Sabin Por: Sabin
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A avaliação periódica da função renal é fundamental para a manutenção da saúde e também para auxiliar a detecção precoce de doenças potencialmente graves, como a doença renal crônica.

A doença renal crônica é um problema crescente de saúde global, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. É uma condição que compromete não apenas a qualidade de vida do indivíduo, mas também está associada a uma série de complicações graves, incluindo doenças cardiovasculares e o aumento do risco de mortalidade.

A detecção precoce da doença renal crônica é essencial na adoção de intervenções que visam prevenir danos renais irreversíveis. Nesse sentido, exames laboratoriais desempenham um papel vital, sendo a taxa de filtração glomerular (TFG) um dos principais parâmetros utilizados para avaliação, tradicionalmente estimada por meio da depuração de creatinina.

No entanto, o método possui algumas limitações, incluindo a necessidade de coleta de urina de 24 horas, o que pode ser inconveniente e impreciso em algumas situações clínicas. Adicionalmente, a estimativa da TFG, a partir da creatinina sérica, pode ser imprecisa em certas condições, como em pacientes idosos ou com alterações musculares significativas.

Assim, a cistatina C tem ganhado, cada vez mais, destaque como um marcador alternativo para avaliação da função renal. Neste conteúdo, você encontrará informações importantes sobre o que é a cistatina C, suas vantagens e as principais indicações para a sua dosagem.

O que é a cistatina C?

A cistatina C é uma proteína não glicosilada de baixo peso molecular (13 kDa) e carga positiva, pertencente à superfamília dos inibidores da cisteína protease, a qual tem sido utilizada como um marcador confiável para avaliação da função renal em diversos contextos clínicos. 

Descoberta na década de 60, essa molécula desempenha múltiplos papéis fisiológicos, como a função de inibidora de proteinases lisossômicas e proteases de cisteína extracelular. Sua presença em praticamente todas as células nucleadas do corpo humano a torna um marcador bastante útil para avaliação renal. 

Nos rins, a cistatina C é filtrada pelos glomérulos e reabsorvida pelos túbulos proximais do néfron. Sua produção é constante e seu nível sérico é quase totalmente dependente da filtração do glomerular. Ou seja, suas concentrações séricas são dependentes da TFG e, assim como a creatinina, seus níveis sanguíneos são inversamente proporcionais à taxa de filtração.

Uma vez filtrada, é quase completamente absorvida e catabolizada ao nível dos túbulos renais proximais, não apresentando secreção renal e/ou extrarrenal. Sob condições fisiológicas, a cistatina C não é encontrada significativamente na urina, portanto, a função renal não pode ser avaliada pela sua depuração urinária

Como mencionado, sua concentração no sangue é usada como um marcador de função renal, já que os níveis de cistatina C séricos tendem a aumentar quando há diminuição da função renal. Dessa forma, a medição dos níveis de cistatina C no sangue é útil no diagnóstico e monitoramento de doenças renais, especialmente na detecção precoce de disfunção renal, antes mesmo que outros marcadores, como a creatinina, possam indicar problemas renais.

Quais as vantagens da cistatina C?

Quando se trata de avaliar a função renal, a cistatina C oferece uma série de vantagens sobre outros marcadores tradicionais, como a creatinina sérica e a TFG estimada por creatinina urinária.

Ao contrário da creatinina sérica, cujos níveis podem ser influenciados pelo habitus corporal e pela massa muscular, a cistatina C é mais confiável e precisa, pois não sofre alterações por esses fatores. Essa característica a torna especialmente útil em populações com composições corporais diferentes, como crianças, idosos e indivíduos com doenças musculares.

Fatores como idade, raça, massa muscular e níveis de atividade física têm um impacto mínimo nos resultados da cistatina C, garantindo uma avaliação mais consistente da função renal em comparação à creatinina.

Uma das principais vantagens da cistatina C é sua capacidade de detectar pequenas reduções da função renal em pacientes com TFG 60-90 mL/min/1,73m2, mesmo quando os níveis de creatinina sérica estão dentro da faixa considerada normal. Essa alta sensibilidade permite a detecção de doença renal em estágios iniciais, antes mesmo que os sintomas se manifestem ou que outros marcadores apresentem alterações significativas.

