados para a investigação do TEA? Uma variante genética só pode ser apontada como a principal causa etiológica do TEA se associada a um alto risco de desenvolvimento do transtorno, o que não ocorre em caso de variantes de baixo risco em formas poligênicas ou multifatoriais. No entanto, é importante salientar que a identificação da possível causa por meio de exames genéticos traz benefícios à família e ao paciente. Após a avaliação clínica e comportamental, será possível definir quais testes moleculares são mais apropriados para cada caso. Entre os exames, o cariótipo avalia a presença de alterações cromossômicas. É um exame que apresenta baixo rendimento diagnóstico para o TEA, não sendo considerado um exame de primeira linha em outros países. É recomendado quando há suspeita de aneuploidia, indicando a possibilidade de rearranjos cromossômicos (síndrome de Down, por exemplo). No Brasil, o cariótipo é um exame de realização obrigatória para o cumprimento de diretrizes de utilização pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo solicitado frequentemente para que o paciente tenha acesso a outros exames complementares por planos de saúde. Outro exame enquadrado pela ANS é o PCR para detecção do X frágil. Esse exame pesquisa a expansão de trinucleotídeos CGG, no gene FMR1, e possui cobertura obrigatória por ter maior correlação da síndrome do X frágil com o desenvolvimento do TEA. O microarray é uma ferramenta utilizada para o estudo de crianças e adultos com suspeitas de síndromes genéticas, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e TEA. Ele permite identificar alterações que não são detectadas no cariótipo convencional, e seu rendimento diagnóstico gira em torno de 8 a 15%. Sua cobertura é obrigatória após a realização do exame de cariótipo e PCR para X frágil. Para saber mais informações, sugerimos a leitura do conteúdo sobre o exame de microarray. Em geral, análises por microarray e PCR X frágil são exames realizados em todos os pacientes diagnosticados clinicamente com TEA. Em determinadas situações, exames adicionais específicos poderão ser solicitados. Alguns exemplos:  meninas com deficiência intelectual, em que é pertinente a investigação para a síndrome de Rett, através do sequenciamento e MLPA do gene MECP2; indivíduos de ambos os gêneros com diagnóstico de macrocefalia associada ao TEA, que também podem complementar a análise com investigação de variantes no gene PTEN.  Em casos de TEA sindrômico, pode-se utilizar, ainda, o exoma, um exame que detecta variações genéticas nos éxons, as regiões codificadoras do DNA. É um exame de cobertura obrigatória em casos sindrômicos (após a realização dos exames anteriores). Outros exames que não possuem cobertura obrigatória pelos planos de saúde, como o painel de genes para autismo (um subconjunto do que é analisado pelo exoma), também são úteis. Por meio da tecnologia de sequenciamento de nova geração (NGS), é possível avaliar desde genes isolados, passando por um conjunto de genes que possuem alta correlação com o desenvolvimento do TEA, até o exoma completo, o que pode trazer informações relevantes para o aconselhamento genético. Importância do aconselhamento genético Mais do que apenas influenciar o planejamento familiar, o aconselhamento genético é um processo fundamental para fornecer informações sobre os aspectos genéticos da doença, avaliação clínica do paciente e estudo do histórico familiar, além de identificar os testes genéticos indicados para cada caso.  Esse tipo de abordagem traz inúmeros benefícios, fornecendo às famílias informações apropriadas para orientar decisões reprodutivas e ajudar a determinar a conduta clínica. Em casos de TEA sindrômico, o aconselhamento é muito utilizado para prever os riscos de recorrência da condição e orientar os pais quanto à tomada de decisão. Por outro lado, no autismo não sindrômico é muito difícil prever os riscos de recorrência por tratar-se de uma condição multifatorial. Isso fica mais evidente ao analisar dados de um estudo científico que identificou diferentes riscos relativos à recorrência do TEA em diferentes países, principalmente quanto ao gênero. A complexidade de fatores envolvidos na etiologia do TEA, em especial o não sindrômico, dificulta a extrapolação desse tipo de dados para populações que não foram incluídas na pesquisa. Que tal complementar seus conhecimentos assistindo a uma aula exclusiva sobre sequenciamento de nova geração? Indicamos a aula “Era pós-genômica. Compreendendo o Sequenciamento de Nova Geração (NGS)”. Aproveite para se atualizar ainda mais e não deixe de acompanhar o próximo tema do Sabin para Médicos. Referências científicas: Bölte, S., Girdler, S. & Marschik, P.B. The contribution of environmental exposure to the etiology of autism spectrum disorder. Cell. Mol. Life Sci. 76, 1275–1297 (2019). https://doi.org/10.1007/s00018-018-2988-4 Trost B, et al. Genomic architecture of autism from comprehensive whole-genome sequence annotation. Cell. 2022 Nov 10;185(23):4409-4427.e18. doi: 10.1016/j.cell.2022.10.009. Brentani, H., Polanczyk, G.V., Miguel, E.C. (2021). Brazil and Autism. In: Volkmar, F.R. (eds) Encyclopedia of Autism Spectrum Disorders. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-91280-6_102021 Fernandez BA, Scherer SW. Syndromic autism spectrum disorders: moving from a clinically defined to a molecularly defined approach. Dialogues Clin Neurosci. 2017 Dec;19(4):353-371. doi: 10.31887/DCNS.2017.19.4/sscherer. Hansen SN, Schendel DE, Francis RW, Windham GC, Bresnahan M, Levine SZ, Reichenberg A, Gissler M, Kodesh A, Bai D, Yip BHK, Leonard H, Sandin S, Buxbaum JD, Hultman C, Sourander A, Glasson EJ, Wong K, Öberg R, Parner ET. Recurrence Risk of Autism in Siblings and Cousins: A Multinational, Population-Based Study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2019 Sep;58(9):866-875. doi: 10.1016/j.jaac.2018.11.017. Kang L, Liu J, Liu Y, Liang W, Yang F, Liu M. Global, regional, and national disease burden of autism spectrum disorder among children under 5 years from 1990 to 2019: An analysis for the Global Burden of Disease 2019 Study. Asian J Psychiatr. 2023 Jan;79:103359. doi: 10.1016/j.ajp.2022.103359. Lord, C., Brugha, T.S., Charman, T. et al. Autism spectrum disorder. Nat Rev Dis Primers 6, 5 (2020). https://doi.org/10.1038/s41572-019-0138-4Solmi, M., Song, M., Yon, D.K. et al. Incidence, prevalence, and global burden of autism spectrum disorder from 1990 to 2019 across 204 countries. Mol Psychiatry 27, 4172–4180 (2022). https://doi.org/10.1038/s41380-022-01630-7