A farmacogenética é o campo da medicina que estuda como as variações genéticas influenciam a resposta de cada indivíduo aos medicamentos. O principal objetivo é orientar a escolha e a dosagem de fármacos de maneira personalizada, reduzindo riscos de toxicidade e aumentando a eficácia terapêutica.
Essa abordagem tem ganhado destaque especialmente em áreas como oncologia, psiquiatria e cardiologia, nas quais o equilíbrio entre benefício e risco terapêutico é delicado.
Na oncologia, em particular, a farmacogenética vem sendo integrada como uma ferramenta na individualização dos esquemas de tratamento. Um exemplo clínico emblemático é a genotipagem do gene DPYD, que codifica a enzima diidropirimidina desidrogenase (DPD), importante para o metabolismo de quimioterápicos como o 5-fluorouracil (5-FU) e a capecitabina.
A deficiência de DPD pode levar à toxicidade grave, quando esses fármacos são administrados em pacientes com variantes patogênicas no DPYD. Por isso, a identificação prévia dessas variantes tornou-se uma ferramenta na prática oncológica, principalmente no tratamento de câncer colorretal, de mama e tumores gastrointestinais.
Continue a leitura e atualize-se sobre o exame para pesquisa de variantes no gene DPYD, incorporando tecnologia de ponta para apoiar o cuidado personalizado.
O que é o gene DPYD e qual sua função na metabolização de quimioterápicos?
O gene DPYD codifica a enzima diidropirimidina desidrogenase (DPD), responsável pelo catabolismo de mais de 80% da dose administrada de fluoropirimidinas, como o 5-FU e a capecitabina. Em indivíduos com mutações que comprometem a função da DPD, ocorre o acúmulo dessas substâncias no organismo, levando à toxicidade grave, mesmo em doses terapêuticas consideradas padrão.
A relação entre genética e farmacocinética torna a genotipagem do DPYD uma ferramenta relevante para a previsão de resposta e o risco de toxicidade em pacientes oncológicos.
Deficiência de DPD: implicações clínicas da genotipagem do gene DPYD
Pacientes com deficiência completa ou parcial da enzima DPD apresentam risco significativamente maior de toxicidade hematológica, gastrointestinal e neurológica ao utilizar fluoropirimidinas. Esses eventos adversos, quando não previstos, podem ocorrer já no primeiro ciclo de quimioterapia e comprometer a continuidade do tratamento.
As variantes Tier 1 do DPYD recomendadas para triagem clínica, conforme consenso internacional, incluem: c.1905+1G>A (DPYD*2A), c.1679T>G (DPYD*13), c.1129-5923C>G (HapB3), c.557A>G, c.868A>G, c.2279C>T e c.2846A>T. Essas variantes têm associação comprovada com atividade reduzida ou ausente da DPD, justificando o ajuste da dose ou a substituição do tratamento para evitar eventos adversos graves. A inclusão de variantes como a c.557A>G é essencial para refletir a diversidade étnica dos pacientes brasileiros, sobretudo aqueles de ascendência africana.
Toxicidades associadas a variantes no DPYD
As reações adversas mais comuns em pacientes com variantes no DPYD abrangem neutropenia, leucopenia, trombocitopenia, mucosite, diarreia grave, náusea e vômito intensos. Em alguns casos, essas toxicidades podem evoluir para hospitalização, sepse e até óbito.
A genotipagem prévia permite o ajuste posológico ou avaliação de alternativas terapêuticas antes da administração da primeira dose de quimioterapia, reduzindo substancialmente os riscos.
A importância da genotipagem pré-tratamento em oncologia clínica
Diretrizes internacionais, como do Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium (CPIC), da European Medicines Agency (EMA) e da Dutch Pharmacogenetics Working Group (DPWG) recomendam a triagem genética para as variantes Tier 1 do DPYD antes da prescrição de fluoropirimidinas.
Conforme a combinação de alelos identificados no teste, diferentes recomendações clínicas de ajuste de dosagem de fluoropirimidinas ou mesmo indicação de tratamento com outros quimioterápicos (por exemplo, quando são identificadas duas variantes do tipo DPYD*2A) podem ser implementados. A genotipagem prospectiva reduz a incidência de toxicidade grave em até 40%.
E no Brasil?
No Brasil, ainda não há diretriz nacional formal para a triagem de DPYD antes da quimioterapia. No entanto, estudos conduzidos por pesquisadores brasileiros sugerem a aplicabilidade clínica dessa abordagem.
O estudo de Botton et al. identificou frequência expressiva de variantes do DPYD em brasileiros oriundos da Região Sul, comparável à de outras populações latino-americanas.
Enquanto diretrizes específicas são desenvolvidas, as recomendações internacionais podem servir como referência provisória para a prática clínica no país, especialmente em populações de risco.
Como realizar a pesquisa de variantes genéticas no gene DPYD
De modo geral, o exame de pesquisa de variantes genéticas no gene DPYD é realizado por PCR em tempo real e contempla as variantes Tier 1 com reconhecida relevância clínica. Sua indicação é preferencialmente anterior ao início da quimioterapia com fluoropirimidinas, como o 5-FU e a capecitabina, sendo particularmente aplicada para pacientes com câncer colorretal, de mama e tumores gastrointestinais.
A disponibilização desse exame amplia o acesso a uma ferramenta precisa e validada, fortalecendo a adoção de condutas baseadas em farmacogenética e alinhadas aos princípios da medicina personalizada. O Grupo Sabin conta com essa ferramenta em seu portfólio de exames.
Na prática clínica, a genotipagem do DPYD representa um avanço notável na individualização da quimioterapia, permitindo a identificação de pacientes com maior risco de toxicidade. Essa informação genética orienta ajustes personalizados de dose, diminui a ocorrência de efeitos adversos graves e favorece uma condução terapêutica mais segura e eficaz.
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