Principais indicações da dosagem sérica de cistatina C

A determinação sérica de cistatina C é uma ferramenta elementar na avaliação da função renal e na predição de complicações cardiovasculares em pacientes com doença renal crônica (DRC) ou em risco de desenvolvê-la. Esse marcador tem se destacado por sua sensibilidade na detecção precoce de nefropatia e pela precisão na estimativa da TFG, superando a dosagem isolada de creatinina em certos cenários clínicos.

A cistatina C demonstrou ser mais sensível do que a creatinina na identificação de lesões renais incipientes. Isso é particularmente relevante em pacientes com fatores de risco para doença renal, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e histórico familiar de doença renal.

Em pacientes idosos e em situações nas quais é difícil avaliar com precisão a função renal, a combinação da dosagem de cistatina C com a dosagem de creatinina sérica tem se mostrado eficaz na estimativa da TFG. Essa abordagem fornece uma avaliação mais completa da função renal e melhora a classificação de pacientes com doença renal crônica.

Além do papel na avaliação da função renal, a cistatina C também tem sido reconhecida como um importante preditor de eventos cardiovasculares em pacientes com doença renal crônica. Estudos clínicos sugerem uma correlação entre níveis altos de cistatina C e um aumento na probabilidade de doença cardiovascular em pacientes tratados com diálise peritoneal.

É importante destacar que, em algumas situações, as concentrações séricas de cistatina C podem estar elevadas, sem, contudo, se relacionar com uma redução da TFG, como em portadores de tumores malignos, mieloma múltiplo, cirrose hepática ou uso de corticoides em altas doses. Devido à imaturidade da função renal, seus níveis podem se apresentar mais elevados em neonatos.

Em conformidade com as recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), desde 2013, o Sabin Diagnóstico e Saúde libera a estimativa da TFG associada aos resultados de creatinina sérica. Recentemente, passou a disponibilizar pela aplicação da fórmula CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration), utilizando valores de creatinina e cistatina C séricas quantificados, respectivamente, pelo método enzimático rastreável ID-MS e imunonefelométrico.

Em resumo, a cistatina C oferece uma série de vantagens na avaliação da função renal, destacando-se por sua precisão, sensibilidade e mínimos fatores de interferência. Sua inclusão nos protocolos de monitoramento da função renal pode contribuir significativamente para uma detecção precoce e um manejo eficaz de doenças renais, melhorando, assim, a qualidade de vida dos pacientes e reduzindo a morbidade associada a essas condições.

Para complementar seu conhecimento sobre exames e abordagens diagnósticas da função renal, sugerimos a leitura do conteúdo sobre avaliação clínico-laboratorial das doenças renais.

Referências:

Chen DC, Potok OA, Rifkin D, Estrella MM. Advantages, Limitations, and Clinical Considerations in Using Cystatin C to Estimate GFR. Kidney360. 2022 Aug 23;3(10):1807-1814. doi: 10.34067/KID.0003202022

Fernando S, Polkinghorne KR. Cystatin C: not just a marker of kidney function. J Bras Nefrol. 2020 Mar;42(1):6-7. doi: 10.1590/2175-8239-JBN-2019-0240

Kirsztajn, G. M., Salgado Filho, N., Draibe, S. A., Netto, M. V. D. P., Thomé, F. S., Souza, E., & Bastos, M. G. (2014). Leitura rápida do KDIGO 2012: Diretrizes para avaliação e manuseio da doença renal crônica na prática clínica. Brazilian Journal of Nephrology, 36, 63-73.

