Sabin Por: Sabin
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Você sabia que é estimado que cada célula humana disponha de 2m de DNA — que está lá, no núcleo, enrolado em torno do próprio eixo? Temos trilhões e trilhões de células em nosso corpo. Então, imagine quantos quilômetros de informações genéticas não temos dentro de nós!

Para que tudo isso seja formado, acontecem processos de divisão celular. No entanto, nem sempre eles ocorrem como deveriam. E é assim, a partir de erros nessa etapa, que podem surgir doenças causadas por mutações genéticas. É sobre esse assunto que vamos conversar nos próximos parágrafos. 

Para nos ajudar, contaremos com o conhecimento da Dra. Beatriz Versiani, geneticista e consultora do Sabin. Vamos lá? 

Como funciona a genética?

Antes de falarmos sobre as doenças e síndromes relacionadas com mutações genéticas, é necessário explicarmos esse conceito. Ele é um pouco complexo e pode nos deixar confusos caso não saibamos quais são os seus termos básicos e como tudo isso funciona. Continue a leitura e entenda:

O que é DNA?

Ilustração DNA

O DNA é uma estrutura presente em vários seres vivos, cuja função é armazenar as informações genéticas de cada pessoa. 

Ele é popularmente conhecido pela sua estrutura de dupla hélice, no qual duas “fitas” se enrolam. Essas fitas (ou parte delas) formam os nossos genes.

E os cromossomos?

Cromossomos são estruturas caracterizadas pela presença do DNA condensado (ou seja, enrolado), deixando o bem menorzinho para caber dentro das células.

Cada espécie tem um número diferente de cromossomos. Os seres humanos, por exemplo, têm 46. Entre eles, há um par de cromossomos sexuais, caracterizados pelas letras XX (mulheres) e XY (homens).

O que são genes?

O termo gene é relacionado a um fragmento do DNA. Cada gene pode ser responsável por uma ou mais características genéticas, inclusive as de fenótipo (aparência). Exemplos são a cor do cabelo, dos olhos e da pele.

De acordo com a Dra. Beatriz Versiani, podemos comparar o nosso material genético a uma biblioteca:

“As estantes são cromossomos, os livros são os genes que compõem os cromossomos. O que está escrito no livro (as palavras) são os nucleotídeos. As mutações seriam como uma troca de letras ou palavras, como palavras trocadas. Por isso, são inúmeras possibilidades.”

Nucleotídeos são unidades menores que fazem parte do DNA. Eles são como peças de montar, em cores diferentes, que podem ser agrupadas em inúmeras ordens. Cada ordem gera um gene diferente, que por sua vez é responsável por expressar uma ou mais características nos indivíduos (como a cor do olhos, do cabelo, etc).

Como acontece a divisão celular?

Os processos de divisão celular são supercomplexos e você não precisa saber todos os detalhes sobre eles. Apenas entenda que existem dois, que são:

  • mitose: relacionado com a renovação celular e crescimento, gerando células idênticas à célula de origem. Por exemplo: quando nos machucamos, as células se multiplicam utilizando o processo de mitose para que a pele seja recuperada e cicatrize;
  • meiose: acontece na formação dos gametas (células com 23 cromossomos, com a função exclusiva de reprodução sexuada) femininos (óvulos) e masculinos (espermatozóides).

Como a informação genética é transmitida para um novo indivíduo?

A “mistura” dos genes de pessoas diferentes para a formação de um novo ser acontece na fecundação, quando os gametas (que têm 23 cromossomos, lembra?) feminino e masculino se combinam. Assim, é formado um zigoto, célula com 46 cromossomos, que passará por várias divisões celulares.

Ao longo da divisão celular, alguns “erros” podem acontecer, chamados de mutações. Elas podem ser irrelevantes, benéficas ou trazer prejuízos para o indivíduo. Tudo dependerá dos genes que foram mexidos, da quantidade de cromossomos envolvidos e outros fatores.

As mutações são divididas em:

  • germinativas, quando acontecem no material genético de todas as células do corpo, incluindo os gametas;
  • somáticas, quando acontecem somente em um tecido do corpo. 

As mutações do tipo germinativas são aquelas que podem ser passadas para os descendentes, enquanto as somáticas, não. Um bom exemplo de alteração somática é o câncer, enquanto boa parte das síndromes genéticas é originada da forma germinativa.

Lembrando que todas as mutações (também chamadas de variantes) são aleatórias, ou seja, acontecem ao acaso, ainda que alguns fatores — como a idade ou fatores externos como tabaco, álcool ou radiação — possam aumentar as chances delas acontecerem.

