A fibrose cística é uma condição genética hereditária que afeta as secreções das cavidades corporais, tornando-as espessas e pegajosas. Em consequência, podem ocorrer obstruções das vias aéreas e comprometimento do funcionamento de órgãos dos sistemas digestivo e respiratório, causando uma série de problemas de saúde.
Segundo estudos epidemiológicos, atualmente, existem mais de 70 mil pacientes com fibrose cística no mundo. Cerca de mil novos casos da doença são identificados a cada ano, com mais de 75% dos pacientes diagnosticados no início da vida (idade média de três anos).
Os primeiros sintomas da fibrose cística podem aparecer logo nos primeiros anos, incluindo dificuldade respiratória persistente, tosse crônica e diarreia. À medida que a criança cresce, a fibrose cística pode afetar o funcionamento dos pulmões e do sistema digestivo, tornando a absorção de nutrientes mais difícil e predispondo a infecções pulmonares recorrentes.
Felizmente, os avanços na medicina, em termos de diagnóstico e tratamento, têm proporcionado uma maior expectativa e qualidade de vida para as crianças diagnosticadas com a doença.
Neste conteúdo, você encontrará informações muito importantes para tirar as suas principais dúvidas em relação à fibrose cística, suas causas, sintomas e como é feito o diagnóstico e tratamento da doença.
O que é a fibrose cística?
A fibrose cística, também conhecida como mucoviscidose, é uma doença genética causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator), responsável por produzir proteínas importantes para a produção de muco.
A principal característica da fibrose cística é a produção anormal de muco, que se torna mais espesso e pegajoso em razão das alterações genéticas, impactando, principalmente, as vias respiratórias (pulmões), o trato digestivo e o pâncreas.
O muco é uma substância viscosa produzida naturalmente pelas células do corpo, especialmente nas vias respiratórias e no trato digestivo, atuando como uma espécie de “filtro” e “lubrificante”. Nas vias respiratórias, ajuda a capturar partículas indesejadas, como poeira e bactérias, impedindo-as de alcançar os pulmões. No trato digestivo, facilita o movimento dos alimentos e a absorção de nutrientes.
Devido ao muco espesso e pegajoso, as pessoas com fibrose cística enfrentam uma série de desafios de saúde. Nos pulmões, o muco acumulado dificulta a respiração e torna o ambiente ideal para o crescimento de bactérias, levando a infecções pulmonares frequentes e persistentes. No trato digestivo, o muco espesso pode obstruir os ductos pancreáticos, prejudicando a função do pâncreas e a absorção de nutrientes essenciais.
Doença genética de herança autossômica recessiva
A fibrose cística é uma doença genética autossômica recessiva. Esse tipo de doença ocorre pela herança de mutações em genes (gene CFTR) localizados nos cromossomos autossômicos, ou seja, os cromossomos que não estão relacionados à determinação do sexo.
Uma mutação genética é considerada recessiva quando uma única cópia do gene mutado não é suficiente para causar a doença. Isso significa que uma pessoa que herda uma cópia normal e uma cópia mutada é, geralmente, portadora da condição, mas não desenvolve o quadro clínico.
Para haver a manifestação da fibrose cística, é necessário que a pessoa herde as duas cópias do gene alterado. Isto é, para uma criança desenvolver a doença, ela precisa herdar uma cópia mutada do pai e uma cópia mutada da mãe. Em termos práticos, se os pais da criança tiverem cada um uma cópia da alteração genética, as chances do filho nascer com fibrose cística são de 25%.
Quais os sintomas da fibrose cística?
A fibrose cística é uma condição complexa que pode se manifestar de maneira variada. Alguns dos principais sintomas podem se tornar evidentes já no período neonatal, enquanto outros podem se desenvolver ao longo da vida. A gravidade da doença também pode variar de acordo com o quadro clínico de cada paciente.
Uma das características notáveis da fibrose cística é relacionada ao suor da pessoa, que apresenta um teor excepcionalmente alto de sal. Esse é um sinal que pode ser observado quando pais beijam seus filhos no rosto, por exemplo, sendo a condição conhecida popularmente como “doença do beijo salgado”.