Lees JS, Rutherford E, Stevens KI, Chen DC, Scherzer R, Estrella MM, Sullivan MK, Ebert N, Mark PB, Shlipak MG. Assessment of Cystatin C Level for Risk Stratification in Adults With Chronic Kidney Disease. JAMA Netw Open. 2022 Oct 3;5(10):e2238300. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.38300

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Análise da cistatina C para avaliação da função renal; A avaliação periódica da função renal é fundamental para a manutenção da saúde e também para auxiliar a detecção precoce de doenças potencialmente graves, como a doença renal crônica. A doença renal crônica é um problema crescente de saúde global, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. É uma condição que compromete não apenas a qualidade de vida do indivíduo, mas também está associada a uma série de complicações graves, incluindo doenças cardiovasculares e o aumento do risco de mortalidade. A detecção precoce da doença renal crônica é essencial na adoção de intervenções que visam prevenir danos renais irreversíveis. Nesse sentido, exames laboratoriais desempenham um papel vital, sendo a taxa de filtração glomerular (TFG) um dos principais parâmetros utilizados para avaliação, tradicionalmente estimada por meio da depuração de creatinina. No entanto, o método possui algumas limitações, incluindo a necessidade de coleta de urina de 24 horas, o que pode ser inconveniente e impreciso em algumas situações clínicas. Adicionalmente, a estimativa da TFG, a partir da creatinina sérica, pode ser imprecisa em certas condições, como em pacientes idosos ou com alterações musculares significativas. Assim, a cistatina C tem ganhado, cada vez mais, destaque como um marcador alternativo para avaliação da função renal. Neste conteúdo, você encontrará informações importantes sobre o que é a cistatina C, suas vantagens e as principais indicações para a sua dosagem. O que é a cistatina C? A cistatina C é uma proteína não glicosilada de baixo peso molecular (13 kDa) e carga positiva, pertencente à superfamília dos inibidores da cisteína protease, a qual tem sido utilizada como um marcador confiável para avaliação da função renal em diversos contextos clínicos.  Descoberta na década de 60, essa molécula desempenha múltiplos papéis fisiológicos, como a função de inibidora de proteinases lisossômicas e proteases de cisteína extracelular. Sua presença em praticamente todas as células nucleadas do corpo humano a torna um marcador bastante útil para avaliação renal.  Nos rins, a cistatina C é filtrada pelos glomérulos e reabsorvida pelos túbulos proximais do néfron. Sua produção é constante e seu nível sérico é quase totalmente dependente da filtração do glomerular. Ou seja, suas concentrações séricas são dependentes da TFG e, assim como a creatinina, seus níveis sanguíneos são inversamente proporcionais à taxa de filtração. Uma vez filtrada, é quase completamente absorvida e catabolizada ao nível dos túbulos renais proximais, não apresentando secreção renal e/ou extrarrenal. Sob condições fisiológicas, a cistatina C não é encontrada significativamente na urina, portanto, a função renal não pode ser avaliada pela sua depuração urinária.  Como mencionado, sua concentração no sangue é usada como um marcador de função renal, já que os níveis de cistatina C séricos tendem a aumentar quando há diminuição da função renal. Dessa forma, a medição dos níveis de cistatina C no sangue é útil no diagnóstico e monitoramento de doenças renais, especialmente na detecção precoce de disfunção renal, antes mesmo que outros marcadores, como a creatinina, possam indicar problemas renais. Quais as vantagens da cistatina C? Quando se trata de avaliar a função renal, a cistatina C oferece uma série de vantagens sobre outros marcadores tradicionais, como a creatinina sérica e a TFG estimada por creatinina urinária. Ao contrário da creatinina sérica, cujos níveis podem ser influenciados pelo habitus corporal e pela massa muscular, a cistatina C é mais confiável e precisa, pois não sofre alterações por esses fatores. Essa característica a torna especialmente útil em populações com composições corporais diferentes, como crianças, idosos e indivíduos com doenças musculares. Fatores como idade, raça, massa muscular e níveis de atividade física têm um impacto mínimo nos resultados da cistatina C, garantindo