O que são mutações genéticas?

As mutações genéticas representam alterações em um gene ou cromossomo específico. Como mencionado, nem sempre caracterizam uma síndrome ou doença, podendo ser irrelevante para a vida do paciente observado.

Podem acontecer como alterações ocorridas no processo de divisão celular, algumas delas sendo hereditárias, o que quer dizer que são passadas de pai para filho. No entanto, nem toda síndrome genética será causada por problemas hereditários, já que elas podem se desenvolver a partir de outros fatores, como os ambientais. Além disso, precisamos esclarecer um último ponto: se há, ou não, uma diferença entre os termos “mutação” — ao qual estamos mais acostumados — e “variante”.

A verdade é que, cientificamente, não há qualquer distinção entre as duas palavras. As duas representam uma alteração na hora da “cópia genética”, quando algo foge do “roteiro” que deveria ser seguido.

O problema é que o termo “mutação” tem uma carga muito negativa. Por isso, hoje é priorizado o uso do conceito de variante, mais neutro e que nos permite compreender as alterações como elas realmente são — mudanças genéticas que podem ou não ter implicações negativas para a saúde. 

É possível que alterações genéticas se manifestem mais tarde na vida?

Sim, já que a manifestação de alterações genéticas não é exclusividade das crianças e nem sempre é detectável precocemente. 

Por isso, há questões genéticas que demoram um tempo a se manifestar. “Algumas doenças só vão se manifestar na fase adulta, outras não. Na acondroplasia, por exemplo, já se nota algumas alterações nos membros desde a gestação. Uma fibrose cística só se manifesta por volta dos dois anos de idade. A doença de Huntington, por sua vez, desencadeia uma deterioração neurológica após os 40 anos”, conta a especialista.

Outro exemplo clássico acontece quando as mutações são do tipo somática, como é o caso do câncer. Essas alterações acontecem nas mitoses, que são as divisões celulares relacionadas com a renovação de tecidos. 

Em alguns casos, acontecem erros nesse processo, o que pode gerar células diferentes das que as originaram. Lembrando que o objetivo é que a célula formada seja idêntica à sua célula-mãe. 

A variabilidade genética sempre traz prejuízos para a saúde?

Não. O processo de mutação (ou variante genética) é o responsável pela vida como conhecemos hoje. Para os organismos, não é interessante ter sempre o mesmo material genético.

A variabilidade genética, como é chamada, é importantíssima para a sobrevivência das espécies, fazendo com que elas fiquem mais resistentes.

A evolução e a seleção natural também são conceitos diretamente relacionados com as mutações. Há tantas espécies de plantas, animais e tantas pessoas diferentes por conta dessas pequenas mudanças que acontecem frequentemente em nosso DNA.

Essas variações podem ter influência ambiental?

Sim, alguns fatores ambientais podem predispor ao aparecimento de mutações, que na maioria das vezes são mutações somáticas, ou seja, que não são transmitidas aos descendentes.

Alguns dos fatores ambientais relacionados são:

  • exposição aos raios solares sem proteção;
  • exposição à radiação;
  • exposição a compostos químicos variados;
  • tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas, entre outros.

Por isso, uma dica é sempre manter o estilo de vida mais saudável possível. Busque uma alimentação de qualidade, a prática regular de atividades físicas (mesmo as mais leves, como caminhadas em vez de ir a todos os lugares de carro), evite o cigarro, use protetor solar — se possível, evite o sol em horário de pico — e, se for o caso, não deixe de usar os equipamentos de proteção individual (EPIs) em seu trabalho.

Quais são as principais condições e consequências relacionadas a mutações genéticas?

De acordo com a Dra. Beatriz, “existem inúmeras doenças genéticas em todas as áreas da medicina, e elas provocam problemas cardiológicos, renais, hepáticos, neurológicos, de fertilidade, respiratórios. Entre os mais comuns, vemos muitas deficiências intelectuais, geralmente sindrômicas, ou seja, acompanhadas por mais alguma coisa, como uma dismorfia”.

A seguir, descobriremos algumas síndromes que estão relacionadas com o conceito de variante (ou mutação) genética, sejam elas hereditárias (passadas de pais para filhos) ou originadas a partir de “erros” na divisão celular.