A produção de muco espesso e pegajoso pode obstruir o sistema respiratório, desencadeando sintomas como:
- tosse crônica acompanhada de catarro espesso e pegajoso;
- infecções pulmonares recorrentes, como pneumonia e bronquite;
- chiados no peito ou falta de fôlego devido à obstrução das vias aéreas, tornando a respiração difícil.
Com o avanço da doença, os sintomas e as complicações podem se agravar, caso não haja um tratamento adequado. A função pulmonar pode deteriorar-se progressivamente em consequência das infecções crônicas e danos aos pulmões.
Pode ocorrer, ainda, o bloqueio do transporte de enzimas digestivas do pâncreas para o intestino delgado. Sem essas enzimas, o intestino não consegue absorver completamente os nutrientes, ocasionando diarreia crônica e desnutrição, além de levar a um quadro de baixo peso e estatura.
Outras complicações também podem surgir com o tempo, como sinusite, hipertensão pulmonar, hipertrofia do ventrículo direito do coração, fibrose hepática e diabetes.
Infertilidade masculina
Uma consequência bastante significativa da fibrose cística são os casos de infertilidade em homens diagnosticados com a doença. Estudos indicam que mutações no gene CFTR podem estar relacionadas a prejuízos na formação do canal espermático. A produção de espermatozoides em homens com fibrose cística é normal na maioria dos casos. Entretanto, a ausência do canal espermático prejudica a chegada dos espermatozoides no sêmen, o que impede a fertilização do óvulo durante a relação sexual.
Como é feito o diagnóstico da fibrose cística?
O diagnóstico da fibrose cística é clínico e representa um passo crucial para a intervenção precoce e o manejo eficaz da condição. Em geral, é conduzido pelo médico pneumologista, especialmente porque o sistema respiratório é uma das áreas mais afetadas pela fibrose cística.
No exame clínico, são avaliados os sintomas apresentados pelo paciente, histórico familiar e exame físico. Em caso de suspeita, o médico solicitará uma série de outros exames, como o teste de função pulmonar e exames de imagem (raio-x do tórax ou tomografia computadorizada), para revelar sinais de inflamação, infecções pulmonares ou danos nos pulmões. Entretanto, o padrão-ouro para o diagnóstico da fibrose cística é o teste do suor, que mede a quantidade de sal no suor do paciente. Por fim, os exames genéticos também são excelentes ferramentas para identificar de maneira específica mutações relacionadas à fibrose cística.
A análise de mutações no gene da fibrose cística pode auxiliar no diagnóstico e aconselhamento genético e é imprescindível para triar pacientes que se beneficiarão de determinados tratamentos (vide abaixo). No entanto, é importante destacar que somente a detecção de alterações genéticas associadas à doença não é suficiente para se estabelecer o diagnóstico de fibrose cística. Em alguns casos, a pessoa pode ter mutações no gene CFTR e não manifestar sintomas da doença. Por isso, os exames genéticos devem sempre ser interpretados correlacionando com os achados clínicos.
No Sabin, possuímos exames de sequenciamento completo do gene CFTR, que podem ser feitos em crianças e adultos, além do painel para doenças recessivas, um exame utilizado para aconselhamento genético de pais que desejam ter filhos e que querem saber os riscos associados à herança genética da doença.
Triagem neonatal
Para recém-nascidos, a triagem da fibrose cística é feita por intermédio do Teste do Pezinho e Teste Genético da Bochechinha, ferramentas de grande utilidade para rastrear a condição ainda nos primeiros dias de vida.
No Teste do Pezinho, uma pequena amostra de sangue é coletada do calcanhar do bebê e analisada para identificar sinais sugestivos de fibrose cística. Em caso de suspeita, o paciente deverá ser encaminhado para realizar o teste do suor ou um teste genético.
Já no Teste Genético da Bochechinha, a análise é feita a partir da coleta de uma amostra do DNA por meio da saliva, sendo, então, pesquisadas alterações no gene da fibrose cística. A amostra é coletada com o auxílio de um tipo específico de cotonete, esfregando o mesmo delicadamente na parte interna da bochecha do bebê.
