As ataxias hereditárias são condições neurológicas progressivas causadas por alterações genéticas, caracterizadas por disfunção cerebelar. Os sintomas incluem instabilidade da marcha, incoordenação dos membros, disartria e alterações oculares. Alguns subtipos também apresentam manifestações sistêmicas, o que reforça a importância de uma investigação clínica detalhada.
A origem genética dessas condições é altamente variável, com herança autossômica dominante, recessiva, ligada ao X ou mitocondrial. Identificar a causa genética tem impacto direto no prognóstico, manejo clínico e aconselhamento familiar, distinguindo essas formas das ataxias adquiridas, que exigem estratégias diagnósticas diferentes.
Diante da heterogeneidade dos subtipos, o Painel para Ataxias por NGS do Sabin surge como uma ferramenta diagnóstica robusta, com cobertura de 333 genes nucleares e mitocondriais.
Neste conteúdo, discutimos os desafios clínicos, as indicações do teste genético e as possibilidades diagnósticas atuais importantes para uma abordagem eficiente e personalizada. Continue a leitura para aprofundar-se nas recomendações práticas sobre o tema.
O que são as ataxias hereditárias e quais os principais subtipos?
As ataxias hereditárias apresentam-se em formas precoces, com início na infância ou adolescência, e formas tardias, de manifestação na vida adulta. Essa distinção temporal tem relevância clínica e pode orientar o raciocínio diagnóstico.
Entre os subtipos dominantes, as ataxias espinocerebelares (SCAs) são amplamente conhecidas, embora majoritariamente causadas por expansões de repetições não detectáveis por NGS. Já entre as formas recessivas, a ataxia de Friedreich, também associada à expansão, é prevalente em diversas populações.
No entanto, há formas hereditárias clinicamente e geneticamente bem definidas que podem ser identificadas por NGS, como a ataxia-telangiectasia, causada por variantes no gene ATM, e a ataxia com apraxia oculomotora, relacionada aos genes APTX e PNKP.
A complexidade fenotípica é elevada, com ampla sobreposição entre manifestações cerebelares, piramidais, extrapiramidais e sistêmicas. Além da disfunção motora, os pacientes podem apresentar neuropatia periférica, sinais piramidais, comprometimento cognitivo, manifestações oftalmológicas e cardiológicas, entre outras. Essa complexidade fenotípica dificulta o diagnóstico exclusivamente clínico, justificando o uso de ferramentas moleculares amplas e sensíveis, como os painéis genéticos multigênicos por NGS.
Epidemiologia e perfis clínicos no Brasil
A prevalência global das ataxias hereditárias varia conforme subtipo, padrão de herança e características populacionais. Estima-se que as ataxias autossômicas dominantes, principalmente as SCAs, tenham uma prevalência geral que vai de um a cinco a cada 100 mil habitantes.
No Brasil, a SCA3 (doença de Machado-Joseph) é a forma dominante mais frequente, especialmente em regiões com influência da ancestralidade portuguesa-açoriana, e é caracterizada por expansões no gene ATXN3. As ataxias recessivas são mais comuns em pacientes com início precoce ou histórico de consanguinidade, o que justifica a necessidade de uma avaliação genômica ampliada para elucidar os casos.
O perfil clínico nacional é, portanto, heterogêneo, exigindo ferramentas diagnósticas diversas, conforme a indicação clínica, com foco em precisão e custo-efetividade.
O que é o Painel para Ataxias por NGS e como ele funciona?
O Painel para Ataxias por NGS do Sabin utiliza a metodologia de Sequenciamento de Nova Geração (NGS) para investigar alterações patogênicas em 333 genes nucleares e mitocondriais relacionados a diferentes formas de ataxia hereditária. O teste é indicado para auxiliar na elucidação de quadros clínicos compatíveis com ataxias de origem genética, sendo útil na identificação de causas tanto autossômicas dominantes, recessivas e ligadas ao X quanto mitocondriais.
