A toxoplasmose congênita representa um desafio clínico relevante, especialmente em regiões com alta prevalência da infecção pelo protozoário Toxoplasma gondii, como no Brasil.
A transmissão vertical ocorre quando a mãe adquire a infecção primária durante a gestação, e a gravidade da apresentação clínica no recém-nascido depende do momento da infecção materna e de fatores relacionados ao parasita — a virulência dos genótipos locais é um deles.
No conteúdo de hoje, abordamos algumas atualizações sobre o tema, com foco em triagem e manejo clínico. Continue a leitura para saber mais!
A toxoplasmose congênita e os fatores de risco
O agente etiológico, Toxoplasma gondii, é um protozoário intracelular com ampla distribuição mundial. A principal via de transmissão para o feto é a via transplacentária, geralmente em casos de infecção materna aguda.
A taxa de transmissão aumenta ao longo da gestação, sendo mais baixa no primeiro trimestre, mas com maior risco de consequências graves, como aborto, natimortalidade e sequelas neurológicas e visuais.
No Brasil, a elevada prevalência e a circulação de cepas potencialmente mais agressivas aumentam o risco de quadros clínicos severos.
Embora muitos recém-nascidos sejam assintomáticos ao nascer, existe o risco significativo de desenvolvimento de sequelas tardias, sobretudo oculares e neurológicas.
Quando ocorre a infecção e quais os fatores de risco?
O risco de transmissão vertical cresce do primeiro para o terceiro trimestre, enquanto a gravidade clínica tende a se elevar progressivamente ao longo da gestação. Destaca-se que genótipos mais agressivos de T. gondii presentes no Brasil contribuem para a gravidade das manifestações.
É importante mencionar que a adoção de manejos regulares, como ocorre na França, com a implementação de triagem pré-natal sistemática e mensal, resultou em uma redução substancial da gravidade dos casos de toxoplasmose congênita. Em contraste, países como Israel, que não possuem um programa estruturado de triagem, registram uma maior incidência de apresentações clínicas severas.
No Brasil, apesar de não existir triagem mensal obrigatória para gestantes suscetíveis, o Ministério da Saúde (MS) possui protocolo específico para o manejo da toxoplasmose na gestação, incluindo recomendações sobre diagnóstico e tratamento.
Quais são os sinais clínicos mais comuns no recém-nascido?
A toxoplasmose congênita pode ser assintomática ao nascer ou apresentar um espectro clínico que inclui alterações sistêmicas, neurológicas e oftalmológicas.
Apresentações sistêmicas
Entre as manifestações sistêmicas, estão: linfadenopatia generalizada, hepatoesplenomegalia, icterícia, anemia, trombocitopenia e neutropenia.
Comprometimentos neurológico e ocular
No sistema nervoso central, as principais alterações incluem hidrocefalia (que pode ocorrer por diferentes mecanismos de obstrução ou alteração da dinâmica liquórica), calcificações intracranianas, microcefalia e convulsões.
Do ponto de vista oftalmológico, a coriorretinite é a manifestação mais significativa e frequente. Trata-se de uma inflamação da retina e da coroide, podendo ser unilateral ou bilateral. A evolução pode ser silenciosa, com cicatrizes que comprometem a acuidade visual, além de risco de reativações ao longo da infância. Cabe ressaltar que a presença de coriorretinite, ainda que cicatrizada, pode causar prejuízo irreversível, a depender da área da retina acometida.
Sequelas tardias
Déficits neurocognitivos, distúrbios comportamentais, deficiência visual progressiva e crises convulsivas de difícil controle são algumas das possíveis consequências tardias. O acompanhamento clínico prolongado é indispensável.
Como é feito o diagnóstico da toxoplasmose congênita?
O diagnóstico é baseado na combinação de dados sorológicos, moleculares, de imagem e clínicos.
Testes sorológicos
A triagem neonatal no Brasil inclui a dosagem de IgM anti-T. gondii no Teste do Pezinho, obrigatório em todo o território nacional, como parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN).
A presença de IgM ou IgA no recém-nascido sugere infecção congênita, uma vez que esses anticorpos não cruzam a placenta. O IgG isolado deve ser interpretado com cautela, considerando a possibilidade de transferência passiva de anticorpos maternos.
O teste de avidez para IgG pode auxiliar na distinção entre infecções agudas e infecções antigas, sendo particularmente útil na avaliação de gestantes com suspeita de soroconversão recente. Já no seguimento pós-natal de bebês assintomáticos, o monitoramento seriado de IgG é fundamental, permitindo identificar se há queda dos títulos — o que indicaria transferência materna — ou se há manutenção, o que sugeriria infecção congênita. A infecção congênita pode ser excluída com a negativação dos anticorpos IgG antes de 12 meses de idade.
PCR e diagnóstico molecular
A PCR para detecção de DNA de T. gondii é uma ferramenta de diagnóstico molecular essencial, tanto no diagnóstico pré-natal quanto no pós-natal. No pré-natal, a análise do líquido amniótico oferece alta sensibilidade e especificidade, principalmente a partir da décima oitava semana de gestação e com pelo menos quatro semanas após a infecção materna.