Acondroplasia

Iniciaremos a lista com a acondroplasia, síndrome popularmente conhecida como “nanismo”. Ela acontece a partir de variações em genes que estão relacionados com o crescimento ósseo. Por isso, o paciente tem os membros (braços e pernas) mais curtos e outras características físicas, como a baixa estatura. Não há cura — ainda que tratamentos eficientes tenham surgido recentemente — e a questão é identificada no nascimento.

Síndrome de Patau

A Síndrome de Patau é uma alteração cromossômica, no qual o paciente tem uma trissomia (triplicação) do cromossomo de número 13. É uma condição bem grave e que é caracterizada por distúrbios de desenvolvimento do sistema nervoso, além de deficiência intelectual e problemas cardíacos.

Síndrome de Turner

Essa é uma síndrome exclusivamente feminina — causada pela presença de apenas um X, quando deveriam ser dois —, que faz com que as meninas sejam mais baixas, tenham atraso na puberdade e sejam inférteis devido a alterações no sistema reprodutor. Algumas questões podem ser contornadas com a reposição hormonal, incluindo o uso de hormônios do crescimento. Essas pacientes também podem apresentar doenças cardíacas e renais, que exigem acompanhamento e tratamento.

Síndrome de Klinefelter

Agora, falaremos sobre uma síndrome exclusivamente masculina — causada pela presença de um cromossomo X a mais (XXY). Os meninos com Klinefelter também são inférteis e apresentam alterações no sistema reprodutor. Assim como as garotas que têm a Síndrome de Turner, eles podem passar por reposições hormonais que otimizam o seu desenvolvimento.

Síndrome de Marfan

Causada por um problema em um gene específico, a Síndrome de Marfan é caracterizada por características físicas (pacientes altos e com membros longos) e fisiológicas (alterações cardíacas e em outros órgãos). É preciso um acompanhamento rígido do paciente, com o uso de medicações ou a realização de cirurgias para evitar complicações, especialmente cardíacas e oftalmológicas.

Síndrome de Down

Essa é uma das síndromes genéticas mais comuns. A Síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21, faz com que os pacientes tenham características físicas marcantes e alterações no desenvolvimento intelectual, além de possíveis problemas em outros órgãos. Apesar disso, podem ter vidas longas e produtivas.

Fibrose Cística

Outra doença crônica causada por alterações genéticas é a fibrose cística. Os afetados aqui são órgãos do sistema digestivo e os pulmões. O paciente com esse problema produz mucos muito espessos, o que dificulta a respiração e exige um controle permanente por meio de medicamentos. 

Anemia falciforme

As nossas hemácias (glóbulos vermelhos do sangue) são redondas, algo que contribui para a sua funcionalidade: o transporte de oxigênio por todo o corpo. Na anemia falciforme, causada por alterações genéticas, elas têm um formato parecido com o de uma foice, se rompendo facilmente e causando uma anemia grave nos pacientes. 

Hemofilia

Outro distúrbio hereditário ligado ao tecido sanguíneo é a hemofilia. O paciente hemofílico não consegue coagular o sangue da forma adequada, estando suscetível a sangramentos e hemorragias frequentes. O tratamento de eleição é a suplementação de agentes que permitam a ocorrência certa da coagulação.

Distrofia muscular de Duchenne

Assim como a síndrome de Klinefelter, a Distrofia muscular de Duchenne afeta apenas garotos. Essa é uma doença degenerativa caracterizada por defeitos na produção de proteínas fundamentais para a força e função muscular. 

Doença de Huntington

De origem genética, a Doença de Huntington é um problema neurológico progressivo. Filhos de pessoas com essa alteração têm 50% de chances de herdar o gene com a mutação e os sintomas começam, normalmente, a partir dos 30 ou 40 anos. Os sintomas envolvem dificuldades motoras e cognitivas, como espasmos, mudanças no comportamento e outros.

Câncer

Por fim, temos o câncer, causado por mutações genéticas que formam tumores ou infiltrados em órgãos variados do corpo. Há casos em que apenas a remoção cirúrgica da área afetada traz a cura (remissão), mas outros exigem tratamentos mais agressivos como a quimioterapia ou a radioterapia. 

Como é o diagnóstico das síndromes genéticas?

O processo de diagnóstico de uma síndrome genética pode ter vários caminhos, que podem depender de vários fatores. No caso de acometimentos raros, ele costuma ser mais longo, com a passagem por diversos especialistas até que a dúvida sobre uma afecção no DNA surja.

E isso é algo completamente normal! Em alguns casos, é preciso excluir possibilidades mais comuns para os sintomas apresentados antes de partir para algo muito específico. Por isso, confie no processo dos seus médicos e, caso tenha dúvidas ou suspeitas, solicite o encaminhamento para um geneticista.