uma avaliação mais consistente da função renal em comparação à creatinina. Uma das principais vantagens da cistatina C é sua capacidade de detectar pequenas reduções da função renal em pacientes com TFG 60-90 mL/min/1,73m2, mesmo quando os níveis de creatinina sérica estão dentro da faixa considerada normal. Essa alta sensibilidade permite a detecção de doença renal em estágios iniciais, antes mesmo que os sintomas se manifestem ou que outros marcadores apresentem alterações significativas. Principais indicações da dosagem sérica de cistatina C A determinação sérica de cistatina C é uma ferramenta elementar na avaliação da função renal e na predição de complicações cardiovasculares em pacientes com doença renal crônica (DRC) ou em risco de desenvolvê-la. Esse marcador tem se destacado por sua sensibilidade na detecção precoce de nefropatia e pela precisão na estimativa da TFG, superando a dosagem isolada de creatinina em certos cenários clínicos. A cistatina C demonstrou ser mais sensível do que a creatinina na identificação de lesões renais incipientes. Isso é particularmente relevante em pacientes com fatores de risco para doença renal, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e histórico familiar de doença renal. Em pacientes idosos e em situações nas quais é difícil avaliar com precisão a função renal, a combinação da dosagem de cistatina C com a dosagem de creatinina sérica tem se mostrado eficaz na estimativa da TFG. Essa abordagem fornece uma avaliação mais completa da função renal e melhora a classificação de pacientes com doença renal crônica. Além do papel na avaliação da função renal, a cistatina C também tem sido reconhecida como um importante preditor de eventos cardiovasculares em pacientes com doença renal crônica. Estudos clínicos sugerem uma correlação entre níveis altos de cistatina C e um aumento na probabilidade de doença cardiovascular em pacientes tratados com diálise peritoneal. É importante destacar que, em algumas situações, as concentrações séricas de cistatina C podem estar elevadas, sem, contudo, se relacionar com uma redução da TFG, como em portadores de tumores malignos, mieloma múltiplo, cirrose hepática ou uso de corticoides em altas doses. Devido à imaturidade da função renal, seus níveis podem se apresentar mais elevados em neonatos. Em conformidade com as recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), desde 2013, o Sabin Diagnóstico e Saúde libera a estimativa da TFG associada aos resultados de creatinina sérica. Recentemente, passou a disponibilizar pela aplicação da fórmula CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration), utilizando valores de creatinina e cistatina C séricas quantificados, respectivamente, pelo método enzimático rastreável ID-MS e imunonefelométrico. Em resumo, a cistatina C oferece uma série de vantagens na avaliação da função renal, destacando-se por sua precisão, sensibilidade e mínimos fatores de interferência. Sua inclusão nos protocolos de monitoramento da função renal pode contribuir significativamente para uma detecção precoce e um manejo eficaz de doenças renais, melhorando, assim, a qualidade de vida dos pacientes e reduzindo a morbidade associada a essas condições. Para complementar seu conhecimento sobre exames e abordagens diagnósticas da função renal, sugerimos a leitura do conteúdo sobre avaliação clínico-laboratorial das doenças renais. Referências: Chen DC, Potok OA, Rifkin D, Estrella MM. Advantages, Limitations, and Clinical Considerations in Using Cystatin C to Estimate GFR. Kidney360. 2022 Aug 23;3(10):1807-1814. doi: 10.34067/KID.0003202022 Fernando S, Polkinghorne KR. Cystatin C: not just a marker of kidney function. J Bras Nefrol. 2020 Mar;42(1):6-7. doi: 10.1590/2175-8239-JBN-2019-0240 Kirsztajn, G. M., Salgado Filho, N., Draibe, S. A., Netto, M. V. D. P., Thomé, F. S., Souza, E., & Bastos, M. G. (2014). Leitura rápida do KDIGO 2012: Diretrizes para avaliação e manuseio da doença renal crônica na prática clínica. Brazilian Journal of Nephrology, 36, 63-73. Lees JS, Rutherford E, Stevens KI, Chen DC, Scherzer R, Estrella MM, Sullivan MK, Ebert N, Mark PB, Shlipak MG. Assessment of Cystatin C Level for Risk Stratification in Adults With Chronic Kidney Disease. JAMA Netw Open. 2022 Oct 3;5(10):e2238300. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.38300