Após o nascimento, a PCR em sangue periférico ou líquor pode ser útil na confirmação diagnóstica, especialmente em casos com resultados sorológicos duvidosos.
Avaliação clínica e por imagem
Do ponto de vista de neuroimagem, além da tomografia computadorizada e da ressonância magnética, a ultrassonografia transfontanelar representa uma grande ferramenta para a triagem de anomalias intracranianas, sobretudo hidrocefalia.
Além disso, a avaliação oftalmológica completa é imprescindível, visando à detecção precoce de lesões de coriorretinite. Exames auditivos e neurológicos também são recomendados como parte do protocolo de investigação. Dessa forma, o diagnóstico definitivo depende da integração entre os achados clínicos, laboratoriais e de imagem, associado ao histórico materno.
Quais são as opções de tratamento disponíveis?
O tratamento materno depende de múltiplos fatores, incluindo a idade gestacional, os achados ultrassonográficos fetais e o resultado da PCR no líquido amniótico.
Vale dizer que o impacto exato do tratamento durante a gestação ainda não é totalmente esclarecido pela literatura, embora evidências indiquem benefício na redução da transmissão vertical e da gravidade das manifestações fetais.
Na ausência de infecção fetal confirmada, a administração de espiramicina é indicada. Caso a infecção fetal seja confirmada, recomenda-se a combinação de sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico, conhecida como esquema tríplice.
Entretanto, o uso da pirimetamina é contraindicado no primeiro trimestre da gravidez. Nas situações em que não é possível estabelecer a presença da infecção fetal, a recomendação terapêutica deverá ser definida com base na idade gestacional, entre outros parâmetros.
Após o nascimento, o tratamento padrão para o recém-nascido infectado também é baseado no uso do esquema tríplice, administrado por 12 meses. Nesse caso, o objetivo do tratamento pós-natal é reduzir a progressão da doença e evitar novas lesões, notadamente oculares e neurológicas. Contudo, deve-se reforçar que o tratamento não reverte lesões estabelecidas, como cicatrizes retinianas, e sua eficácia está mais relacionada à prevenção de novas complicações.
O acompanhamento multidisciplinar, incluindo pediatria, infectologia pediátrica, neurologia pediátrica e oftalmologia, é importante para o manejo clínico e terapêutico adequado.
Como prevenir a toxoplasmose congênita?
Educação em saúde
Orientações durante o pré-natal devem incluir práticas seguras de alimentação, como o consumo de carnes bem cozidas e a higienização cuidadosa de frutas e vegetais.
A higiene ambiental, com especial atenção ao contato com fezes de gatos, também deve ser redobrada. O uso de luvas em atividades de jardinagem é uma recomendação importante a ser fornecida.
Importância dos programas de triagem
A experiência francesa ilustra o impacto positivo da triagem mensal, com redução expressiva da gravidade dos casos. No Brasil, apesar de existir um protocolo do MS para o manejo da toxoplasmose na gravidez, ainda não há uma frequência de testagem tão rigorosa quanto a praticada na França.
De todo modo, o custo-benefício de estratégias preventivas e de diagnóstico precoce é amplamente favorável. Assim, ampliar o acesso à triagem sorológica e ao tratamento adequado durante a gestação é uma necessidade em saúde pública.
Como vimos, a toxoplasmose congênita, silenciosa em sua fase inicial, pode resultar em graves sequelas neurológicas e oculares a longo prazo. O papel do profissional de saúde na prevenção, diagnóstico precoce e manejo terapêutico é central para reduzir a morbimortalidade associada à infecção. Por isso, investir em triagem pré-natal e em políticas públicas de prevenção é crucial para a saúde materno-infantil.
Continue aprofundando seus conhecimentos sobre diagnóstico de infecções neonatais. Recomendamos a leitura do conteúdo: Detecção molecular do citomegalovírus é incluída na triagem neonatal do Sabin.
Referências:
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Avignon, Marine et al. “Diagnosis of Congenital Toxoplasmosis: Performance of Four IgG and IgM Automated Assays at Birth in a Tricentric Evaluation.” Journal of clinical microbiology vol. 60,5 (2022): e0011522. doi:10.1128/jcm.00115-22
Denis, Julie et al. “Contribution of serology in congenital toxoplasmosis diagnosis: results from a 10-year French retrospective study.” Journal of clinical microbiology vol. 61,10 (2023): e0035423. doi:10.1128/jcm.00354-23
Kahan, Yaara et al. “Characterization of Congenital Toxoplasmosis in Israel: A 17-year Nationwide Study Experience.” The Pediatric infectious disease journal vol. 39,6 (2020): 553-559. doi:10.1097/INF.0000000000002598
Portal Gov.br. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/triagem-neonatal. Acesso em: 31 jul. 2025.