Quando o paciente chega em uma consulta com um especialista (como o geneticista), é iniciada a investigação de uma possível síndrome genética. 

A busca será guiada a partir dos sintomas e do histórico do paciente. Se há algum caso na família, se ele está apresentando algum tipo de dificuldade, entre outros fatores. Tudo isso será avaliado. “Muitos pacientes passaram por vários especialistas, apresentando um conjunto de sintomas que não parecem relacionados e que os médicos não conseguem explicar. Isso pode acender o alerta sobre a possibilidade de uma doença rara”, conta a especialista.

O geneticista precisará solicitar testes mais específicos, podendo ser eles:

  • o teste de cariótipo, que mapeia todos os cromossomos e avalia a presença de alterações;
  • a análise cromossômica por microarray, que analisa alterações cromossômicas ainda mais sutis;
  • o teste de gene único, indicado apenas para quando há a quase certeza de uma doença específica, sendo buscado um gene em particular;
  • o painel genético, que avalia um conjunto de genes, mais indicado para quando há a dúvida entre mais de uma síndrome;
  • a análise completa de exoma, teste mais complexo. São avaliados milhares de genes, sendo indicado para quando não se tem uma ideia clara de qual seria a síndrome do paciente avaliado.

Os testes genéticos servem para diagnosticar alterações no material genético, ou seja, ver qual é o problema vivenciado por aquele paciente ou identificar as chances do desenvolvimento de um quadro já observado na família.

Esses testes são um complemento para algumas doenças, mas a sua principal função é determinar qual é a síndrome do paciente em casos mais específicos. 

Como conviver com uma síndrome genética ou próximo a alguém que tem uma?

Para finalizar, é hora de falarmos sobre um ponto muito importante quando o assunto é a ocorrência de alterações genéticas: o acompanhamento e o convívio com as síndromes ou doenças envolvidas.!

“Vivemos em uma sociedade que espera a perfeição, não está acostumada a conviver com a diversidade. Devemos ter consciência de que sempre vai existir o diferente. É necessário investir em educação, para que as pessoas aprendam a conviver com essa realidade”, pondera Dra. Beatriz.

Confira algumas dicas a seguir.

Consultas frequentes

Um dos principais cuidados que devemos ter com pacientes que lidam com uma síndrome genética é a realização de consultas frequentes. Esse acompanhamento contínuo é essencial para garantir que a doença esteja sob controle ou identificar a sua progressão, a fim de fazer os devidos ajustes em medicações e suporte.

Suporte de uma equipe multidisciplinar

Já que o assunto é suporte, não podemos deixar de falar sobre a relevância de uma equipe multidisciplinar nos cuidados com o paciente que tem uma síndrome genética. Alguns dos profissionais envolvidos nesse processo são:

  • médicos de diversas especialidades,
  • fisioterapeutas,
  • psicólogos,
  • nutricionistas,
  • psicopedagogos,
  • assistentes sociais,
  • terapeutas ocupacionais,
  • fonoaudiólogos, entre outros.

Além disso, há a importância do suporte do Estado e de outras esferas sociais. No caso de deficiências intelectuais, por exemplo, é de suma importância que existam escolas especializadas nesses pacientes e recursos para que essas pessoas possam viver com qualidade e dignidade.

Construção de uma rede de apoio

A questão da dignidade ainda é um problema muito frequente na vida dos pacientes com síndromes genéticas — em alguns casos, esses indivíduos vivem quase que marginalizados.

Para superar essas adversidades, é fundamental que o paciente e toda a sua família busquem uma rede de apoio, com amigos, profissionais da saúde, física e mental, e organizações que promovem a interação entre pessoas que também enfrentam os mesmos desafios em seu dia a dia.

Busca pela informação

Por fim, outra maneira de cuidar da sua saúde ou da dos seus familiares com síndromes genéticas é buscar informação. Não se acomode! Seja ativo em busca do próprio conhecimento e aprenda cada vez mais sobre o assunto.

Não tenha medo de questionar os profissionais, tirar as suas dúvidas e aprender. Nesses cenários, não há perguntas tolas, mas sim o aprendizado sobre um tema que é, sem dúvidas, complexo e muito profundo.

Conhecer as síndromes e doenças causadas por alterações genéticas é algo de extrema importância para o nosso dia a dia. Tirou todas as suas dúvidas sobre o tema? Agora, não deixe de continuar pesquisando sobre o assunto e, claro, de passar essas informações para as pessoas do seu convívio!