Identificar a fibrose cística nas primeiras semanas de vida do bebê por meio da triagem neonatal é fundamental para iniciar rapidamente o tratamento e manejo da condição. Isso possibilita garantir uma maior expectativa e qualidade de vida da criança.
A fibrose cística tem cura?
Por se tratar de uma doença genética, não existe cura para a fibrose cística. Contudo, os tratamentos atualmente disponíveis são eficazes em reduzir as complicações e aliviar os sintomas dos pacientes, proporcionando uma melhor qualidade e expectativa de vida.
O tratamento tradicional é realizado através de medicamentos para diferentes fins, como broncodilatadores, antibióticos e mucolíticos. O acompanhamento do paciente é multidisciplinar e envolve a participação de profissionais pneumologistas, gastroenterologistas, endocrinologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, além de apoio à saúde mental por meio de psicólogos e psicoterapeutas.
Em alguns casos mais graves, pode ser necessária intervenção cirúrgica para desobstrução de alguma via respiratória ou digestiva. Adicionalmente, pesquisas vêm sendo realizadas para o desenvolvimento de novas opções terapêuticas, como a terapia gênica.
A terapia gênica para a fibrose cística é uma abordagem inovadora no tratamento, que visa corrigir ou compensar as mutações genéticas associadas à doença, aliviando os seus sintomas e complicações. A ideia por trás dessa técnica é introduzir uma cópia saudável do gene CFTR nas células do paciente, de modo a restaurar a produção adequada da proteína.
Até o momento, os resultados demonstrados em pesquisa têm sido bastante promissores. Mas é importante ressaltar que a terapia gênica continua em estágios experimentais e pode não ser uma opção de tratamento amplamente disponível.
Novo medicamento é oferecido no SUS
Em setembro de 2023, o Ministério da Saúde (MS) aprovou a incorporação de uma nova medicação para tratamento da fibrose cística no Sistema Único de Saúde (SUS): o medicamento Trikafta®. A nova opção terapêutica traz benefícios clínicos importantes, como a melhora da função pulmonar e do estado nutricional, com consequente redução das internações hospitalares e retirada do paciente da fila de transplantes.
De acordo com o órgão, o Trikafta® será elegível apenas para pessoas a partir dos seis anos de idade diagnosticadas com fibrose cística e que tenham pelo menos uma mutação F508del no gene CFTR, pois o medicamento só é efetivo na presença desse tipo de alteração genética.
Essa mutação é uma das mais comumente associadas à fibrose cística e gera deficiência na produção da proteína CFTR, levando ao desenvolvimento da doença. A pesquisa exclusiva da mutação F508del está entre os exames genéticos oferecidos pelo Sabin para diagnóstico da fibrose cística. Outro medicamento, o Ivacaftor®, está disponível para pacientes que possuem mutações mais raras no CFTR, ressaltando a importância da pesquisa genética dos pacientes.
Apesar da sua gravidade, cabe destacar que a fibrose cística é uma doença que pode ser controlada e ter suas complicações minimizadas, sobretudo se for detectada precocemente por meio do Teste do Pezinho. Para entender em mais detalhes a importância da triagem neonatal, sugerimos a leitura do conteúdo sobre o que é o Teste do Pezinho, para que você se mantenha bem informado e comece a cuidar da saúde do seu filho logo após o nascimento.
Sabin avisa:
Este conteúdo é meramente informativo e não pretende substituir consultas médicas, avaliações por profissionais de saúde ou fornecer qualquer tipo de diagnóstico ou recomendação de exames.
Importante ressaltar que diagnósticos e tratamentos devem ser sempre indicados por uma avaliação médica individual. Em caso de dúvidas, converse com seu médico. Somente o profissional pode esclarecer todas as suas perguntas.
Lembre-se: qualquer decisão relacionada à sua saúde sem orientação profissional pode ser prejudicial.
Referências:
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Mayo Clinic. Cystic Fibrosis. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/cystic-fibrosis/symptoms-causes/syc-20353700 Acesso em: 31/08/2023Ministério da Saúde. Fibrose Cística. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/fibrose-cistica/ Acesso em: 31/08/2023