A metodologia empregada permite a detecção de variantes do tipo SNV (substituições de nucleotídeo único), INDEL (inserções e deleções pequenas) e CNV (variações no número de cópias), com cobertura dos éxons — regiões intrônicas flanqueadoras — e dos 37 genes do DNA mitocondrial. O último grupo é analisado com sensibilidade para detectar heteroplasmia a partir de 15%, ampliando a abrangência diagnóstica, sobretudo em casos sindrômicos ou fenotipicamente complexos.
Contudo, o painel não é indicado para investigação de doenças causadas por expansões de repetições nucleotídicas, como a ataxia de Friedreich, doença de Huntington, doença de Machado-Joseph (SCA3) e outras ataxias espinocerebelares por expansão (SCA1, SCA2, SCA6, SCA7, SCA10). Nesses casos, recomenda-se a realização prévia de exames específicos voltados à detecção dessas alterações. Em caso de dúvidas, é recomendado o contato com o setor de Genômica do Sabin.
Vantagens clínicas do painel genético para investigação de ataxia
O painel tem rendimento diagnóstico de 30% a 35%, particularmente em pacientes com início precoce, manifestações sindrômicas ou ausência de história familiar clara. Essa abordagem aumenta a precisão diagnóstica e reduz o tempo até a definição etiológica.
O exame pode ajudar a definir o diagnóstico, considerando a sobreposição fenotípica a ser observada nas diferentes formas de ataxias hereditárias, bem como orientar intervenções terapêuticas e reabilitação, além de orientar o aconselhamento genético individualizado. Reduz a necessidade de múltiplos exames isolados, minimizando custos e investigações inconclusivas.
Adicionalmente, possibilita a estratificação prognóstica e o rastreio de familiares em risco, o que o torna uma ferramenta relevante em contextos clínicos complexos e com histórico familiar incerto.
Limitações e considerações no uso do painel
Apesar da sua alta abrangência, o painel para ataxias apresenta limitações importantes. As ataxias causadas por expansões de repetições — como SCAs poliglutamínicas, ataxia de Friedreich e síndrome CANVAS — não são detectáveis por NGS convencional.
Quando a suspeita clínica é compatível, testes moleculares específicos devem ser priorizados. Em pacientes com resultado negativo, pode-se considerar a complementação por sequenciamento de exoma, genoma completo ou testes funcionais, conforme a indicação clínica.
Essas limitações não desqualificam o uso, mas reforçam a importância da interpretação clínica integrada e da atuação conjunta entre neurologistas e geneticistas, para garantir um diagnóstico eficiente e seguro.
O papel do aconselhamento genético e implicações reprodutivas
O aconselhamento genético pré e pós-teste é indicado para orientar pacientes e familiares quanto ao significado dos resultados, possíveis riscos de recorrência e estratégias de manejo, expressamente em condições progressivas e hereditárias.
A identificação da variante pode possibilitar discutir opções reprodutivas, como o diagnóstico pré-implantacional, com base em princípios éticos, genéticos e psicológicos. Isso promove escolhas informadas em famílias com histórico positivo.
Além do impacto clínico, é recomendado oferecer suporte emocional e social aos pacientes diagnosticados, considerando os efeitos na autonomia, funcionalidade e qualidade de vida. O acompanhamento deve ser multiprofissional e empático.
Perspectivas terapêuticas e avanços em pesquisa
A compreensão genética das ataxias tem impulsionado o desenvolvimento de terapias específicas. Entre as mais promissoras, estão as terapias gênicas, os oligonucleotídeos antisense e os moduladores da expressão gênica, com ensaios clínicos em andamento para SCAs e ataxia de Friedreich.
A ampliação do acesso a exames genéticos de qualidade e a integração entre genética clínica, neurologia e aconselhamento genético podem melhorar o cuidado aos pacientes com doenças neurodegenerativas de base genética. Para continuar acompanhando as atualizações sobre genética e doenças neurológicas, leia nosso conteúdo: Painel genético para doenças Neurodegenerativas.
Referências:
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