Por fim, que tal conferir outro artigo muito importante para o seu conhecimento acerca do assunto? Veja o que são e como funcionam os principais exames genéticos, fundamentais para o diagnóstico de muitas doenças e alterações. Boa leitura!

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Você conhece as doenças causadas por mutações genéticas? Descubra quais são; Você sabia que é estimado que cada célula humana disponha de 2m de DNA — que está lá, no núcleo, enrolado em torno do próprio eixo? Temos trilhões e trilhões de células em nosso corpo. Então, imagine quantos quilômetros de informações genéticas não temos dentro de nós! Para que tudo isso seja formado, acontecem processos de divisão celular. No entanto, nem sempre eles ocorrem como deveriam. E é assim, a partir de erros nessa etapa, que podem surgir doenças causadas por mutações genéticas. É sobre esse assunto que vamos conversar nos próximos parágrafos.  Para nos ajudar, contaremos com o conhecimento da Dra. Beatriz Versiani, geneticista e consultora do Sabin. Vamos lá?  Como funciona a genética? Antes de falarmos sobre as doenças e síndromes relacionadas com mutações genéticas, é necessário explicarmos esse conceito. Ele é um pouco complexo e pode nos deixar confusos caso não saibamos quais são os seus termos básicos e como tudo isso funciona. Continue a leitura e entenda: O que é DNA? O DNA é uma estrutura presente em vários seres vivos, cuja função é armazenar as informações genéticas de cada pessoa.  Ele é popularmente conhecido pela sua estrutura de dupla hélice, no qual duas “fitas” se enrolam. Essas fitas (ou parte delas) formam os nossos genes. E os cromossomos? Cromossomos são estruturas caracterizadas pela presença do DNA condensado (ou seja, enrolado), deixando o bem menorzinho para caber dentro das células. Cada espécie tem um número diferente de cromossomos. Os seres humanos, por exemplo, têm 46. Entre eles, há um par de cromossomos sexuais, caracterizados pelas letras XX (mulheres) e XY (homens). O que são genes? O termo gene é relacionado a um fragmento do DNA. Cada gene pode ser responsável por uma ou mais características genéticas, inclusive as de fenótipo (aparência). Exemplos são a cor do cabelo, dos olhos e da pele. De acordo com a Dra. Beatriz Versiani, podemos comparar o nosso material genético a uma biblioteca: “As estantes são cromossomos, os livros são os genes que compõem os cromossomos. O que está escrito no livro (as palavras) são os nucleotídeos. As mutações seriam como uma troca de letras ou palavras, como palavras trocadas. Por isso, são inúmeras possibilidades.” Nucleotídeos são unidades menores que fazem parte do DNA. Eles são como peças de montar, em cores diferentes, que podem ser agrupadas em inúmeras ordens. Cada ordem gera um gene diferente, que por sua vez é responsável por expressar uma ou mais características nos indivíduos (como a cor do olhos, do cabelo, etc). Como acontece a divisão celular? Os processos de divisão celular são supercomplexos e você não precisa saber todos os detalhes sobre eles. Apenas entenda que existem dois, que são: mitose: relacionado com a renovação celular e crescimento, gerando células idênticas à célula de origem. Por exemplo: quando nos machucamos, as células se multiplicam utilizando o processo de mitose para que a pele seja recuperada e cicatrize; meiose: acontece na formação dos gametas (células com 23 cromossomos, com a função exclusiva de reprodução sexuada) femininos (óvulos) e masculinos (espermatozóides). Como a informação genética é transmitida para um novo indivíduo? A “mistura” dos genes de pessoas diferentes para a formação de um novo ser acontece na fecundação, quando os gametas (que têm 23 cromossomos, lembra?) feminino e masculino se combinam. Assim, é formado um zigoto, célula com 46 cromossomos, que passará por várias divisões celulares. Ao longo da divisão celular, alguns “erros” podem acontecer, chamados de mutações. Elas podem ser irrelevantes, benéficas ou trazer prejuízos para o indivíduo. Tudo dependerá dos genes que foram mexidos, da quantidade de cromossomos envolvidos e outros fatores. As mutações são divididas em: germinativas, quando acontecem no material genético de todas as células do corpo, incluindo os gametas; somáticas, quando acontecem somente em um tecido do corpo.  As mutações do tipo germinativas são aquelas que podem ser passadas para os descendentes, enquanto as somáticas, não. Um bom exemplo de alteração somática é o câncer, enquanto boa parte das síndromes genéticas é originada da forma germinativa. Lembrando que todas as mutações (também chamadas de variantes) são aleatórias, ou seja, acontecem ao acaso, ainda que alguns fatores — como a idade ou fatores externos como tabaco, álcool ou radiação — possam aumentar as chances delas acontecerem. O que são mutações genéticas? As mutações genéticas representam alterações em um gene ou cromossomo específico. Como mencionado, nem sempre caracterizam uma síndrome ou doença, podendo ser irrelevante para a vida do paciente observado. Podem acontecer como alterações ocorridas no processo de divisão celular, algumas delas sendo hereditárias, o que quer dizer que são passadas de pai para filho. No entanto, nem toda síndrome genética será causada por problemas hereditários, já que elas podem se desenvolver a partir de outros fatores, como os ambientais. Além disso, precisamos esclarecer um último ponto: se há, ou não, uma diferença entre os termos “mutação” — ao qual estamos mais acostumados — e “variante”. A verdade é que, cientificamente, não há qualquer distinção entre as duas palavras. As duas representam uma alteração na hora da “cópia genética”, quando algo foge do “roteiro” que deveria ser seguido. O problema é que o termo “mutação” tem uma carga muito negativa. Por isso, hoje é priorizado o uso do conceito de variante, mais neutro e que nos permite compreender as alterações como elas realmente são — mudanças genéticas que podem ou não ter implicações negativas para a saúde.  É possível que alterações genéticas se manifestem mais tarde na vida? Sim, já que a manifestação de alterações genéticas não é exclusividade das crianças e nem sempre é detectável precocemente.  Por isso, há questões genéticas que demoram um tempo a se manifestar. "Algumas doenças só vão se manifestar na fase adulta, outras não. Na acondroplasia, por exemplo, já se nota algumas alterações nos membros desde a gestação. Uma fibrose cística só se manifesta por volta dos dois anos de idade. A doença de Huntington, por sua vez, desencadeia uma deterioração neurológica após os 40 anos", conta a especialista. Outro exemplo clássico acontece quando as mutações são do tipo somática, como é o caso do câncer. Essas alterações acontecem nas mitoses, que são as divisões celulares relacionadas com a renovação de tecidos.  Em alguns casos, acontecem erros nesse processo, o que pode gerar células diferentes das que as originaram. Lembrando que o objetivo é que a célula formada seja idêntica à sua célula-mãe.  A variabilidade genética sempre traz prejuízos para a saúde? Não. O processo de mutação (ou variante genética) é o responsável pela vida como conhecemos hoje. Para os organismos, não é interessante ter sempre o mesmo material genético. A variabilidade genética, como é chamada, é importantíssima para a sobrevivência das espécies, fazendo com que elas fiquem mais resistentes. A evolução e a seleção natural também são conceitos diretamente relacionados com as mutações. Há tantas espécies de plantas, animais e tantas pessoas diferentes por conta dessas pequenas mudanças que acontecem frequentemente em nosso DNA. Essas variações podem ter influência ambiental? Sim, alguns fatores ambientais podem predispor ao aparecimento de mutações, que na maioria das vezes são mutações somáticas, ou seja, que não são transmitidas aos descendentes. Alguns dos fatores ambientais relacionados são: exposição aos raios solares sem proteção; exposição à radiação; exposição a compostos químicos variados; tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas, entre outros. Por isso, uma dica é sempre manter o estilo de vida mais saudável possível. Busque uma alimentação de qualidade, a prática regular de atividades físicas (mesmo as mais leves, como caminhadas em vez de ir a todos os lugares de carro), evite o cigarro, use protetor solar — se possível, evite o sol em horário de pico — e, se for o caso, não deixe de usar os equipamentos de proteção individual (EPIs) em seu trabalho. Quais são as principais condições e consequências relacionadas a mutações genéticas? De acordo com a Dra. Beatriz, "existem inúmeras doenças genéticas em todas as áreas da medicina, e elas provocam problemas cardiológicos, renais, hepáticos, neurológicos, de fertilidade, respiratórios. Entre os mais comuns, vemos muitas deficiências intelectuais, geralmente sindrômicas, ou seja, acompanhadas por mais alguma coisa, como uma dismorfia". A seguir, descobriremos algumas síndromes que estão relacionadas com o conceito de variante (ou mutação) genética, sejam elas hereditárias (passadas de pais para filhos) ou originadas a partir de “erros” na divisão celular. Acondroplasia Iniciaremos a lista com a acondroplasia, síndrome popularmente conhecida como “nanismo”. Ela acontece a partir de variações em genes que estão relacionados com o crescimento ósseo. Por isso, o paciente tem os membros (braços e pernas) mais curtos e outras características físicas, como a baixa estatura. Não há cura — ainda que tratamentos eficientes tenham surgido recentemente — e a questão é identificada no nascimento. Síndrome de Patau A Síndrome de Patau é uma alteração cromossômica, no qual o paciente tem uma trissomia (triplicação) do cromossomo de número 13. É uma condição bem grave e que é caracterizada por distúrbios de desenvolvimento do sistema nervoso, além de deficiência intelectual e problemas cardíacos. Síndrome de Turner Essa é uma síndrome exclusivamente feminina — causada pela presença de apenas um X, quando deveriam ser dois —, que faz com que as meninas sejam mais baixas, tenham atraso na puberdade e sejam inférteis devido a alterações no sistema reprodutor. Algumas questões podem ser contornadas com a reposição hormonal, incluindo o uso de hormônios do crescimento. Essas pacientes também podem apresentar doenças cardíacas e renais, que exigem acompanhamento e tratamento. Síndrome de Klinefelter Agora, falaremos sobre uma síndrome exclusivamente masculina — causada pela presença de um cromossomo X a mais (XXY). Os meninos com Klinefelter também são inférteis e apresentam alterações no sistema reprodutor. Assim como as garotas que têm a Síndrome de Turner, eles podem passar por reposições hormonais que otimizam o seu desenvolvimento. Síndrome de Marfan Causada por um problema em um gene específico, a Síndrome de Marfan é caracterizada por características físicas (pacientes altos e com membros longos) e fisiológicas (alterações cardíacas e em outros órgãos). É preciso um acompanhamento rígido do paciente, com o uso de medicações ou a realização de cirurgias para evitar complicações, especialmente cardíacas e oftalmológicas. Síndrome de Down Essa é uma das síndromes genéticas mais comuns. A Síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21, faz com que os pacientes tenham características físicas marcantes e alterações no desenvolvimento intelectual, além de possíveis problemas em outros órgãos. Apesar disso, podem ter vidas longas e produtivas. Fibrose Cística Outra doença crônica causada por alterações genéticas é a fibrose cística. Os afetados aqui são órgãos do sistema digestivo e os pulmões. O paciente com esse problema produz mucos muito espessos, o que dificulta a respiração e exige um controle permanente por meio de medicamentos.  Anemia falciforme As nossas hemácias (glóbulos vermelhos do sangue) são redondas, algo que contribui para a sua funcionalidade: o transporte de oxigênio por todo o corpo. Na anemia falciforme, causada por alterações genéticas, elas têm um formato parecido com o de uma foice, se rompendo facilmente e causando uma anemia grave nos pacientes.  Hemofilia Outro distúrbio hereditário ligado ao tecido sanguíneo é a hemofilia. O paciente hemofílico não consegue coagular o sangue da forma adequada, estando suscetível a sangramentos e hemorragias frequentes. O tratamento de eleição é a suplementação de agentes que permitam a ocorrência certa da coagulação. Distrofia muscular de Duchenne Assim como a síndrome de Klinefelter, a Distrofia muscular de Duchenne afeta apenas garotos. Essa é uma doença degenerativa caracterizada por defeitos na produção de proteínas fundamentais para a força e função muscular.  Doença de Huntington De origem genética, a Doença de Huntington é um problema neurológico progressivo. Filhos de pessoas com essa alteração têm 50% de chances de herdar o gene com a mutação e os sintomas começam, normalmente, a partir dos 30 ou 40 anos. Os sintomas envolvem dificuldades motoras e cognitivas, como espasmos, mudanças no comportamento e outros. Câncer Por fim, temos o câncer, causado por mutações genéticas que formam tumores ou infiltrados em órgãos variados do corpo. Há casos em que apenas a remoção cirúrgica da área afetada traz a cura (remissão), mas outros exigem tratamentos mais agressivos como a quimioterapia ou a radioterapia.  Como é o diagnóstico das síndromes genéticas? O processo de diagnóstico de uma síndrome genética pode ter vários caminhos, que podem depender de vários fatores. No caso de acometimentos raros, ele costuma ser mais longo, com a passagem por diversos especialistas até que a dúvida sobre uma afecção no DNA surja. E isso é algo completamente normal! Em alguns casos, é preciso excluir possibilidades mais comuns para os sintomas apresentados antes de partir para algo muito específico. Por isso, confie no processo dos seus médicos e, caso tenha dúvidas ou suspeitas, solicite o encaminhamento para um geneticista. Quando o paciente chega em uma consulta com um especialista (como o geneticista), é iniciada a investigação de uma possível síndrome genética.  A busca será guiada a partir dos sintomas e do histórico do paciente. Se há algum caso na família, se ele está apresentando algum tipo de dificuldade, entre outros fatores. Tudo isso será avaliado. "Muitos pacientes passaram por vários especialistas, apresentando um conjunto de sintomas que não parecem relacionados e que os médicos não conseguem explicar. Isso pode acender o alerta sobre a possibilidade de uma doença rara", conta a especialista. O geneticista precisará solicitar testes mais específicos, podendo ser eles: o teste de cariótipo, que mapeia todos os cromossomos e avalia a presença de alterações; a análise cromossômica por microarray, que analisa alterações cromossômicas ainda mais sutis; o teste de gene único, indicado apenas para quando há a quase certeza de uma doença específica, sendo buscado um gene em particular; o painel genético, que avalia um conjunto de genes, mais indicado para quando há a dúvida entre mais de uma síndrome; a análise completa de exoma, teste mais complexo. São avaliados milhares de genes, sendo indicado para quando não se tem uma ideia clara de qual seria a síndrome do paciente avaliado. Os testes genéticos servem para diagnosticar alterações no material genético, ou seja, ver qual é o problema vivenciado por aquele paciente ou identificar as chances do desenvolvimento de um quadro já observado na família. Esses testes são um complemento para algumas doenças, mas a sua principal função é determinar qual é a síndrome do paciente em casos mais específicos.  Como conviver com uma síndrome genética ou próximo a alguém que tem uma? Para finalizar, é hora de falarmos sobre um ponto muito importante quando o assunto é a ocorrência de alterações genéticas: o acompanhamento e o convívio com as síndromes ou doenças envolvidas.! "Vivemos em uma sociedade que espera a perfeição, não está acostumada a conviver com a diversidade. Devemos ter consciência de que sempre vai existir o diferente. É necessário investir em educação, para que as pessoas aprendam a conviver com essa realidade", pondera Dra. Beatriz. Confira algumas dicas a seguir. Consultas frequentes Um dos principais cuidados que devemos ter com pacientes que lidam com uma síndrome genética é a realização de consultas frequentes. Esse acompanhamento contínuo é essencial para garantir que a doença esteja sob controle ou identificar a sua progressão, a fim de fazer os devidos ajustes em medicações e suporte. Suporte de uma equipe multidisciplinar Já que o assunto é suporte, não podemos deixar de falar sobre a relevância de uma equipe multidisciplinar nos cuidados com o paciente que tem uma síndrome genética. Alguns dos profissionais envolvidos nesse processo são: médicos de diversas especialidades, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, psicopedagogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, entre outros. Além disso, há a importância do suporte do Estado e de outras esferas sociais. No caso de deficiências intelectuais, por exemplo, é de suma importância que existam escolas especializadas nesses pacientes e recursos para que essas pessoas possam viver com qualidade e dignidade. Construção de uma rede de apoio A questão da dignidade ainda é um problema muito frequente na vida dos pacientes com síndromes genéticas — em alguns casos, esses indivíduos vivem quase que marginalizados. Para superar essas adversidades, é fundamental que o paciente e toda a sua família busquem uma rede de apoio, com amigos, profissionais da saúde, física e mental, e organizações que promovem a interação entre pessoas que também enfrentam os mesmos desafios em seu dia a dia. Busca pela informação Por fim, outra maneira de cuidar da sua saúde ou da dos seus familiares com síndromes genéticas é buscar informação. Não se acomode! Seja ativo em busca do próprio conhecimento e aprenda cada vez mais sobre o assunto. Não tenha medo de questionar os profissionais, tirar as suas dúvidas e aprender. Nesses cenários, não há perguntas tolas, mas sim o aprendizado sobre um tema que é, sem dúvidas, complexo e muito profundo. Conhecer as síndromes e doenças causadas por alterações genéticas é algo de extrema importância para o nosso dia a dia. Tirou todas as suas dúvidas sobre o tema? Agora, não deixe de continuar pesquisando sobre o assunto e, claro, de passar essas informações para as pessoas do seu convívio! Por fim, que tal conferir outro artigo muito importante para o seu conhecimento acerca do assunto? Veja o que são e como funcionam os principais exames genéticos, fundamentais para o diagnóstico de muitas doenças e alterações. Boa leitura!